“Rustin” – Crítica

Negro, gay e ativista com orgulho. A cinebiografia de Bayard Rustin traz um drama vibrante com uma atuação consistente de Colman Domingo, mas que peca por não atingir o apelo emocional no momento mais apoteótico do filme.

Uma indicação ao Oscar 2024
Melhor Ator – Colman Domingo
Fonte: Netflix

O ditado que diz que por traz de um grande homem existe sempre alguém (normalmente uma grande mulher) ou diversas pessoas que fazem dele o ícone que é, não é só verdade, como foi comprovada diversas vezes ao longo da história. O cinema costuma resgatar figuras invisíveis em momentos significativos da história para mostrar grandes pessoas não precisam de holofote para fazer a diferença.

Este é o caso de Bayard Rustin, ativista negro que foi uma das figuras mais importantes da história dos EUA na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 60 sendo um dos grandes aliados de Martin Luther King (Aml Ameen) neste movimento. A história deste grande homem é contada no novo drama da Netflix, Rustin (Rustin, 2023), produzido por Michelle Obama e Barack Obama, dirigido por George C. Wolfe (A Voz Suprema do Blues) e protagonizado por Colman Domingo (A Voz Suprema do Blues) no papel título.

O filme é um dos mais esperado da temporada de premiações, é também um dos mais interessantes por conta da temática. A narrativa segue a trajetória de Bayard focando no crucial ano de 1963, quando o ativista assumidamente gay conseguiu organizar uma marcha não violenta em Washington reunindo centenas de milhares de pessoas na luta por trabalho e liberdade das pessoas pretas sendo crucial para aprovação dos direitos civis meses depois.

Fonte: Netflix

O longa escrito por Julian Breece (Olhos Que Condenam) e Dustin Lance Black (Milk: A Voz da Igualdade) consegue situar bem a figura de Rustin, mostrando sua relação com Martin Luther King e a família dele, além da sua ligação política com o conselho compostos pelas figuras negras mais influentes da época como: A. Philip Randolph (Gynn Turman) e Roy Wilkins (Chris Rock), este último presidente da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), todos muito bem creditados em tela para que o expectador não se perca na quantidade de pessoas importantes desfilando na tela.

O tom mais ameno empregado por Wolfe é crucial para que o expectador fique curioso com toda aquela agitação, isto faz inclusive o primeiro ato ser um dos melhores momentos do filme, tudo mostrado de uma forma jovial e efervescente parecendo capturar exatamente o clima daquele momento, pois traz todo o vigor da luta das pessoas a volta de Rustin, bem como dá ao personagem muito mais desenvolvimento, mostrando sua personalidade vibrante e contagiante conseguindo reunir jovens a sua volta numa causa que vai ficando cada vez maior a medida que o filme vai progredindo.

O ritmo da narrativa é ideal para conhecer mais dos bastidores da luta dos direitos civis, a direção aqui é crucial pela forma como equilibra bem a importância da marcha em Washington e o momento de transformação que o EUA está sofrendo, mesmo que a onda de violência continue acontecendo em meio ao engajamento dos ativistas. O roteiro usa esses por menores muito bem a seu favor conseguindo através desses momentos dar complexidade ao personagem título de uma forma bastante consistente.

Fonte: Netflix

Porém toda esta solidez só acontece porque Colman Domingo atua de uma forma brilhante, o ator que já havia mostrado talento em filmes menores em papéis mais breves, ganha aqui a chance de brilhar com os holofotes em si. Colman consegue um feito enorme de conseguir fazer um personagem ser tão significativo quanto a figura de Martin Luther King e isto tudo funciona por conta da atuação milimétrica do ator, que é vibrante, apaixonante e muito focado em desempenhar um grande papel.

Quando o filme explora os conflitos internos do personagem funciona melhor, inclusive quando foca no caso do ativista com seu jovem assistente Tom (Gus Halper) e posteriormente com o pastor Elias Taylor (Johnny Ramey), a narrativa toma cuidado para mostrar de forma sensível e atenciosa a sexualidade de um personagem que não se esconde em meio a uma sociedade preconceituosa e extremamente homofóbica, mostrando que existe duas lutas por direitos sendo travadas por ele.

É claro que falta a “Rustin” mais polimento em determinados momentos, mas a narrativa nunca perde foco daquilo que precisa contar. Os diálogos são bons, o filme é contagiante, dinâmico e ainda mais interessante no segundo ato quando constrói toda uma antecipação para a marcha, onde percebemos a magnitude, os perigos e urgência de um dos protestos mais importantes da história norte americana.

Fonte: Netflix

Em termos técnicos no filme é sólido, gosto muito da fotografia com planos internos elegantes, além de planos abertos de Washington com bastante sol num tom mais dourado, algo que George C. Wolfe sofreu um pouco para mostrar nos seus filmes anteriores baseado em peças de teatro, mas aqui o diretor consegue trazer uma atmosfera viva com uma ambientação eficiente. Os figurinos, maquiagens e direção de arte são boas, mas as vezes o filme deixa a desejar em algumas cenas ao ar livre quando precisa mostrar multidões, ficando evidente o uso de CGI.

O elenco em sua maioria atua bem, fica muito claro o foco na ótima performance de Colman Domingo, então sobra pouco espaço para o restante ganhar algum destaque, mas duas atuações gostei bastante, que é a de Johnny Ramey no papel de Elias Taylor, o ator consegue deixar crível o romance de seu personagem com Bayard, inclusive o roteiro poderia explorar mais ainda os dilemas do casal neste romance cheio de complexidades e limitações sociais. Outra performance que gostei foi de Audra McDonald (The Good Fight), seu monólogo motivacional é breve, mas poderoso, mostrando que atriz merecia mais papéis de destaque.

Fonte: Netflix

De uma forma geral, “Rustin” é um drama baseado em fatos sólido, talvez lhe falte ousadia para ser marcante, mas não deixa de ser correto, conseguindo mostrar de forma bastante emocionante a luta de negros e brancos pelo direito civis, dando nome ao principal ativista que fez a marcha de Washington acontecer. A atuação de Colman Domingo eleva o filme que só não atinge uma nota máxima, porque o terceiro ato acaba faltando a emoção catártica que a narrativa constrói ao longo dos atos anteriores, mostrando a grandiosidade da passeata não violenta (a mistura de imagens da época foi uma boa sacada), mas sem jamais atingir em tela o impacto e a magnitude do evento.

Ainda que o filme termine de forma linear, ainda vale a pena assistir para conhecer a trajetória de Bayard Rustin, uma pessoa preta e gay assumida que enfrentou perseguições, preconceitos e abandonos da infância até a fase adulta, usando isto como combustível para lutar por um mundo mais justo e igual, inflamando a juventude da época e apoiando figuras importantes, acabando por ser uma voz dos bastidores tão importante quanto os ícones da linha de frente, simplesmente inspirador.

Gostou? Veja o trailer e comente se já assistiu ao longa.

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