“Sou de Virgem” – 1° Temporada – Crítica

Uma viagem maluca! O cineasta Boots Riley criou uma série estranha, inteligente e subversiva contando a história de um gigante de quatro metros de altura se libertando para viver no mundo real cheio de problemas e conflitos.

Fonte: Amazon Prime Video

O signo de Virgem é o sexto signo astrológico do zodíaco localizado entre Leão e Libra e está associado a constelação de Virgo. As pessoas do signo de Virgem são conhecidas por serem prestativas e ser fundamentais nas mais diversas situações, além serem famosas pela organização e racionalidade, principalmente se tratando de sentimentos. Virgianos são pessoas capazes de enxergar ordem no meio caos, mais uma vez reforçando o título de prestativas.

A citação é proposital para falar da série de comédia “Sou de Virgem” (I’m A Virgo, 2023), produção da Amazon Prime Video que conta a história peculiar de um homem afro-americano de quatro metros de altura que vive escondido pela família na cidade de Oakland no estado da Califórnia nos EUA.

Este drama com toques de humor e ficção criado por Boots Riley (Desculpe te Incomodar) e tendo como showrunner Tze Chun, é diferente de tudo que você vai ver este ano, talvez por isso a estranheza de estar vendo algo completamente pirado é inevitável, mas não menos interessante. O piloto “You a Big Muthaf***a” (1×01) conhecemos o casal LaFrancine (Carmen Ejogo) e Martisse (Mike Epps), que saem às pressas do hospital levando para casa um bebê enorme, maior do que o normal, que passa ser criado pelos dois às escondidas.

Fonte: Amazon Prime Video

É a partir deste ponto que passamos a acompanhar a história de Cootie (Jharrel Jerome), um gigante que vive enclausurado em casa, é fã de TV e super-heróis, como seu ídolo Hero (Walton Goggins), um herói da vida real no maior estilo Tony Stark, que também tem os quadrinhos de suas aventuras que o garoto compra toda semana. É neste misto de estranheza e novidade que Boots Riley vai construindo uma trama urbana sobre história um jovem negro que sonha com o mundo exterior enquanto segue as regras estabelecidas pelos seus tios.

O mais interessante de “Sou de Virgem” é a capacidade de criar um universo que tem uma mitologia própria onde mostra a visão preta de uma sociedade que possui indivíduos com extraordinários vindos do gueto. A primeira metade da série é sobre Cootie descobrindo o mundo, experimentando sabores, descobrindo amizades e o amor, tudo muito bem desenvolvido nos episódios “The Universe and My Spirit” (1×02) e “Balance Beam” (1×04), este último com uma das cenas de sexo mais sensoriais e estranhas já vistas.

A graça do seriado está exatamente na curiosidade e normalidade em que a sociedade encara a presença de um gigante entre eles. O humor neste início é bem encaixado, não só quando vemos Cootie descobrindo as maravilhas do mundo humano, como também aprendendo as regras sociais no relacionamento com as pessoas a sua volta. A narrativa cresce quando equilibra bem o bizarro de algumas cenas com o drama social embutido nas entrelinhas.

Fonte: Amazon Prime Video

Veja bem, “Sou de Virgem” te atrai pela esquisitice, mas te ganha nas experiências do protagonista entendo que nem tudo são flores no mundo fora de sua residência. É neste ponto que a série cresce ao trazer reflexões importantes sobre saúde pública e negligência ao atendimento populacional nas periferias, problema recorrente nos EUA e evidenciado no ótimo episódio “Paco Rabanne” (1×03) em uma cena marcante e triste.

A segunda metade da temporada me deixou dividido, ao estabelecer este universo e a jornada do protagonista, sempre com ar estranho no ar, a série acaba exagerando naquilo que é seu ponto forte, tornando a trama um pouco menos linear, mas ao mesmo tempo mais complexa e abstrata. Riley estabelece ainda mais elementos neste mundo, mas acaba expandido de tal forma que fica pouco palpável e compreensível para o expectador acompanhar.

Enquanto o episódio “Brillo, If Possible” (1×05) mantem o humor intacto, o arco narrativo começa a tomar uma definição mais concreta, com Cootie tendo que lidar com uma virada de chave da população em relação a sua pessoa. É aí que tudo fica um pouco cansativo, principalmente com a extensão de diálogos que parecem não levar a algum lugar, mesmo que a curiosidade ao estranho mantenha o expectador engajado.

Fonte: Amazon Prime Video

Em termos de produção, gosto muito como a série tem uma personalidade muito própria, com uma trilha sonora ótima, decentes efeitos visuais e uma direção de arte que aproveita o tamanho exagerado do protagonista para criar ambientes internos interessantes e desafiadores. A fotografia não é tão boa, ainda que em alguns momentos seja peculiar, principalmente nos ambientes externos, o tom mais escuro esconde bastante o potencial de determinadas cenas.

O elenco é um ponto positivo, confesso que fiquei chateado de Carmen Ejogo (Selma) e Mike Epps (Família Upshaw) serem subutilizados aqui, poderiam ter ganhado mais espaço, até porque são bons atores. Ao menos temos Jharrel Jerome (Olhos Que Condemam) numa atuação bacana, que passa credibilidade e inocência de um personagem recém saído do casulo, sem falar que remete bem ao título da série, principalmente no quão prestativo o personagem passa a ser na reta final da temporada.

O resto do elenco coadjuvante tem como destaque a jovem Kara Young (O Justiceiro) que tem um dos melhores monólogos da série, além de Olivia Washington (sim filha de Denzel Washington) no papel da namorada de Cootie, a intrigante Flora que tem a melhor história de origem da trama com um belíssimo trabalho de direção na cena que é revelado seu dom especial. O ator Walton Goggins (Os Oito Odiados) no papel do super-herói Hero é outro bom destaque, que tem no episódio “If Requires Trust On My Part” (1×06) seu melhor momento, mostrando a ironia de herói obcecado em colocar ordem e salvar pessoas, mas incapaz de enxergar os próprios privilégios.

Fonte: Amazon Prime Video

De uma forma geral, “Sou de Virgem” é um ótimo seriado, daqueles que não tem respostas fáceis, além de usar a estranheza do humor para tecer fortes comentários sociais e raciais especialidade de Boots Riley. Talvez não seja uma série para todos, mas com certeza é um deleite para aqueles que querem algo que soa novo e intrigante ao longo de sua temporada, que termina com o episódio “A Metaphor for What” (1×07) trazendo uma forte mensagem anticapitalista e antissistema que vai pegar muita gente de surpresa. Com uma atuação boa de Jharrel Jerome, o seriado merece ser descoberto neste mar de conteúdo que recebemos, sobressaindo exatamente por levar o expectador numa viagem maluca e instigante no gueto norte americano.

Gostou? Veja o trailer e comente logo abaixo se já tiver assistido a série.

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