“A Cor Púrpura (2023)” – Crítica

Poder das mulheres pretas unidas supera qualquer adversidade! Esta releitura do livro de Alice Walker baseado no musical da Broadway traz uma visão lúdica, poderosa e efervescente de um clássico elevado por um talentoso elenco de eloquentes vozes negras. 

Uma Indicação ao oscar 2024
Melhor Atriz Coadjuvante – Danielle Brooks
Fonte: Warner Bros.

A maior dádiva do cinema é sua capacidade de pegar histórias já contadas e revitaliza-las de uma forma diferente para uma nova geração. Confesso que sou crítico dos remakes e reboots em profusão que assolam Hollywood, mas apenas quando entram no esquema caça níquel, quando são bem feitos precisam ser abraçados e celebrados, afinal algumas atualizações são mesmo necessárias, principalmente quando desenvolvem melhor as histórias.

Esta foi a sensação que tive ao assistir esta nova versão de “A Cor Púrpura” (The Color Purple, 2023), que não é necessariamente um remake da versão de 1985 dirigida por Spielberg, mas uma adaptação mais ousada do musical da Broadway escrito Marsha Norman que ainda tem o premiado livro de Alice Walker como base, trazendo uma pegada moderna mantendo os elementos principais da história, porém adicionando um tom musical para contar a emocionante história de Celie Johnson (versão jovem Phylicia Pearl Mpasi).

Normalmente os expectadores torcem o nariz para musicais, muitos até questionaram se esta versão era realmente necessária, mas a visão do diretor Blitz Bazawule (Black Is King: Um Filme de Beyoncé) é bastante clara na forma como traz o encantamento visual e musical para ajudar a contar uma história regada a traumas e violência numa narrativa que realmente se torna uma jornada de superação.

Fonte: Warner Bros.

O melhor do roteiro adaptado de Marcus Gardley (The Chi) é a forma como usa o lado musical da narrativa para potencializar o drama e aproveita para colocar ainda mais foco nas mulheres negras que sentimos aqui que dominam cada frame da história. É interessante ver um desenvolvimento melhor da relação de Celie e sua irmã Nettie (versão jovem Halle Bayley), marcante no primeiro ato e sentido durante todo o filme. O tom mais sério continua lá, onde os abusos do pai Alfonso (Deon Cole) e do marido Mister (Colman Domingo) são mostrados, ainda que de forma mais contida.

Um ponto positivo foi dar um pouco mais de espaço a mãe (Aunjanue Ellis-Taylor) das irmãs com direito a flashback trabalhando a relação com Celie. Isto, mostra a corrente das gerações de mulheres negras carregando o fardo cíclico de força que o longa faz questão de evidenciar, dando mais profundidade ao texto que havia faltado em alguns momentos na versão de 85.

O lado musical do filme tem pontos positivos na trama como um todo, a primeira é criar uma fantasia na mente de Celie (versão adulta Fantasia Barrino), onde começa sombria devido aos abusos sofridos e vai servindo como um despertar, que começa na mente e vai desabrochando à medida que a personagem vai envelhecendo e criando um senso de autonomia e libertação influenciado pelas figuras de Sofia (Danielle Brooks) e Shug Avery (Taraji P. Henson).

Fonte: Warner Bros.

Desta vez temos lacunas sendo preenchida mais organicamente, com a trama do trio Celie, Sofia e Shug melhor trabalho e interligado, não ficando apenas nas intenções, mas com diálogos realmente que reforça uma corrente de apoio poderosa de mulheres pretas que vai crescendo no decorrer da narrativa. Esta energia que faz “A Cor Púrpura” um drama marcante, pois isto é potencializado exatamente por trazer outro gênero para dentro da história.

É com este lado musical que chegamos ao nosso segundo ponto positivo, o filme é simplesmente vibrante, colorido e abraça toda a negritude misturando jazz, gospel e folk americano de uma forma contagiante que está presente em todas as canções entoadas. A narrativa não é cansativa, as músicas entram no momento certo, mesmo que em determinados momentos o drama acaba se perdendo dentro de toda euforia, apenas por esse detalhe a obra não beira a perfeição.

Porém isto não impede o filme de voar, muito disso se dá por conta da direção de Blitz que privilegia seu talentoso elenco. Fantasia Barrino é uma estrela, interpretando Celie pela segunda vez, saindo dos palcos da Broadway direto para o cinema e brilhando com a mesma intensidade de uma personagem que tem traumas, mas que aqui ganha mais diálogos, saindo do conformismo e buscando aos poucos sua independência, tudo isto refletido com uma atuação impecável que fica ainda melhor quando a atriz solta a voz.

Fonte: Warner Bros.

Outro grande destaque é Danielle Brooks (Pacificador) no papel de Sofia, uma força da natureza com presença de espirito. O mesmo pode ser dito de Taraji P. Henson (Empire), a quem não vejo Shug Avery sendo interpretada atualmente por outra pessoa, voz cativante, sexy na medida e um carisma incrível, destaque para sequência musical com a contagiante “Push The Bottom”, de longe uma das melhores cenas musicais do filme. Colman Domingo (Rustin) está num grande ano e entrega outro trabalho incrível na pele do escroto Mister. Vale uma menção honrosa para Corey Hawkins (Em Um Bairro de Nova York) no papel de Harpo.

Em termos de produção, a obra é um deleite, a direção de arte magnifica captura a essência da região da Georgia potencializado por uma fotografia deslumbrante com locações belíssimas e enquadramentos que trazem a sensação de musical, intercalando bem o lúdico com o real. O figurino é outro ponto positivo, assim como edição de som que é um dos pontos altos do filme. A trilha sonora é um caso à parte, simplesmente poderosa, inclusive dificilmente você vai terminar de assistir ao filme e não correr para alguma plataforma digital para ouvir as músicas repetidamente.

De uma forma geral, “A Cor Púrpura (2023)” é um espetáculo visual, daqueles que vale a pena assistir na maior tela possível. Um longa que emociona pelas atuações e encanta o público pela jornada emocionante de Celie, que aqui ganha mais voz se tornando dona do seu próprio destino, com um roteiro que privilegia o elo de ligação entre as mulheres pretas e como isto resulta na superação dos traumas de uma geração patriarcal violenta. Com tom mais passivo, conciliador e libertador no terceiro ato, o filme traz esperança calcada na ancestralidade que transforma, une e renova, no maior simbolismo da resistência negra de uma narrativa que é simplesmente apoteótica.

Leia o texto de “A Cor Púrpura” de 1985 aqui.

Fonte: Warner Bros.

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