“Shirley Para Presidente” – Crítica

A luta contra um sistema político sujo e machista. Ancorado por uma consistente atuação de Regina King, este drama conta a história da primeira congressista negra da história dos EUA ao tentar alcançar o cargo mais alto da política dos EUA no começo dos anos 70.

Fonte: Netflix

Todo sistema político é durável, mas nenhum foi feito para continuar da mesma forma sem mudanças e transformações. O que seríamos se o Brasil não tivesse conquistado direito de votos para mulheres, ou para pessoas negras? Mudanças são necessárias, mesmo com resistências da própria época de poderosos que querem manter padrões para permanecerem no poder. O mesmo serve para os EUA, que também passou por diversas mudanças ao longo de sua história, com pessoas que ajudaram em melhorias que são sentidas até hoje.

Uma dessas pessoas é a política Shirley Chisholm, que é a figura histórica central do novo drama da Netflix, “Shirley Para Presidente” (Shirley, 2024), cinebiografia que conta a história da primeira congressista negra a ser eleita da história dos EUA no começo dos anos 70 que tentou concorrer a presidência em meados de 1972 nas prévias do partido democrata numa manobra bastante ousada para o período.

O longa escrito e dirigido por John Ridley (12 Anos de Escravidão) ganha pontos por focar num período da vida de Shirley (Regina King), talvez o mais significativo de toda sua carreira política. Momento este onde a política dominada por homens viu uma congressista negra romper barreiras ao dar cor a um congresso pouco representativo e extremamente masculino e branco.

Fonte: Netflix

O texto de Ridley é direto e em poucos diálogos consegue estabelecer a personalidade de sua protagonista, assim como a força política que a mesma teria que lidar agora empossada. Dois pontos ficam claros, além do machismo explicito, a congressista também teria que enfrentar o fato de ser uma mulher negra com um dos salários mais bem pagos do país incomodando homens que não estavam acostumado com igualdade de gênero.

Fica muito claro que Shirley era uma figura que sabia se impor e a narrativa faz questão de mostrar isto já no primeiro ato, assim como seu movimento ousado de tentar concorrer a presidência no ano seguinte a sua nomeação tendo apoio de importantes aliados como: seu amigo Wesley Holder (Lance Reddick), Arthur Hardwick Jr (Terrence Howard), seu antigo estagiário Robert Gottlieb (Lucas Hedges), seu marido Conrad Chisholm (Michael Cherrie) e posteriormente Christina Jackson (Barbara Lee).

Um fato que o expectador precisa ter em mente, que o longa não é apenas um drama, mas um drama político, cheio de diálogos e termos específicos, então estar familiarizado com sistema político dos EUA ajuda a entender a luta da personagem e seus aliados na tentativa de fazer campanha pelo país e ganhar delegados suficientes para concorrer na convenção do partido democrata que a credenciaria a disputar a presidência contra o partido republicano no final daquele ano.

Fonte: Netflix

Deste modo, “Shirley” não é um filme muito ágil no que diz respeito a desenvolvimento e progressão narrativa, principalmente na sua primeira metade, na verdade, a grande dificuldade de John Ridley quanto esta irregularidade, é manter o foco nos problemas que a personagem encontra pelo caminho durante a campanha, enquanto tenta mostrar que até mesmo entre seus familiares, a congressista tinha dificuldades de encontrar apoio, inclusive levando a uma crise no casamento, sendo mostrado de forma breve.

O longa consegue crescer, muito por conta de Regina King (Se a Rua Beale Falasse) na pele de Shirley Chisholm, a atriz consegue capturar trejeitos, consegue não ser caricata, mesmo com uma boa maquiagem que pareça dar essa impressão, intercalando entre o jeito mais contido e a firmeza nos discursos de uma figura que enfrenta atentados racistas nas ruas, o machismo de seus adversários políticos e até mesmo fogo amigo da sua própria comunidade, para desafiar um sistema patriarcal que tenta destruí-la de todas as formas possíveis, apenas por ser quem é.

Talvez, o maior ponto positivo do filme seja a forma como exalta a figura da mulher preta forte que Shirley transparece, mais uma vez devido a atuação consistente de Regina King, sem falar que a narrativa ganha mais ritmo na segunda metade conseguindo nos deixar curiosos para saber até onde a congressista chegou perto de concorrer ao cargo máximo da Casa Branca.

É claro que “Shirley” ainda tem a aparência das biografias padrões, seja na ambientação, seja na estética, que dá um ar genérico a produção em alguns momentos, porém John Ridley é esperto o suficiente para deixar a narrativa com tom bem documental que ajuda a dar mais importância aos fatos relatados, sem falar que o roteiro mostra sua força nos momentos menores e mais íntimos onde os diálogos políticos e pessoais ganham força dentro da trama.

Fonte: Netflix

Estes aspectos ajudam a dar ênfase para o elenco coadjuvante, com destaque para: Lance Reddick (Percy Jackson e os Olimpianos, John Wick 4), num de seus últimos papéis antes de falecer ano passado, Lucas Hedges (Manchester à Beira Mar) e Christina Jackson (Irmãos de Honra), que ajudam a dar sustentação e base para uma narrativa que senão surpreende, ao menos é contada da forma mais correta possível.

Por tudo que foi citado, “Shirley” é um filme muito bom, principalmente por conta da ótima atuação de Regina King que consegue transmitir toda a firmeza, vulnerabilidade e altivez de uma mulher que quebrou barreiras. A narrativa traz bastante reflexão sobre a forma como Shirley encara de forma séria a corrida presidencial, mesmo parecendo que em muitos momentos a luta pareça injusta ou em vão.

A inspiração do longa dirigido por John Ridley reside exatamente em mostrar que a congressista era o fio condutor de uma revolução. Ao mostrar o sistema arcaico e machista através dos olhos de uma mulher preta, o filme escancara uma dura realidade, mas também a esperança e inspiração para toda uma geração através de uma força feminina que abriu caminho para todas as mulheres que vieram a conquistar cargos políticos significativos tempos depois. Neste aspecto a trama acerta em cheio, afinal, toda mudança começa com uma fagulha, neste caso representado por uma grande e primorosa mulher preta.

Gostou? Veja o trailer e comente abaixo se já conferiu o longa.

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