“Atlanta” – 3° Temporada – Crítica

Após trazer uma temporada impecável, Atlanta retorna do hiato se arriscando ainda mais, porém promete deixar os fãs da série divididos, mesmo que ainda consiga entregar um texto denso, crítico, ácido e desconfortável.

Fonte: FX Network

Quando citei na minha crítica da 1° e 2° Temporadas de “Atlanta” que a série era diferenciada por provocar discussões e debates, eu também citei que inclusive a segunda temporada era uma obra prima que consolidava o talento de Donald Glover como diretor, roteirista e ator, o que resultou em vários prêmios Emmys para uma série que era de longe um dos produtos mais bem escritos dos últimos anos.

A tarefa de superar a segunda temporada para Glover era simplesmente ingrata e graças ao caos proporcionado pela pandemia, “Atlanta” entrou em hiatos de quatro anos onde ficamos órfãos de uma excelente série criando uma expectativa muito grande sobre como Earn (Donald Glover), Paper Boi (Brian Tyree Henry) e Darius (Lakeith Stanfield) retornariam para seu terceiro ano. No dia 24 de março deste ano a série finalmente estreou sua nova temporada já renovada para quarta e última com a missão de mostrar o trio protagonista numa turnê na Europa.

Ao sair do ambiente da cidade de Atlanta nos EUA, a série ganhou novos ares ao mudar da decadente cidade norte americana para a exótica e inusitada cidade de Amsterdã na Holanda, onde a narrativa acompanha Alfred, agora um rapper consolidado, numa turnê europeia colocando Earn finalmente no patamar de um agente de uma personalidade famosa que sempre almejou desde que a série iniciou em meados de 2017.                

Fonte: FX Network

Esta obra do canal FX, mudou de cenário, mas continua entregando tudo aquilo que se espera de uma dramédia de qualidade. Ao se desafiar na segunda temporada com episódios imprevisíveis como a obra prima “Teddy Perkins”, Donald Glover navega ainda mais fundo na sua mentalidade caótica ao trazer uma síntese bastante eficiente sobre a negritude vista pelo escopo europeu, além de continuar levantando pautas relevantes sobre racismo e preconceitos que ainda permeiam pela narrativa e são espertamente usadas de forma crítica pelo ator roteirista causando ainda mais desconforto para seu público.

A terceira temporada da série é basicamente sem rédeas e totalmente inesperada em vários aspectos o que talvez deixe algumas pessoas impacientes ou incomodadas, mas a construção continua impecável e as críticas ácidas estão ainda mais intensas e provocantes. Neste novo ano o formato é bastante curioso, pois Glover intercala episódios que aparentam ser uma antologia sem nenhuma conexão com a história principal, mas ainda assim são excelentes e bastante reflexivos.

A narrativa começa com a trama “Three Slaps” (3×01) um episódio que conta a história de um garoto negro que vai parar num lar adotivo gerenciado por um casal de lésbicas em uma fazenda com outras crianças como ele. Com uma pegada que lembra o filme “Corra!” de Jordan Peele e baseado em eventos reais, este episódio é assustadoramente estranho e sufocante, trazendo um suspense e clima macabro com um desfecho ainda mais imprevisível mostrando que a temporada não seguiria caminhos fáceis, sempre procurando enredos complexos para se apoiar.

Fonte: FX Network

Os episódios seguintes, voltamos para a trama principal onde vemos a turnê europeia com Earn, Darius, Van (Zazie Betz) e Paper Boi descobrindo o lado maluco e não tão belo dos europeus. Os episódios “Sinterklaas Is Coming To Town” (3×02) e “The Old Man and the Three” (3×03) são engraçadíssimos, cheio de personagens estranhos com nosso quarteto principal inserido num contexto onde acabamos vendo situações ridiculamente absurdas gerando boas risadas principalmente com a reação de Darius e Paper Boi a certos hábitos dos holandeses.  

A série não se segura e traz algumas evoluções bem vindas para os personagens principais, como Earn finalmente cuidando ativamente da carreira do primo, enquanto Paper Boi lida com a fama e fãs alucinados que cruzam seu caminho. Darius continua um personagem sem noção que traz momentos divertidos como a dança no início do episódio “Cancer Attack” (3×05), talvez um dos episódios mais engraçados da temporada e mais espertos também, se mostrando um verdadeiro fã-boy do amigo rapper e agora celebridade global.

Ao alçar grandes voos sem esquecer o desenvolvimento de seus personagens, esta terceira temporada de “Atlanta” faz o público refletir mais do que o normal ao mostrar racismo estrutural europeu de uma forma bastante crua e objetiva. Episódios como “White Fashion” (3×07) mostram parte da massa branca europeia é muito guiada por “culpa branca” e o texto de Glover faz questão de enfatizar certos pontos disso, o que acaba gerando ações para valorizar mais comunidades negras, mas que no final das contas acabam tornando-as invisíveis ao desaparecerem aos hábitos de vida europeu como fica claro numa sequência protagonizada por Darius que vê um restaurante nigeriano ser engolido da noite para o dia, sem falar em outra sequência onde Alfred tenta usar seu status quo para ajudar comunidades negras, mas suas ideias são totalmente deturpadas.

Fonte: FX Network

Desta forma o seriado continua atual e incisivo, com uma jornada que ao meu ver é apenas metade de um arco que deixa a temporada com cara de “parte 1”, com a introdução de diversos seguimentos, que provavelmente terão um desenvolvimento definitivo na quarta e última temporada ano que vem. Ainda que essa sensação deva frustrar os fãs da série, isto faz parte da forma como Glover concebe suas histórias, à medida que vamos ganhando mais episódios inteligentes como “The Big Payback” (3×04) e “Trini 2 De Bone” (3×05) fica claro que a série sempre tem algo mais a dizer e carece de atenção aos detalhes ao expor situações sobre dívida histórica e subempregos através do ponto de vista branco que vai fazer muita gente pensar porque tantos negros cobram direitos e mais igualdade ao ser na base da pirâmide econômica norte americana.

Outro ponto interessante é que “Atlanta” sempre tenta ser mais esperta do que o normal e nem sempre consegue um bom resultado com isto. Ao terminar a temporada com o maluco e esquisito “Tarrare” (3×10) focado em Van, a série abre margem para decepções que as temporadas anteriores não tinham, ainda que o episódio seja bem intencionado e absurdamente maluco, deixa o fechamento da temporada bastante a desejar, mais uma vez com a sensação de que tudo isso foi apenas a parte 1.

Fonte: FX Network

Mas isso faz da terceira temporada fraca? Não, jamais, a série continua muito acima dos dramas recorrentes e muito se deve a sintonia entre o texto de Donald Glover e seus roteiristas, passando pelas direções como a do seu parceiro Hiro Murai, que continua sendo um diretor importante que mantém o estilo de “Atlanta” ainda mais sólido, mesmo saindo dos EUA. No episódio “New Jazz” (3×08), Murai constrói uma viagem psicodélica interessante e traz uma participação especial que vai te deixar no mínimo espantado.

No geral, a terceira temporada é bastante consistente, não acho que os episódios que parecem antologia são algo desperdiçado (o último episódio tem cena pós crédito bem intrigante), mas parte de um grande plano narrativo que Donald Glover tenta ser mais enfático e fazer seu expectador pensar fora da “caixinha”, elevando o escopo crítico racial da série a outro patamar, como fica claro no excelente episódio “Rich Wigga Poor Wigga” (3×09) onde o próprio Glover dirigi trazendo uma discussão interessante sobre a biracialidade norte americana e a segregação que as vezes ocorre dentro de algumas comunidades periféricas do país. Com parte da narrativa finalizando sem ganchos, apenas com incógnitas, “Atlanta” prepara o terreno para a última temporada com a missão de encerrar a saga de Earn, Paper Boi, Darius e Van, de uma forma satisfatória, e se este terceiro ano não é o melhor, ao menos mantém o nível de qualidade das temporadas anteriores, nos garantido que a jornada derradeira valerá a pena no final das contas.

Gostou? Veja o trailer da terceira temporada e comente abaixo qual episódio você mais gostou.

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