“Maya e os 3 Guerreiros” – Minissérie – Crítica

Magnifico! Com liberdade criativa, muita dedicação e amor a cultura latina, o showrunner Jorge R. Gutiérrez cria uma animação em formato de minissérie fantástica e inesquecível. 

A cultura latina sempre foi um caldeirão cultural cheio de vida que varia de país para país dependendo de onde você vai. A maioria desses países falam espanhol, sendo o Brasil um dos poucos junto com EUA e Canadá do continente americano que tem uma cultura bem diferente. Do México, passando por Porto Rico, Cuba e chegando aqui na América do Sul com Colômbia, Argentina e outros países como a Bolívia, todos sempre preservaram seu lado mais religioso e abraçaram tradições milenares de seus antepassados que passam de geração a geração.

Estou mencionando sobre o assunto para falar da nova animação da Netflix, “Maya e os 3 Guerreiros” (Maya and The Three, 2021), que conta a história de Maya (Zoe Saldana), uma princesa adolescente que vive num mundo fantástico repleto de magia e precisa partir numa jornada para cumprir uma antiga profecia e salvar a humanidade da vingança dos deuses. Criada por Jorge R. Gutiérrez (Festa no Céu), a animação mistura cultura de vários países trazendo a junção de histórias ancestrais baseadas na cultura asteca, maia e inca.

A minissérie composta de 9 episódios é puro deleite visual numa trama que por mais que seja direcionada para crianças e pré-adolescentes, pode ser uma grata surpresa para adultos também. A história é bem estruturada e consegue não só estabelecer rápido seu universo e seus personagens, como também ter uma narrativa bem definida dando motivações para sua protagonista numa jornada sobre heroísmo e sobre encontrar a si mesmo.

Fonte: Netflix

O piloto da série dá o tom que você vai encontrar no resto da obra, a narrativa começa na festa de coroação de Maya preste a completar 15 anos, evento esse conhecido nos países de origem espanhola como “Quinceañera” inclusive o nome dado ao episódio que tem pouco mais de trinta minutos. A pequena guerreira que vive com pais, o rei (Jorge R. Gutiérrez) e a rainha Teca (Sandra Equihua), além dos três irmãos gêmeos, acaba por receber um ultimato de Zatz (Diego Luna), um mensageiro que traz um recado do Deus da Guerra que revela sua ligação com a Deusa da Morte, além dar um aviso que pretende destruir a civilização de humana se a princesa não for a seu encontro.

A série ganha mais ritmo nos episódios “Capítulo 2: A Profecia” e “Capítulo 3: O Galo”, onde Maya parte em uma jornada para encontrar três guerreiros lendários para ajuda-la a cumprir a profecia e destruir o Deus da Guerra, Lorde Mictlan (Alfred Molina). A trama é envolvente e um episódio consegue ser mais interessante que o outro, o terceiro, por exemplo, focado em Rico (Allen Maldonado), um feiticeiro que utiliza magia das ruas para conjurar seus feitiços, mas é rejeitado pelo preconceito de seu próprio povo, é um dos que mostra o potencial da minissérie em cativar seu público.

A narrativa consegue misturar bem lendas mais atuais, com mitologia mais antigas tornando-se a base deste mundo onde as culturas se entrelaçam, onde deuses aparecem aos montes no caminho de Maya e seus amigos, onde magia e superstições ganham um colorido extraordinário numa animação que visualmente é de encher os olhos, mas consegue também com uma linguagem simples mostrar a quão rica são as tradições latinas que muitas vezes são demonizadas sem ao menos serem compreendidas em sua totalidade.

Fonte: Netflix

É bacana ver o amor de Gutiérrez e seus roteiristas em não só trazer uma história mais família recheada de aventura e perigos, mas também que valorize suas origens colocando uma adolescente de personalidade forte no cerne da história de forma que o público possa crescer e amadurecer com a personagem ao longo dos episódios. No “Capítulo 4: A Caveira” e no “Capítulo 5: O Puma” continuamos explorando esse mundo fantástico, onde conhecemos culturas que lembram os povos incas e maias, ao mesmo tempo que somos apresentados a dois personagens únicos, a albina Chimi (Stephanie Beatriz) e o bombado Picchu (Gabriel Iglesias) que se juntam a Maya, o puma Chiapa e Rico em sua missão.

O enredo na sua primeira metade apresenta bem os personagens, explora suas origens, mas sempre utilizando de muita ação e drama para preencher cada capítulo. O legal aqui é Gutierrez traz o nome de cada Deus que aparece para enfrentar Maya e seus três amigos de uma forma estilizada e eficiente de mostrar para as pessoas mais leigas a mitologia envolta dessas entidades sobrenaturais. Ainda que a minissérie seja feita para crianças, o enredo traz temas que tratam sobre preconceito, tolerância, aceitação, perda, amizade e o valor da família, misturando uma linguagem atual com tradições e lendas milenares.

A segunda metade de “Maya e os 3 Guerreiros” se mantém com desenvolvimento eficaz porque foi bem estabelecida nos primeiros episódios. Confesso que em alguns momentos dessa reta final, dá a impressão de que a história está se esticando um pouco demais e as lutas começam a ficar repetitivas, mesmo sendo muito boas e mantendo o expectador atento. Isso é sentido no episódio “Capítulo 6: Maya e os 3 Guerreiros”, onde a série apesar de chegar num ponto decisivo, começa a cansar um pouco.

Fonte: Netflix

O ritmo que parece irregular em determinado momento, retoma seu equilíbrio no episódio “Capítulo 7: O Portal Divino” (1×07) onde a minissérie se mostra madura o bastante para demonstrar que a jornada da protagonista possui riscos e pode ter perdas, com um gancho absolutamente de cortar o coração evidenciando que a trama também possui consequências. A minissérie é isso, uma animação de puro coração que te envolve do começo ao fim e só fica melhor quando analisamos os aspectos técnicos.

No quesito produção, o desenho é uma das mais bem executadas e animadas do ano (curiosamente se fosse filme, seria certamente indicada ao Oscar na categoria), a fotografia é um deleite visual, impossível não se encantar a cada nova paleta de cores apresentadas nos episódios (o último episódio poderia facilmente ser em 3D, as cores literalmente pulam da tela). O tom épico da produção é sentido nos traços da animação produzida pelo estúdio Tangent Animation que é caprichada tanto na movimentação dos personagens quanto no design dos ambientes das cidades e do mundo dos mortos (a riqueza de detalhes impressiona). Detalhe importante, a dublagem é muito boa e vale a pena assistir em português, mesmo a dublagem em inglês sendo igualmente boa.

Outro ponto positivo é a direção de Jorge R. Gutierrez, além de escrever, o cineasta dirige de uma forma bastante perspicaz trazendo cenas de ação criativas, bem executadas e que em nenhum momento deixam a desejar. Outro ponto bacana é como a animação abraça a diversidade dos personagens, não só evitando um embranquecimento dos mesmos, mas trazendo personagens animados negros, pardos, brancos e de origem indígenas sobre o mesmo patamar, valorizando suas origens e latinidades, vestimentas, tradições criando um universo diferente e harmonioso ao mesmo tempo.

Fonte: Netflix

No geral, “Maya e os 3 Guerreiros” é a verdadeira representação de quando se dá liberdade criativa ao extremo a um cineasta, e a Netflix conseguiu dar isso para Gutiérrez e a equipe de animação da Tangent Animation que conseguiram criar uma obra prima em forma de animação, numa trama feita para ser apreciada a cada detalhe e que surpreende em cada novo capítulo, trazendo diversidade, valorizando culturas e apresentando episódios como “Capítulo 8: O Morcego e a Coruja” e o brilhante final de temporada “Capítulo 9: O Sol e a Lua”, com estes somos agraciados com ação, batalhas épicas, aventura, romance que não só resulta numa das narrativas mais singulares do ano, mas em das mais apaixonantes dos últimos tempos. E viva a cultura latina!!!

Gostou? Veja o trailer e comente logo abaixo, caso tenha assistido.

Deixe um comentário