“Eu, Capitão” – Crítica

Incoerência narrativa! O longa indicado ao Oscar que choca pela violência, peca pela insensibilidade e traz um desfecho totalmente fantasioso sobre a migração africana para Europa.

Fonte: Rai Cinema e Pathé

Um dos maiores desafios do mundo atualmente, é resolver o problema da imigração ilegal. A imigração normalmente acontece dos países mais pobres para os mais ricos. A Europa é um dos continentes que enfrentam esta problemática com milhares de imigrantes ilegais advindos de países africanos que aportam nas suas costas mês a mês com a esperança de condições melhores de vida.

É seguindo nesta linha que o longa italiano indicado ao Oscar que estreou nos cinemas brasileiros em fevereiro deste ano, “Eu, Capitão” (Io Capitano, 2023), produzido pela Rai Cinema e a Pathé, conta a história de dois garotos senegaleses, Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), que fogem de casa na capital do Senegal, Dakar, para uma viagem até a costa da Itália em busca de um sonho de serem famosos e ajudarem suas respectivas famílias.

O filme é dirigido por Matteo Garrone (Dogman) que também assina o roteiro junto com Massimo Gaudioso, Massimo Ceccherini e Andrea Tagliaferri, desta forma conseguimos perceber inicialmente que a trama é contada pelo olhar de europeus sobre como enxergam emigração de cidadãos africanos, então o tom da história é estranhamente feito como se fosse uma fábula, onde acompanhamos a jornada até a tal “Terra Prometida”.

Fonte: Rai Cinema e Pathé

Acredito que a intenção foi boa ao realmente mostrar as condições precárias e como várias pessoas são enganadas e levadas pela ilusão de apenas “chegar” até a Itália. Inicialmente vemos os dois primos com a ideia fixa de se tornarem cantores, com uma ênfase em Seydou, que realmente é o protagonista da trama, então conhecemos sua mãe e suas irmãs, além de seu desejo de conseguir uma condição melhor para sua família.

A partir do momento que saem de Dakar, as coisas começam a dar errado e é aí que a direção começa a pesar na abordagem retratada. Pessoalmente, não existe cinema como arte, quando isto é baseado em cima da dor de pessoas morrendo no deserto, sendo sequestradas, desumanizadas, mutiladas e quase deixadas à beira da própria sorte. E tudo isto, é enfrentado por Seydou e Moussa.

Existe uma indelicadeza enorme em “Eu, Capitão” ao mostrar sofrimento de corpos negros, que só piora ao inserir um surrealismo que aqui é interpretado como um delírio do protagonista, mas em dois momentos soa como romantização da barbárie. É extremamente necessário mostrar que existe perigos incontáveis nesta trajetória, sendo que o filme realmente acerta quando retrata os personagens passando basicamente o inferno na Terra.

Fonte: Rai Cinema e Pathé

O longa é para quem tem estômago forte, existe sequências pesadas e dificilmente o sentimento de tristeza e revolta não se instala em quem assiste. O problema é que ao desenvolver esta trama Garrone e seus roteiristas criam uma ideia fixa de Seydou precisa chegar a tal “Terra Prometida”, mesmo depois de quase morrer e perder de vista o primo em meio a sua jornada, o personagem insiste que a Itália é seu paraíso ao invés do retorno a sua terra natal.

É claro que isso é possível de acontecer, mas cria uma ideia bastante errada que as coisas estão acontecendo e se desenvolvendo com algum propósito invisível que guia o personagem como se fosse uma corrida ao ouro, mas o que se vê a cada cena são corpos negros em disputa, sendo vendidos e negociados por aproveitadores e bandidos que só querem lucrar com desespero e sofrimento alheio.

Visualmente o filme é belíssimo, mas narrativamente é incoerentemente medíocre, principalmente quando no terceiro ato explora ainda mais a dor do sofrimento do povo preto na sequência torturante e interminável do navio, terminando com uma mensagem totalmente lúdica de que o personagem finalmente atingiria seu objetivo. Porém sabemos que a Itália é um dos países mais anti-imigração da Europa, fechando sua fronteira e tratando imigrantes da pior forma possível, sendo totalmente o oposto da “Terra Prometida” retratada aqui.

Fonte: Rai Cinema e Pathé

É claro que a obra não é um total desperdício, o ator Seydou Sarr é uma revelação e convence bastante no papel principal, mesmo que o seu personagem chegue em um ponto que é difícil entender suas motivações. Em termos técnicos, a trilha sonora prá mim não funcionou em nenhum momento, achei super fora do tom os acordes com que estava sendo retratado.

De uma forma geral, “Eu, Capitão” decepciona por trazer uma visão totalmente ilusória sobre uma realidade dura que mata milhares de pessoas nestas travessias, seja em terra, seja em mar. Não existe mérito em chegar numa Europa que cheira a xenofobia e exclui imigrantes sempre que tem chances. Muitos cidadãos africanos saem de suas terras, muitas vezes por conflitos locais, misérias e outras motivações, então por que não deixar que cineastas africanos contem estas histórias? Porque com certeza seriam mais honestos do que a visão dos italianos nesta obra aqui.

Gostou? Veja o trailer abaixo e comente se já assistiu a esta obra.

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