“Iwájú” – Minissérie – Crítica

O futuro da animação. A parceria entre Walt Disney Studios e a companhia Kugali Media resultou numa animação nigeriana visualmente linda que mistura aventura, cultura, tecnologia em uma história sobre divisão de classes.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

Existe um momento na vida do ser humano chamado de “janela da oportunidade”, é quando os elementos certos se apresentam no momento oportuno resultando no acontecimento de algo que antes parecia impossível de acontecer. Os estúdios Disney têm muitas qualidades e muitos defeitos, mas sua maior dádiva é entender que a visão de Walt Disney sempre foi proporcionar meios de aflorar a criatividade de artistas para criar algo mágico, e ele foi um dos percursores destas janelas de oportunidade.

Foi pensando desta forma que a atual diretora criativa do Walt Disney Animation, Jennifer Lee (Frozen), enxergou em um vídeo de um criador de conteúdo africano que disse que faria um movimento anti-Disney para espalhar seu trabalho como desenhista de animação por toda África. Ao invés de tomar isto como uma ofensa, Lee fez uma ligação a Olufikayo Adeola, co-criador da empresa Kugali e assim surgiu a ideia de criar uma parceria para trazer uma animação nigeriana a vida.

O termo “Iwájú” na língua iorubá significa “O futuro”, foi utilizando esta premissa que serviu como ponto de partida para os criadores Olufikayo Adeola, Hamid Ibrahim e Toluwalakin Olowofoyeku surgiram com a ideia de contar a história de Tola (Simisola Gbadamosi), uma garotinha de dez anos que vive com pai numa futurista Lagos, capital da Nigéria, onde mesmo em meio a tecnologia e avanços, ainda é dividida socialmente entre os ricos da ilha e os pobres do continente.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

É neste cenário que esta animação de apenas seis episódios de mais ou menos vinte minutos mistura afrofuturismo e divisão de classe em uma história que encanta por conseguir trazer um pouco da riqueza do povo nigeriano numa trama simples, com camadas complexas, mas que tem tudo para agradar crianças e adultos, trazendo boas lições e apresentando uma cultura rica e apaixonante.

A palavra que define “Iwájú” é paixão, existe aqui em cada frame uma dedicação muito grande na concepção deste universo futurista que não perde em nenhum momento as características locais, mostrando que mesmo com a injeção do dinheiro vindo da Disney, os cineastas africanos estavam completamente no controle da obra, isso fica muito evidente desde a vestimenta dos personagens, apresentação de costumes, escolha da trilha sonora, passando pelo visual, bem como o elenco de vozes.

Cada episódio da animação corresponde a um personagem, é onde tudo é aprofundado e até os vilões ganham camadas. O piloto “Iwájú” (1×01) começa no aniversário de Tola Martins, que tenda agradar o pai de todas as maneiras, mas para Tunde Martins (Dayo Okeniyi) o trabalho sempre vem acima de tudo, até mesmo de passar um tempo com a filha. É a partir deste ponto que somos apresentados a um mundo com carros voadores, hologramas, armas energizadas e vários utensílios futuristas que dão o tom da aventura.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

O roteiro escrito a duas mãos por Olufikayo Adeola e Halima Hudson (Moana) mostra uma narrativa riquíssima culturalmente, mas que tem como cerne as camadas sociais em conflito que ainda são uma questão forte na Nigéria, e aqui é ainda mais acentuada ao mostrar os privilégios de Tola em contraponto aos desafios da pobreza enfrentada pelo pequeno Kole Adesola (Siji Soetan), que trabalha na casa de Tunde para ajudar a mãe em casa.

Aos poucos somos apresentados a um mundo fascinante com uma trama bem amarrada que mostra os olhos de Tola se abrindo a realidade a sua volta. Inclusive, este aspecto social serve de base para moldar o vilanesco Bode DeSousa (Femi Branch), que cresceu na pobreza, mas ascendeu no mundo do crime tirando dinheiro de pessoas de alto poder aquisitivo para enriquecimento próprio, como podemos ver no episódio “Bode” (1×02), mostrando que os personagens aqui estão longe de ser unidimensionais.

É claro que para uma aventura para crianças, “Iwájú” não esquece de se divertir consigo mesma, a animação ainda é infantil e colorida, tem suas previsibilidades, mas encanta dentro de uma história que nos envolve desde o primeiro capítulo. Enquanto em episódios como “Kole”(1×03) e “Tunde” (1×04) temos uma narrativa que cresce ao mostrar os sonhos e receios de seus personagens, por outro lado ficamos envolvido numa trama criminal que escancara a desigualdade social, mesmo com a gritante evolução tecnológica.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

Crescimento este que vem na pele do pequeno Otin, um robô lagarto que serve como companheiro de aventura de Tola e que acaba tornando personagem central após o sequestro da garota por Bode. O episódio “Otin” (1×05) é daqueles bacanas de assistir, tem aventura, tem suspense e boas reviravoltas tudo dentro do seu limite criativo com uma boa direção de Adeola, que dirige todos os episódios.

A parte técnica da animação na minha humilde opinião é lindíssima, talvez não tenha a complexidade das animações mais caras da Disney, porém tem uma riqueza de detalhes bem perceptível, seja na construção da complexa Lagos futurista, seja no visual que respira cultura iorubá, bem como o design dos personagens que consegue transmitir bastante personalidade, principalmente a duplinha Tola e Kole.

Na questão das vozes, assisti dublado em português e confesso que não gostei tanto, a versão original em inglês é dublada por atores nigerianos, porém o Disney Plus só disponibilizou legendas em inglês, o que é uma vergonha para um streaming deste tamanho.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

A verdade é que ao abrir a janela da oportunidade para a empresa Kugali, Jennifer Lee e a Disney deram um passo importante para termos histórias africanas sendo contadas por cineastas africanos de uma forma honesta, criativa e bem executada de forma que o mundo possa ter acessos a lugares diferentes, como a cultura nigeriana representada aqui da melhor forma possível.

De uma forma geral, “Iwájú” representa não só a primeira série animada da Disney com parceria externa, mas também o primeiro passo para que outras histórias sejam contadas com a mesma qualidade e empenho, revelando talentos e mostrando que existe um universo enorme a ser explorado sem que perca sua identidade local. A sensação de assistir ao último episódio “Tola” (1×06) foi daquele gostinho de quero mais, de revisitar o mundo de Tola, Kole e Otin assistindo mais aventuras de uma animação que não é só uma carta de amor a Lagos e a cultura nigeriana, mas uma carta de amor a cultura africana como um todo.

Recomendação Imperdível: O documentário com parceria entre ABC News e Disney sobre a produção “Iwájú” chamado “Iwájú: Um Novo Dia conta com entrevista, depoimentos e imagens de como o projeto saiu do papel. A duração é de 72 minutos com o trio da Kugali falando sobre a oportunidade de fazer o projeto e como Jennifer Lee deu seu apoio desde o início a produção. Funciona como um ótimo complemento ao desenho.

Fonte: Walt Disney Animation e Kugali Media

Quer conhecer mais sobre histórias africanas? Assista a antologia “Kizazi Moto: Geração Fogo” que também está no Disney Plus. Leia o texto aqui.

Quer conhecer mais sobre tramas envolvendo afrofuturismo? Leia a crítica do livro brasileiro “O Último Ancestral” aqui, além de assistir “Meu Pai É Um Caçador de Recompensas”, leia a crítica da primeira e segunda temporadas aqui e aqui.

Gostou? Veja o trailer abaixo e se já conferiu, diga nos comentários o que achou da animação.

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