“Luta de Classes” – Crítica

Clássico moderno? Este remake da obra de Akira Kurosawa pelas mãos do gênio Spike Lee entrega uma trama urbana carregada de crítica social e uma atuação estupenda de Denzel Washington.

Fonte/Reprodução: “Luta de Classes”

Uma das principais qualidades de Hollywood, também é um dos seus principais defeitos, pegar uma obra consolidada de sucesso e fazer um remake ou reboot da forma que acham melhor. Enquanto o público e os críticos veem isso como algo a se discutir, na maioria das vezes refazer algo que já foi sucesso cria uma pressão desnecessária. Por outro lado, quando a releitura é respeitosa e bem feita, não há nada de mal dar um ar moderno para algo que acaba ficando datado com tempo.

Talvez este seja o caso da nova produção da Apple Studios e A24, mas o longa dirigido pelo consagrado cineasta Spike Lee (Destacamento Blood), “Luta de Classes” (Highest 2 Lowest, 2025), é daquelas reinterpretações que ao meu ver, dão muito certo quando é feito pela pessoa certa. A trama do filme que estreou no último dia 5 de setembro no streaming, conta a história de um magnata da música que enfrenta um dilema moral de viva ou morte durante o sequestro do filho e de seu afilhado.

Esta obra não é exatamente um remake, mas uma releitura moderna e mais americanizada de Spike Lee da obra “High and Low” do gênio Akira Kurosawa que já era uma adaptação do livro “King’s Ransom” de Ed McBain. Ao contrário do resultado frustrante do remake do aclmado “Old Boy”, Lee tenta não se equiparar ao original, mas colocar seu estilo numa narrativa que é puro estilo e bebe muito dos thrillers de suspense e sequestro dos anos 90.

Fonte/Reprodução: “Luta de Classes”

Enquanto inicialmente embarcamos no universo rico e luxuoso de David King (Denzel Washington), a narrativa vai habituando o expectador a esta indústria da música, cheia de luxo, ambição e poder, enquanto apresenta personagens como a esposa de King, Pam (Ilfenesh Hadera), seu motorista Paul (Jeffrey Wright), seu filho Trey (Aubrey Joseph) e seu afilhado Kyle (Elijah Wright), todos ali circulando a órbita do protagonista.

O roteiro escrito Alan Fox é bastante direto e até mesmo previsível na forma como mostra a primeira metade como um grande thriller de sequestro que não dá tempo do mistério a acontecer. É incrível como o estilo de Lee sobrepõe a escrita e a trilha sonora de Howard Drossin se torna quase como um personagem ao dar ritmo a cada cena, sempre mudando de acordo com ambiente, em muitos momentos sem cessar completamente a tornando bastante marcante.

A verdade é que “Luta de Classes” (tradução bem cafona e pouco inspirada), que no inglês usa a expressão “Highest 2 Lowest” (Do melhor para o pior), explora bastante o tratamento dado aos ricos em relação aos pobres quando os filhos de King e de seu motorista são sequestrados. Spike Lee sabe ser objetivo e genial quando quer, os privilégios da família King é algo bastante trabalhado durante boa parte do sequestro, mas é a reviravolta que acontece do meio do segundo ato que faz a trama tomar fôlego e entrar em outro patamar.

Fonte/Reprodução: “Luta de Classes”

Veja bem, o filme transita bem numa linha segura que traz uma história que parece óbvia, mas está cheia de camadas que falam principalmente como a linha de tratamento para pobres é diferente em se tratando de determinadas situações que implicam em decisões de vida ou morte, neste caso enxergamos isto na forma como a polícia lida com as questões do sequestro. O estilo de Spike Lee repetindo a parceria vitoriosa com Denzel Washington (A Tragédia de Macbeth), é pura dinamite que entrega um drama bem desenvolvido, cheio de estilo e visualmente atrativo.

O longa não tem pressa, mas trabalha com subgênero dentro de uma narrativa que parece crescer ainda mais na segunda metade quando a verdade sobre o sequestro do filho de King e seu motorista vem à tona. A pirâmide social fica bastante acentuada e Spike Lee aproveita para testar os limites entre o cinismo e frieza do protagonista flertando com vilanismo, ao colocá-lo numa posição que precisa decidir algo e que pode torna-lo um pária ou um símbolo de resistência.

Não existe uma profundidade direta sobre o tema entre ricos e pobres, mas nas entrelinhas que “Luta de Classes” entrega uma boa reflexão utilizando exatamente o estilo de Lee que traz exatamente a diferença entre negros de alta classe e os negros oriundos do gueto, são linhas invisíveis que se intercalam e se sobrepõe à medida que a trama vai se desenvolvendo, mas nunca ficam distante umas das outras principalmente quando vemos a relação entre David King e Paul.

Fonte/Reprodução: “Luta de Classes”

Em termos de produção, a fotografia é muito boa e expõe o luxuoso mundo da música. O estilo musical é regado a muito hip-hop e rap aproveitando a participação do rapper A$AP Rocky (sim, o marido da Rihanna) no papel de Yung Felon, inclusive surpreendendo na atuação e com uma música que deve ficar na mente de muitos expectadores. O figurino, ambientação e principalmente a direção de Spike Lee são motivos suficientes para valer o tempo investido.

A atuação de Denzel Washington é outro ponto positivo, ganhador de dois Oscars, o ator comanda cada segundo do filme, seja com a sua presença calma, seja com atitude intimidante com expressões precisas que mostram poder e controle sem jamais perder a calma. O ator Jeffrey Wright (Ficção Americana) é outro ótimo destaque servindo como um interessante contraponto para Washington.

De uma forma geral, “Luta de Classes” é um filme muito bom, daqueles que prendem a atenção se elevando devido a atuação do seu protagonista, mas também por conta da dupla Lee e Washington trabalhando juntos retomando uma parceria de sucesso. Ainda que não seja surpreendente, é daquelas produções caprichadas e bem executadas, que ganha pelo charme, entrega um bom comentário social e um final redondinho ainda que óbvio. Ao tratar sobre a luta de classe no meio da música e trazer uma nova vertente ao colocar personagens negros no centro da trama, Spike Lee entrega mais um acerto que merece ganhar sua atenção.

Gostou? Veja o trailer e comente sobre o que achou do longa.

Ouça a música “Trunks” do A$AP Rocky, viciante.

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