“Colin Em Preto & Branco” – Minissérie – Crítica

A minissérie que conta a história da infância de um ídolo do futebol americano se torna uma das narrativas mais necessárias do momento ao abordar racismo e preconceito na adolescência.

Fonte: Netflix

Não existe uma forma fácil de retratar racismo e preconceito na tela grande, já vimos em diversas produções abordando a temática, algumas brilhantemente, outras nem tanto, sendo algo recorrente principalmente em produções protagonizadas ou dirigidas por pessoas negras. Dentro deste contexto, existe diversas questões que devem ser tratadas com cuidado devido à complexidade e a sensibilidade de não abrir uma ferida em uma determinada comunidade negra que já sobre bastante em seu dia a dia no mundo real.

Estou dizendo isso para falar da mais nova minissérie da Netflix, “Colin Em Preto e Branco” (Colin In Black And White, minissérie, 2021), criada pela cineasta Ava Duvernay (Olhos Que Condenam) e pelo jogador de futebol americano e ativista Colin Kaepernick, a narrativa conta a história biográfica exatamente dele, focando na sua adolescência até chegar no período de formatura no “sênior year” (que seria para nós o terceiro ano do ensino médio) mostrando as dificuldades de ser um garoto negro tentando um futuro jogando futebol americano em uma época cheia de entraves, preconceitos e restrições.

A narrativa se estende por seis episódios mostrando o quanto o racismo está impregnado na sociedade e como ele pode ser destrutivo para pessoas negras. A minissérie vem para trazer várias reflexões, o fato de se passar pelo ponto de vista de um jovem é ainda mais doloroso de assistir, porque existe diversos fatores que mostram que não é fácil ser negro nos EUA, mas o roteiro tecido por Ava e seus roteiristas vai ainda mais fundo mostrando como o sistema é produzido para segregar, isolar e rejeitar pessoas negras, algo que começamos a perceber que não é só nos EUA, mas que infelizmente acontecem em várias sociedades mundo a fora, incluindo aqui no Brasil.

Fonte: Netflix

Para Colin, a vida nunca foi fácil, um garoto birracial filho adotivo de pais brancos Rick Kaepernick (Nick Offerman) e Teresa Kaepernick (Mary-Louise Parker), cresceu numa vizinhança predominantemente branca  e apesar de ter uma pele negra mais clara, isto não lhe deu um passe livre para que sofresse menos preconceito. O piloto da minissérie “Trancinhas” (1×01), onde vemos o garoto se inspirar em um ídolo do basquete e tentar um novo visual fazendo tranças no cabelo causando fortes reações das pessoas a sua volta incluindo de seus amigos e seus pais, mostram que a série esta disposta a evidenciar de uma forma bem direta o preconceito contra o cabelo afro e como é difícil abraçar a própria negritude numa sociedade acostumada a rótulos e padrões seguindo os moldes da branquitude, não compreendendo o movimento cultural no estilo visual do negro e suas vestimentas, sempre associado de forma errônea a criminalidade.

Esta narrativa é dirigida por Ava Duvernay com destreza, neste episódio de pouco mais de 35 minutos, conseguimos nos interessar pela história de Colin e suas dificuldades para tentar realizar seus sonhos. A grande sacada aqui é o roteiro abraçar a narração em off com o verdadeiro Colin Kaepernick contando a própria história de um local que evoca sua mente, enquanto observa seu próprio passado trazendo reflexões sobre as experiências que viveu. Enquanto somos impactos pelo que acontece na sua infância, a narrativa faz pequenas transições quando precisa explicar termos e atitudes que explicam o racismo estrutural embutido na sociedade norte americana ou alguma informação pertinente a temática, tudo bem didático para que nada seja perdido e a mensagem seja passada.

A cena final do primeiro episódio é tão chocante e triste, que é impossível não sentir o que jovem ator Jaden Michael (The Get Down) demonstra com suas expressões faciais, aliás, ótima escolha do pessoal que seleciona elenco, o garoto entrega uma atuação muito boa, marcante e sensível, você consegue sentir verdade nas experiências que ele passa toda vez que seu personagem sofre algum tipo de ataque racista ou algum tipo de ofensa.

Fonte: Netflix

E estes percalços aumentam exponencialmente à medida que Colin vai se revelando um talento para os esportes se destacando no futebol americano (seu grande sonho) e no beisebol. Em “Colin Em Preto e Branco”, temos em várias ocasiões uma busca pelo resgaste da negritude, algo que funciona como instinto natural do próprio Colin, através disso a série aborda diversos momentos desta experiência, “cabelo afro”, “micro agressões”, “o negro aceitável”, dentre outras temáticas  que estão embutidas na narrativa e ganham explicações pela voz o próprio Colin adulto, além de enfatizar que as vezes uma ofensa singela, porém incômoda, é algo recorrente no meio social.

Os três primeiros episódios são bastante enfáticos, principalmente porque a narrativa não se segura ao mostrar que Colin para ser bem-sucedido e realizar seus sonhos, precisa abdicar de muita coisa inclusive aceitar sua negritude. No episódio “Armando o Ataque” (1×02) e no impactante “Viagem” (1×03) vemos a impotência e o desconforto que o racismo explicito causa pelos olhos de um jovem de negro que se vê diante de diversos ataques em hotel sem oferecer nenhum tipo de risco, apenas por ter a cor de pele diferente, as sequências doem, mas infelizmente são comuns, para não dizer atuais.

Este tipo de cenas permeia pela trajetória desse garoto que apesar de ter o amor dos pais, não teve a compreensão deles sobre suas escolhas e decisões. O colorismo é um assunto muito sério e complexo, mas aqui fica claro mesmo que Colin seja um negro da pele clara, o racismo ainda é forte, sendo que seus pais por serem brancos não enxergavam na época, ou agiam de forma passiva a maioria das violências verbais que ele sofria, ou por não compreenderem a questão racial, ou por não terem informações suficientes para blindarem o filho dos julgamentos e ofensas dos outros brancos, restando a um garoto adolescente achar seu caminho sozinho para fugir desse mar de rejeições.

Fonte: Netflix

A série nos três episódios finais começa amenizar um pouco o assunto, mas ainda assim surgem questões interessantes a serem discutidas nos episódios “Decisão” (1×04) e “Crystal” (1×05), por mais que vemos Colin tendo uma adolescência difícil, seu talento e sua vontade começam a sobressair e abrir as portas para entrar em boas faculdades e ter uma carreira profissional. O roteiro continua incisivo nas questões raciais, inclusive no penúltimo episódio vemos a questão importante sobre a valorização da beleza negra e como ela é enxergada na sociedade quando Colin convida uma amiga Crystal (Klarke Pipkin) que é negra retinta para o baile da escola, um episódio tocante sobre autoestima preta.

É impossível você ser uma pessoa negra assistindo a série e não se identificar com as situações que Colin passa, posso dizer isso, porque muita coisa demostrada ali, eu já passei, ou testemunhei, ou vi algum relato na TV. Até mesmo se você for uma pessoa branca, é difícil ignorar as micro agressões que o garoto teve que passar e as vezes sem ninguém que o defendesse ou parasse de amenizar as ofensas sofridas, afinal é um adolescente na flor da idade, ainda sem o peso e a maturidade da vida adulta lidando com uma sociedade que pré julga, condena e sentencia uma pessoa pelos simples fato dela ter uma cor dele diferente.  

No geral, “Colin Em Preto e Branco” é a minissérie certa na hora certa, a temática é muito atual, necessária e a narrativa tenta equilibrar o tom crítico com o didatismo para nos fazer refletir e pensar como agimos as certas situações de preconceito em nossa sociedade. A série em termos técnicos é impecável, a fotografia principalmente nas cenas do passado com o jovem Colin é magnifica e sem falar que a obra tem uma trilha sonora excelente tendo Kendrick Lamar, Akon e outros artistas do hip hop, R&B e pop conhecidos embalando os momentos de perseverança do protagonista.  

Fonte: Netflix

A história de Colin é real e semelhante a de muitos adolescentes negros, mas nem todas essas histórias conseguiram ter um final bem-sucedido como é apresentado em “Querido Colin” (1×06) episódio que fecha a série e dá uma sensação de alívio depois de tanta luta do personagem para se tornar um atleta profissional da liga de futebol americano (NFL) que até então naquela época tinha um padrão predominantemente branco.

Esta produção criada por Ava Durvenay, é bem sucedida por não escolher caminhos fáceis para explicar um assunto tão complexo, na verdade é cuidadosa e precisa ao entregar informações pertinentes sobre racismo estrutural e preconceito social, em uma narrativa que a cada episódio funciona como um choque de qualidade, apesar de todo o preconceito sofrido pelo jovem Colin, sua altivez, sua persistência e seu talento o levaram a ter um futuro promissor, mostrando que no final das contas aprender com obstáculos e a rejeição, o levou a um amadurecimento precoce e obtenção de auto confiança para seguir em frente e ocupar espaços, a luta não é fácil e precisa ser representativa. Seguindo as palavras que o próprio Kaepernick cita no final de forma emblemática, “Trust Your Power” (“Confie No Seu Poder”), e você encontrará o caminho do sucesso. 

Gostou? Veja o trailer abaixo e se já assistiu a minissérie, me diga o que achou nos comentários.

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