“O Último Ancestral” – Análise

Inteligente e viciante, este livro de ficção científica embarca na onda do afrofuturismo e mostra que a literatura nacional está mais viva do que nunca abraçando negritude, crenças africanas e tecnologia numa trama cheia de ação e espiritualidade.

Fonte: Harper Collins Brasil

Estamos vivendo uma era espetacular relacionado a expansão do afrofuturismo no mundo. Um movimento que ganhou ainda mais força com a chegada de fenômeno cultural Pantera Negra em 2018 nos cinemas, e que hoje possui vários exemplos em várias mídias possíveis. No seguimento de séries, podemos citar exemplos recentes dos curtas africanos lançados em formato de antologia pelo Disney Plus, “Kizazi Moto: Geração Fogo”, ou a série para família “Meu Pai É Um Caçador de Recompensas” da Netflix, para citar o quanto este mercado esta aquecido para alavancar a temática.

O mercado brasileiro não só acompanha esta tendência como também aproveita para trilhar seu próprio caminho com talentos pretos lançando conteúdos sobre afrofuturismo num movimento que começa a ganhar cada vez mais adeptos e fãs. O autor Alê Santos, conhecido nas redes como Savage Fiction, responsável pelo ótimo “Rastros de Resistência: Histórias de Luta e Liberdade do Povo Preto” de 2019, é um dos cabeças por trás da expansão do tema aqui no Brasil com sua obra “O Último Ancestral”.

O livro de ficção científica afro centrado lançado em novembro de 2021 pela editora Harper Collins Brasil, já se encontra em sua terceira tiragem e conta a história do jovem Eliah, que vive na periferia de Obambo participando de um esquema de roubo de carros na tentativa de melhorar suas condições e da sua irmã Hanna, adolescente autodidata em linguagens eletrônicas. Quando o jovem descobre ser o portador do espirito do Último Ancestral, uma entidade poderosa capaz de salvar os obambos da opressão, sua vida muda para sempre.

É seguindo esta premissa aparentemente simples, que embarcamos numa aventura no Mundo de Nagast, é onde Alê dá vida a seus personagens, mitologias e onde a engrenagem de uma revolução começa a tomar forma. “O Último Ancestral” é um livro fora dos padrões para quem está acostumado com a tradicional linguagem dos livros de literatura, na verdade, o que mais encanta quando se começa a ler os primeiros capítulos, é o quão original e cheio de personalidade o enredo se apresenta.

Fonte: Harper Collins Brasil

O afrofuturismo visa criar histórias alternativas para comunidades negras em futuros tecnológicos de uma forma original, sem perder as raízes. Este livro consegue capturar exatamente esta essência, com uma linguagem mais periférica com uma descrição visual que mistura tecnologia futurista aqui representada pela força opressora dos Cygens, criaturas meio humanas meio robôs que impõe um regime de segregação proibindo o uso da magia, propagação da fé e culto aos deuses a população dos distritos.

O outro lado desta moeda, vai mais para o campo da fantasia urbana, porém Alê é inteligente o suficiente para trazer toda a ancestralidade e religiosidade da cultura iorubá criando uma mitologia que traz um mundo fantástico que vai sendo desabrochado à medida que seu protagonista vai descobrindo seu papel não só no futuro de Obambo, como também de toda Nagast.

Fiquei impressionado como o autor consegue lidar com uma boa quantidade de personagens (difícil não se apegar há figuras como: Moss, Selci, Misty, dentre outros) que vão surgindo e temáticas que vão sendo trabalhadas. O livro funciona como uma escalada de conspirações e batalhas constantes numa verdadeira revolução preta dos obambos contra as forças dos Cygens do 1° Círculo do Distrito. Quando mais imergimos na história, mais elementos mágicos vão sendo introduzidos, tudo com base nas religiões vigentes de matriz africana no Brasil, como candomblé e umbanda, então termos e expressões podem causar estranheza ou desconhecimento, mas todas tem alguma base cultural e verídica, mostrando que Alê soube fazer suas pesquisas para conceber seu próprio universo.

Autor: Ale Santos

É um Brasil mostrado em forma de um futuro distópico que ainda tem como tema principal a luta de classes, intolerância religiosa e a luta de pessoas pretas e pobres por um mundo mais justo. Existe um amadurecimento nas discussões sociais bastante explicita num contexto que mesmo trazendo elementos de ficção científica, estão lá para serem refletidos, debatidos e evidenciados.

O livro também é uma aventura que não cansa de surpreender, pois usa tecnologia das formas mais criativas possíveis para criar elementos mágicos que devem surpreender o leitor. Então espere criaturas estranhas, espíritos mágicos vindos de outro mundo para causar destruição, cybercapoeiristas criados com tecnologia e magia, além de carros e naves voadoras que mostram que não existe limite para se criar um mundo de ficção científica tão fascinante.

A obra “O Último Ancestral” é uma ótima porta de entrada para o mundo do afrofuturismo, não só por trazer uma trama bem amarrada, como também por abraçar a cultura ancestral preta brasileira, além dos elementos nacionais periféricos como o samba e o carnaval, numa história cheia de personagens inteligentes, vilões assustadores, lugares exóticos e visualmente lindos (a descrição da Árvore dos Dois Mundos é um deleite), que dão um tom narrativo cheio de emoção, mistérios e muita negritude. O livro é leitura de qualidade garantida numa das melhores surpresas dos últimos anos.

Onde Encontrar? Em qualquer livraria digital como Amazon ou Harper Collins Brasil, seja o livro físico ou a versão kindle.

Observação 1: Sobre a qualidade do livro em si, achei muito bem acabado. Além da belíssima capa feita de papel cartão 250g/m², o material do miolo de pólen natural de 80g/m² é consistente, o livro ainda conta com um mapa do mundo de Nagast com as regiões retratadas na história de forma detalhada.

Ficha técnica
Livro: O Último Ancestral
Autor (a): Alê Santos
N° de Páginas: 352
Gênero: Afrofuturismo/Ficção Científica/Fantasia
País de Origem: Brasil

Observação 2: O livro já foi adaptado para o RPG e os direitos para virar um “live action” já foram vendidos para produtora RT Features para uma adaptação para as telas.

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