“O Ódio Que Você Semeia” – Crítica

^{Ao trazer uma autenticidade urbana para sua obra, Angie Thomas consegue fazer um livro poderoso sobre a juventude negra nos fazendo refletir e inspirar.}

Quando terminei de ler o livro da escritora norte americana Angie Thomas me peguei refletindo em muitas coisas e querendo discutir outras tantas. “O Ódio Que Você Semeia” é um livro voltado para adolescentes, mas é impossível você como adulto não se sentir tocado pela história da jovem Starr e seus diversos dilemas morais nesta história que não se limita apenas uma faixa etária, mas atinge todos os públicos com um senso de engajamento, justiça e realidade poucas vezes vistas na literatura.

O livro conta a história de Starr Carter, uma jovem negra que vive num bairro chamado Garden Heights numa cidade ao sul dos EUA com sua família, vê sua vida mudada drasticamente quando vê seu amigo Khalil ser assassinato a sangue frio por um policial sem nenhum motivo durante uma abordagem policial. A adolescente não só tem que lidar com luto, mas também com dilema de ser testemunha de crime cruel e bárbaro.

A narrativa de “O Ódio Que Você Semeia” toca bastante numa ferida que é comum nas periferias dos EUA e que atinge a comunidade negra constantemente, com o assassinato de jovens negros oprimidos por um sistema racista e bastante preconceituoso. Tudo isso ganha contornos diferentes e amplificados quando a autora narra a história pelo olhar de uma protagonista jovem que tem de lidar com problemas de um mundo bastante complexo e por muitas vezes injustos.

A história se passa antes, durante e depois dos eventos da morte de Khalil e vemos a transformação de Starr tendo que reavaliar a forma como lida com luto, a forma com lida com as pessoas a sua volta tendo o suporte da família formado pelo pai Marverick Carter, a mãe Lisa Carter, seu meio irmão por parte de pai Seven e seu irmão mais novo Sekani, além da forma como lida com o fato de que será a testemunha-chave no caso em resultou na morte do seu melhor amigo.

Ao colocar uma adolescente para narrar a trama, a escritora Angie Thomas consegue amplificar as emoções da história dando ainda mais peso para o que acontece nela. O livro se divide em duas linhas narrativas, a primeira com Starr tendo que reagir ao acontecimento dentro da sua própria comunidade em Garden Heights que tem em sua maioria pessoas negras, ao mesmo tempo que na segunda narrativa ela tenta manter a normalidade e seguir a vida de estudante numa escola de classe média em que ela e seus irmãos frequentam num bairro mais privilegiado que tem sua maioria pessoas brancas.

É muito interessante como a história tem esse choque de realidade, sendo evidenciado as diferenças sociais e de pensamento e como essas pessoas reagem a morte de um jovem negro por um policial branco, tudo isso sendo testemunhado por Starr que vê seu namorado Chris e suas amigas Hailey e Maya duvidarem da índole de seu melhor amigo sem saberem que ela estava envolvida diretamente no caso, em contraponto a seus pais e seus conhecidos da comunidade principalmente sua amiga Kenya (também meia irmã de Seven por parte de mãe) que sabem de tudo que ela está passando sentindo sua dor.

O maior ponto positivo deste livro a meu ver é o fato de Angie Thomas conseguir capturar de uma forma bastante autêntica a aura da periferia, as diferenças de tratamento entre negros e brancos, além do forte senso de injustiça em relação a morte de Khalil e como o sistema judicial ainda falha em condenar policiais que cometem esse tipo de crime. A história ainda se desenvolve bem mostrando uma evolução de Starr como pessoa, de uma menina sufocada pela dor e insegurança, para uma adolescente engajada que vai tomando consciência social do seu papel na sociedade em que vive.

A mensagem de “O Ódio Que Você Semeia” (nome de um trecho de uma música do lendário rapper Tupac e serve como cerne desta história) é bem clara e a narrativa não se priva de chocar o expectador, ainda que mantenha certos momentos de puro drama adolescente, inclusive isto deixa a personagem Starr mais humana, capaz de cometer erros, mas que aprende muitas lições guiadas principalmente pelas figuras de seu pai, seu tio Carlos e sua mãe.

Em resumo, “O Ódio Que Você Semeia” é um ótimo livro, consegue falar sobre a juventude negra de uma forma bastante honesta ao mesmo tempo que traz toda uma pauta racial e social importante que poderia acontecer em qualquer lugar do mundo (no Brasil inclusive acontece constantemente infelizmente) mostrando que precisamos evoluir como seres humanos e que devemos enfrentar as injustiças e lutar contra o apagamento de vidas negras na sociedade e principalmente, punir os culpados dando um alento para famílias que clamam por justiça. Este livro é uma obra de ficção, mas tem um pé grande na realidade e por mais que em certos momentos a esperança pareça escassa durante a leitura, no final é ela que mantém a viva a chama da luta por uma sociedade mais justa e igual.