“Olhos D’Água” – Análise

Conceição Evaristo constrói uma narrativa que pulsa negritude e tece a síntese do feminismo negro de uma forma sincera, impactante, fervorosa e simplesmente incrível.

Fonte: Pallas

A língua portuguesa é uma das mais lindas e mais complexas linguagens já criadas na humanidade, capaz de criar sons e palavras inusitadas, ao atravessar o atlântico se tornou algo ainda mais rico ao ganhar o jeito brasileiro se moldando por séculos e séculos que se seguiram. Autores brasileiros que dominam bem as palavras em português, são capazes transformar textos, poesias e histórias em um verdadeiro caldeirão cultural capaz de encantar milhares de leitores ávidos por narrativas marcantes e inesquecíveis.

Neste seguimento temos grandes autores como Graciliano Ramos, Machado de Assis, Cecília Meirelles dentre outros que dominam a arte de criar grandes narrativas sejam elas poéticas ou em forma de contos conseguindo popularizar ainda mais a cultura brasileira criando histórias envolventes que misturam ficção, mas com um toque de cotidiano que poderia facilmente acontecer na realidade. Seguindo neste alinhamento, estou aqui para falar do livro “Olhos D’Água” da autora negra e mestre em literatura Conceição Evaristo.

Este livro lançado em 2014 se popularizou atualmente num movimento que visa valorizar mais autores negros na literatura brasileira. Em “Olhos D’Água” temos um conjunto de contos reunidos numa narrativa que conta as histórias de vários personagens negros com predominância nas mulheres pretas brasileiras valorizando de uma forma mais que justa o feminismo negro.

Conceição Evaristo cria um conjunto de narrativas envolventes que te pegam no momento que você termina o primeiro conto denominado “Olhos d’água” (que dá nome ao livro), onde a autora traz referência a mãe da narradora com sua cor de olhos d’água, olhos de Mamãe Oxum, orixá conhecida como Mão de Água Doce protetora das gestantes e das crianças. Ao abraçar esse lado materno e acolhedor, a autora cria várias personagens femininas negras memoráveis, cheias de personalidade, sentimentos, amores, paixões, dores, desejos, ambições e vontade de mudar sua própria realidade por mais difícil que ela seja.

O livro traz a mulher negra em toda sua plenitude e fervor, se revelando em várias faces como a mulher mãe que protege os filhos, a mulher independente que não vê seu futuro com filhos, a mulher cheia de amor, a mulher batalhadora que não descansa, a mulher cheia de amantes, a mulher cheia de paixão, tudo misturado em diversos contos que ganham nomes inesquecíveis e histórias ainda mais arrebatadoras, mas nem todas com um final feliz.

Autora: Conceição Evaristo

Ao trazer uma narrativa que mistura ficção e realidade, Conceição Evaristo tece a síntese da mulher preta da periferia, claramente a autora mineira utiliza-se de sua vivência nas favelas de Belo Horizonte para trazer o gueto para páginas de uma forma bastante crível e assustadoramente realista, mas que ganha um tom poético trágico em diversos entrechos no decorrer da história amenizando os desfechos de histórias que acabam por trazer uma melancolia inesperada.

É fato que a autora se utiliza da literatura popular e aproveitando seu domínio com as palavras para mostrar uma realidade que muitas vezes fica fora dos livros brasileiros em relação a população negra, mas que aqui ganham crítica e protagonismo, colocando a mulher negra nos holofotes e o peso que ela carrega por estar na base da pirâmide social brasileira.

É através de contos como “Ana Davenga”, “Maria”, “Duzu-Querença”, “Luamanda” dentre outros que Conceição vai criando uma verdadeira narrativa urbana que tem seus momentos de amor, paixão e emoção, mas que também não se esconde atrás de conto de fadas, se revelando também uma narrativa adulta e profunda que mergulha e captura alma de seus personagens que acabam por nos envolver em suas peripécias, além de nos chocar pelas reviravoltas e rumos que suas histórias tomam.

Fonte: Olimpíada de Língua Portuguesa

Talvez o único defeito do livro seja que ele é curto, afinal ficamos tão imersivos na narrativa que é impossível parar de ler e apreciar o quão perspicaz é a autora ao utilizar de diálogos e expressões populares criando histórias envolventes que vão abrindo um mundo completamente novo e muitas vezes ousado de uma autora que parece não só entender o peso das duas palavras, mas também a mensagem que elas carregam conseguindo transportar este sentimento também para seus leitores.

Assim como os autores que citei inicialmente no começo desta resenha, Conceição Evaristo transforma “Olhos D’Água” em um livro atemporal, capaz de transcender anos e décadas com uma mensagem muito forte sobre o conhecer do ser humano através de ponto de vista de vários personagens negros e principalmente negras conseguindo capturar uma africanidade que mostra que somos carne, osso e sentimentos mesmo que as dificuldades do pertencimento social nos faça batalhar mais para superar os preconceitos diários, os julgamentos injustos e a segregação racial invisível que ainda insiste em separar negros e brancos no Brasil.

No geral “Olhos D’Água” é um belo livro escrito com esmero por uma autora talentosa que mostra total domínio da lírica, poesia e prosa, conseguindo criar histórias intrigantes, personagens incríveis despertando assim diversos sentimentos do leitor. Ao falar de pessoas negras inseridas no caótico cotidiano da vida, Conceição Evaristo cria um universo que parece ficção, mas que está mais ligada à nossa realidade do que imaginamos, afinal mulheres como Cida, crianças como Zaíta e pessoas como Di Lixão, passam por nós todos dias, nós apenas precisamos enxerga-las.

“Ao capturar a essência da alma negra, Conceição Evaristo consegue transformar o livro “Olhos D’Água” em uma leitura obrigatória e necessária não só para os tempos atuais, mas por dar voz ao feminismo negro que tem muito a dizer e compartilhar. Através de personagens marcantes, autora cria seu próprio caldeirão cultura cheio de sensualidade, sexualidade e africanidade.”

Certificado Excelência Negra

Onde Encontrar? Em qualquer livraria digital como Amazon ou Submarino, seja o livro físico ou a versão kindle.

ficha técnica
Livro: Olhos D’Água
Autor(a): Conceição Evaristo
N° de Páginas: 116
Gênero: Ficção / Drama Urbano
País de Origem: Brasil

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