“Alma de Cowboy” – Crítica

Um drama sobre cowboys negros modernos que demora um pouco para se desenvolver, mas no final das contas entrega uma história poderosa sobre irmandade e senso de comunidade.

Fonte: Netflix

“Esta comunidade não é apenas um lugar, é uma família”, disse o cowboy Harp (Idris Elba) em um dos últimos momentos do longa “Alma de Cowboy” (Concrete Cowboy, 2021) que estreou na última sexta feira na Netflix. Este faroeste moderno conta uma história sobre essa comunidade de cowboys negros da região da Filadélfia que tenta sobreviver as mudanças do tempo e manter suas tradições antigas num cenário urbanizado.

Este longa baseado no romance “Guetto Cowboy” do norte americano Greg Neri conta a história do jovem Cole (Caleb McLaughlin), menino de 15 anos, problemático que é levado pela mãe (Liz Priestley) para viver com seu pai Harp (Elba) no norte da Filadélfia onde conhece uma comunidade de cowboys modernos. A narrativa dirigida pelo estreante Ricky Staub (curta “The Cage”) é interessante não só pela história (que é verídica inclusive, os cowboys da rua Fletcher realmente existem), mas por mostrar um lado cowboy dos EUA poucas vezes retratados em tela.

A narrativa tem um primeiro ato um pouco truncado, consegue trazer este universo com bastante cuidado com a chegada de Cole a este bairro estranho com gente estranha, mas com um ar bastante rural, com cheiro de esterco no ar e cavalos vivendo dentro de casa. O roteiro também escrito por Staub e co-escrito por Dan Walser (curta “The Cage”) explora este universo através dos olhos de uma adolescente e ele consegue ser novo para o expectador também.

Talvez uma das coisas mais interessantes de “Alma de Cowboy” seja o contraponto entre o antigo e novo que a narrativa traz para seu contexto. Enquanto Harp, Nessie (Lorraine Toussaint) e seus companheiros tentam manter seu estilo e tradição de cowboys num meio esquecido de uma cidade envelhecida que tenta se modernizar os fazendo sair do local onde estão localizados seus estábulos e toda sua vida, notasse que o mesmo poder público não oferece a opção dessas pessoas de terem um lugar para sobreviver e manter o que construíram.

Fonte: Netflix

É interessante a forma como a narrativa de “western urbano” se mistura a um contexto de periferia contendo os mesmos perigos, mas com um toque mais rural com a presença desses cowboys, que seguem seus próprios códigos e regras, algo que o jovem Cole sofre para aprender, sendo tentado a escolher entre o mundo cheio de restrições apresentado pelo pai, em contraparte ao mundo mais fácil, porém altamente perigoso apresentado pelo seu amigo de infância Smush (Jharrel Jerome), envolvido em pequenos furtos e vendas de drogas.

O filme consegue transitar bem entre faroeste urbano cheio de personalidade e estilo, com drama adolescente potencializado por uma relação de pai e filho conturbada. Como citei a primeira metade de “Alma de Cowboy” é um pouco travada, ainda assim necessária para conhecermos esse mundo dos cowboys, com personagens peculiares como: o cowboy Rome (Byron Bowers), o policial Leroy (Method Man), uma espécie de xerife local, a cowgirl Esha (Ivannah-Mercedes), além de outras figuras como Jalen (Michael Ta’bon) que ajudam a enriquecer essa comunidade que se mostra inclusiva e acolhedora.

A segunda metade do filme funciona melhor a meu ver, o ritmo antes mais lento agora ganha mais dinamismo, que é quando o personagem Cole começa a entender e se afeiçoar aquele mundo estranho, mas cheio de vida e de pessoas que só querem encontrar algo para se ligar e se manterem vivas através de seus costumes. Aos poucos o enredo consegue envolver bem o expectador e você consegue perceber a importância desses cowboys para aquela região.

O que diferencia estes cowboys dos de outros filmes, é que eles são negros e tem suas próprias histórias, contos e peculiaridades que os tornam únicos mesmo que não sejam reconhecidos ou apagados da história, eles sobrevivem através dessas figuras que vivem nessas periferias de um país que parece se recusar a legitimar usa existência. Isso fica muito claro nos diálogos do longa, que inclusive brincam com o fato do cinema não os retratar da forma certa, ou até mesmo reconhecerem sua existência.

Fonte: Netflix

Outro ponto positivo de deste filme é o elenco, ainda que nem todos ganhem o espaço merecido, podemos destacar o sempre ótimo Idris Elba (Vingadores: Guerra Infinita) como um cowboy charmoso, durão e um pai que tenta a todo custo colocar o filho na linha, temos também Caleb McLaughlin (Stranger Things) mais crescido e com uma atuação que exige algo mais contido dele, o ator se sai razoavelmente bem no papel de Cole, ainda podemos destacar Lorraine Toussaint (Selma) que mesmo num papel menor, tem uma boa presença de tela, porém o personagem mais rico aqui é o de Jharrel Jerome (Olhos Que Condenam), um ex-cowboy que vê a vida do crime como caminho para sair da vida sofrida daquela comunidade, serve como uma influência importante para Cole ao longo da trama, seja ela positiva ou negativa, Jerome aqui é muito bom mostrando um jogo de cintura para o drama bastante consistente.

Em termos técnicos, o filme é bastante decente, adoro como a fotografia dar um ar de western urbano na narrativa, parece rural, mas é urbano, um híbrido perfeito com tomadas que privilegiam a selva de concreto, ao mesmo tempo que preserva o lado natureza de uma vegetação limitada e uma fauna cheia de cavalos, sem falar nas lindas tomadas de pôr do sol e as belas cenas de cavalgadas no asfalto.

A direção de Ricky Staub é sólida, com tomadas abertas lindas e outras mais internas acentuando a vasta imensidão dos becos da periferia da Filadélfia, as cenas de ação com cowboys cavalgando são muito boas, em contraponto as perseguições policiais que mesmo rápidas, são bem-feitas. Staub ainda consegue privilegiar bem seu elenco, dando espaço para diálogos em envolta da fogueira em momentos de descontração e segurando no drama, principalmente nas boas cenas de conflito entre Elba e McLaughlin acentuando uma complexa relação de pai e filho.

Por tudo que foi dito, pode-se dizer que “Alma de Cowboy” é uma produção muito boa, muito bem atuada e muito bem dirigida. Ainda que seja um pouco lenta em alguns momentos, o que pode testar a paciência do público, narrativa compensa trazendo uma história bastante rica que consegue fazer o gueto soar como faroeste urbano da melhor qualidade e com estilo único. Ainda que a obra não seja focada em críticas sociais e raciais, elas estão lá ao longo da trama enriquecendo sua estrutura e ficam evidentes principalmente no emocionante terceiro ato. Este longa é trabalhado em muitos aspectos, se apoia bem na relação conflituosa entre pai e filho, mas se mostra ainda mais poderosa ao evidenciar esta irmandade de cowboys negros modernos que se fortalecem através do senso de comunidade num acolhimento que transformam essas pessoas antes perdidas numa grande família que unidas sobrevivem ao tempo.

Gostou? Veja o trailer abaixo, se já teve a oportunidade de assistir ao filme comenta logo abaixo o que achou.

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