_{Ancorado por uma atuação energética de Jamie Foxx, esse drama inspirado em fatos é uma das gratas surpresas de 2023 apresentando uma trama envolvente bem desenvolvida.}

Os chamados filmes de tribunais são bons assistir, na maioria das vezes quando bem feitos conseguem proporcional um entretenimento bacana que acaba por emocionar e normalmente é protagonizado por algum grande ator ou atriz de Hollywood. O gênero quando se trata de atores negros, costuma ter uma linha racial muito bem vinda que acaba por dar um peso a mais a estes tipos de narrativas, podemos citar como exemplos recentes “Marshall – Igualdade e Justiça” com Chadwick Boseman (Pantera Negra) e “Luta Por Justiça” com Michael B. Jordan (Creed III).

E nesta pegada que a nova produção da Amazon Studios tem seu foco principal. O longa “O Próprio Enterro” (The Burial, 2023), apesar do título em português pouco convidativo, é uma obra baseada em eventos reais e conta a história de um famoso advogado negro William Gary (Jamie Foxx) que tenta ajudar Jeremiah O’Keefe (Tommy Lee Jones), um proprietário de uma funerária que tenta salvar os negócios da sua família ao lutar para vencer um processo contra uma gigante corporativa que acaba esbarrando em mais do que apenas um simples caso rompimento de contrato entre as duas partes.

O roteiro escrito por Doug Wright (Contos Proibidos do Marquês de Sade), Jonathan Harr (A Qualquer Preço) e Maggie Betts (The Carrier), esta última também dirige ao filme, ganha as proporções devida ao apostar na linha simples da velha trama de casos de tribunais, mas não antes sem estabelecer as figuras de Gary e O’Keefe, que acabam se encontrando devido a insistência do jovem advogado Hal Dockins (Mamoudou Athie).

Uma vez que conhecemos o porque de Jeremiah tentar salvar seu negócio apoiado pela esposa Annette (Pamela Reed), é que começamos a imergir na disputa O’Keefe Vs Grupo Loewen comandado pelo ambicioso Ray Loewen (Bill Camp). A verdade é que “O Próprio Enterro” é um filme fácil de gostar, a produção tem uma boa fotografia, uma boa ambientação (a história se passa entre 1994 e 1995) e uma excelente trilha sonora repleta de clássicos.

A direção de Maggie Betts é um dos pontos fortes do longa, a forma como a cineasta consegue estabelecer rapidamente os personagens dá um ritmo bastante consistente ao primeiro ato que flui muito bem e ainda fortalece a relação da dupla protagonista, que acaba roubando a cena ao ter veteranos carregando a história.

Enquanto Jamie Foxx (Clonaram Tyrone!) vende carisma e presença de tela no papel de Willie Gary, Tommy Lee Jones (Lincoln) entrega uma performance emotiva e boa, isto tudo é acentuado quando ambos contracenam juntos, que é quando a mágica acontece, destaque para a cena em que Gary conta sua história para Jeremiah durante um voo. O elenco coadjuvante merece um bom destaque, Jurnee Smolett (Lovecraft Country) está ótima como a advogada Mame Downes “antagonista” e responsável pela defesa do Grupo Loewen, outro que se destaca é Mamoudou Athie (Jurassic World: Domínio) que cresce em muitos momentos, mas ainda assim merecia mais espaço. Pamela Reed (Um Tira No Jardim de Infância), Bill Camp (Birdman) e Amanda Warren (The Leftovers), completam a lista como participações de luxo.

A verdade é que com um elenco tão bom, “O Próprio Enterro” é um filme agradável de assistir e como narrativa de tribunal funciona ainda melhor, a dinâmica estabelecida é bem desenvolvida, o drama normalmente entra na hora certa e a trama só não é perfeita, porque em determinados momentos do segundo ato, as mudanças de tom acabam por atrapalhar um pouco o ritmo da história, como uma excursão feita por O’Keefe até a cidade de origem de Gary, que acaba por tirar um pouco o foco da história.

O filme também se perde um pouco quando precisa entregar muitas informações ao público sobre o caso e olhares menos atentos podem perder um pouco o fio condutor da narrativa. Ainda assim, o contexto geral é bastante rico, começando com a ganância de uma corporação em acabar com negócios menores, chegando em casos de trapaça em negócios escusos que acabaram por lesar diversas famílias negras do estado do Mississipi onde se passa a trama.

O fato é que a obra cresce quando consegue colocar o assunto da pauta racial dentro do contexto da história, tudo isso de uma forma bastante interessante. A história começa com simples conflitos internos entre os advogados brancos e negros responsáveis pelo caso de Jeremiah O’Keefe, que ajudam a movimentar a trama e no terceiro ato termina colocando a questões socio raciais como centro da trama numa reviravolta surpreendente, principalmente para quem não conhece a história no qual os fatos mostrados se baseiam.

No geral, “O Próprio Enterro” é um ótimo entretenimento, daqueles que deixa o expectador vidrado do começo ao fim, ainda que tenha algumas ressalvas, este longa merece um bom destaque por trazer uma trama de tribunal consistente e bem desenvolvida. Com uma ótima atuação de Jamie Foxx, o filme trabalha bem as questões raciais (vantagens de ter uma diretora negra tocando o barco) conseguindo misturar ficção e realidade de forma harmônica e leve, sabendo dosar drama e momentos bem humorados numa história clichê e inspiradora que entrega aquilo que se espera numa das gratas surpresas da temporada.

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