Um remake feito da forma certa. A talentosa equipe de Atlanta liderada por Francesca Sloane e Donald Glover entrega uma série ótima que mistura drama, comédia, um pouco de ação e uma química explosiva entre o casal protagonista.

O longa “Sr & Sra Smith” foi um dos filmes mais bem sucedidos de 2005. Muito por conta junção de dois dos atores mais sexy e conhecidos de Hollywood naquela época, Brad Pitt e Angelina Jolie. Com uma química arrebatadora, o longa dirigido por Doug Liman tinha ação, romance e pegação da boa que era sentido em cada frame da narrativa, com Pitt e Jolie (na época assumindo um romance também fora das telas) exalando “sex appeal” e levando multidões ao cinema numa das comédias românticas de ação mais bem sucedidas de todos os tempos.
É quase impossível replicar algo tão amado e que fez tanto sucesso. Porém, a máquina hollywoodiana não para, mas como citei em algumas críticas, quando remake é bem feito como o recente “A Cor Púrpura”, é bacana atualizar narrativa para as novas gerações. Quando Donald Glover (Atlanta) e Phoebe Waller-Bridge (Fleabag) foram anunciados no reboot de “Sr. & Sra Smith” para a Amazon Prime Video em formato de série, as opiniões ficaram divididas, mas ainda assim confiantes por conta da dupla envolvida.
Quando Phoebe deixou o projeto por diferenças criativas, Donald Glover chamou Francesca Sloane e o restante da equipe da premiada série “Atlanta” para tocar o barco, recrutando a bela Maya Erskine (Pen15) para o papel de Jane, com o próprio Glover assumindo o papel de John. No dia 8 de fevereiro, finalmente o seriado foi lançado prometendo, ação, romance e várias participações inusitadas.

A série “Sr & Sra Smith” (Mr & Mrs Smith, 2024) ganha pontos por não seguir à risca tudo que foi construído no filme. Ao invés disso a showrunner Francesca Sloane prefere inverter a trama e colocar John e Jane sendo recrutados por uma mesma agência para missões secretas se passando por um casal, ao invés do casamento secreto e rivalidade entre agências mostrada no filme original, tudo isso revelado no bom piloto “First Date” (1×01), que dá o tom da série misturando espionagem e romance.
Assim como aconteceu em “Atlanta”, esta série tem um ritmo mais lento com um clima mais ameno, muito pela necessidade de conhecermos os personagens, seus defeitos, personalidades e qualidades distintas, tudo muito bem conduzido pela direção exemplar de Hiro Murai (Atlanta). Fica bem claro que até o final do piloto, estamos com conhecimento suficiente para comprarmos (ou não) John e Jane como casal e porquê da atração entre ambos ser tão imediata.
Outro bom acerto é trazer um casal interracial com o foco no cotidiano, ao invés do tradicional casal branco com “sex appeal”, pois parece haver mais dramas e conflitos para o roteiro trabalhar. A sensualidade, a troca de olhares, a forma como ambos descobrem uma atração magnética ainda estão lá, demonstrados através da fisicalidade e diálogos bem humorados e bem escritos, tornando o segundo episódio “Second Date” (1×02), por exemplo, a consolidação de uma série que sabe andar com as próprias pernas, se utilizando da falsa sensação de normalidade para fazer a trama de espionagem funcionar.

Os episódios “First Vacation” (1×03) e “Do You Want Kids?” (1×05) são o mais próximo que o seriado irá chegar de uma trama que mistura um clima com a vibe mais “James Bond” misturado com “True Lies” colocando os personagens num tour global caindo em situações que precisam utilizar suas habilidades para completar suas respectivas missões gerando boas sequências de ação que ajudam a narrativa se mover melhor oferecendo um pouco de tensão em episódios menos cadenciados.
A verdade é que “Sr & Sra Smith” requer paciência, não é um seriado que possui ação desenfreada, se projetando como uma dramedia com toques de romance que vive um ciclo de uma constante DR principalmente da metade para o final. Inclusive o episódio “Couples Therapy (Naked & Afraid)” (1×06) é ótimo na forma como descontrói a imperfeita a relação de John e Jane mostrando uma dupla que inicialmente compatível encontra percalços numa relação que parece ter acontecido rápida demais.
O legal aqui é como o roteiro trata a relação dos protagonistas na narrativa ao mesmo tempo que vai aumentando os riscos a cada novo episódio, usando como trunfo diversas participações especiais (não irei falar muito para não estragar as surpresas) de rostos conhecidos, como podemos destacar no engraçado episódio “Double Date” (1×04) quando nossa dupla conhece outro casal de John (Wagner Moura) e Jane (Parker Posey), mostrando que existem vários outros agentes com o mesmo codinome com nível de perigo diferentes dependendo da área de atuação.

A mitologia aqui é bastante rica, mas nem sempre bem explorada, fica claro que existe um espaço para aprofundarmos bastante neste universo, mas é evidente o cuidado de Sloane e Glover de solidificar a relação do casal primeiro para depois explorar o jogo de espiões na narrativa. É desta forma que percebemos que Donald Glover e Maya Erskine são uma escolha feliz, pois ambos têm carisma, atuações convincentes, compatibilidade e química o suficiente para que nos importemos com a relação crescente de duas pessoas que em muitos momentos parecem opostas, mas também bastante compatíveis.
A série ganha pontos por usar todo este contexto para trabalhar temáticas como machismo, racismo, estereótipos, além dos habituais problemas enfrentados por casais que aqui acaba se acentuando pelo fator interracial que adiciona ainda mais complexidade na relação (ela metódica, ele sentimental). É claro tudo é muito atual e desenvolvido de uma forma bem humorada e bastante moderna, mesmo incluindo os clichês típicos de comédia romântica em alguns momentos.
Enquanto a primeira metade da série é uma construção da relação do casal entre suas missões, a segunda metade é a desconstrução do conceito “comercial de margarinas”, com o texto explorando as diferenças entre eles e como isso serve de fagulha para acender uma rivalidade que estava ali bem guardada entre beijos ardentes e sexo que acabavam por superar certas incompatibilidades corriqueiras.

É assim que “Sr & Sra Smith” se torna uma boa série, mais atrativa, mais interessante e mais “realista”. Não só subvertendo o conceito do longa original, mas se tornando um seriado com mais personalidade, produção caprichada, catapultado por duas atuações muito boas que ficam ainda melhores nos episódios “Infidelity” (1×07) e no explosivo final de temporada “A Breakup” (1×08), que deixa um excelente gancho para uma possível segunda temporada. Talvez a série não seja para todos os públicos devido ao seu ritmo mais lento, mas para quem gosta de uma trama envolvente, bem humorada, as vezes até ácida demais e que prende a atenção do início ao fim sem subestimar a inteligência do expectador, esta aqui com certeza deve ser uma boa pedida para assistir tanto sozinho, quanto em casal.
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