Magnífico! A história de um dos maiores humoristas negros do Brasil ganha uma cinebiografia respeitosa, emocionante e que engrandece ainda mais o legado de um homem que vivia para dar felicidade as pessoas ao seu redor.

Estamos vivendo um momento mágico no cinema brasileiro, principalmente no cinema preto, com produções nacionais mais caprichadas e bons elencos, estamos diante de uma temporada que até agora só entregou bons filmes, a começar pelo recente sucesso de “Nosso Sonho” que conta a história da dupla de funk melody, Claudinho e Buchecha, esta produção inclusive é até o momento a maior bilheteria nacional do ano consolidando o sucesso de um filme incrível (leia a crítica aqui) que está sendo descoberto aos poucos pelos brasileiros.
É seguindo nesta trajetória que venho falar do ótimo filme “Mussum, o Filmis” (ótimo trocadilho), longa nacional produzido pelo Globo Filmes e associações que estreou hoje dia 2 de novembro em todo Brasil e conta a história de Antônio Carlos Bernardes Gomes que ficou conhecido em todo país com o nome de Mussum, um dos integrantes mais famosos do grupo de comédia “Os Trapalhões” que virou um fenômeno nacional durante os anos 80 e 90 consolidando o ator preto como um dos maiores nomes do humor de todos os tempos.
O longa baseado no livro “Mussum – Uma História de Amor e Samba”, de Juliano Barreto e dirigido por Silvio Guindane (A Divisão) pela primeira vez comandando um longa-metragem depois de uma carreira apenas atuando e roteirizando produções, assume aqui a responsabilidade de contar uma história tocante, daquelas que se destacam pelo cuidado técnico principalmente no texto escrito por Paulo Cursino (Tudo Bem No Natal Que Vem), que consegue uma progressão narrativa que vai da infância, passando pelo começo da fase adulta até chegar no auge da carreira do comediante, tudo de uma forma bastante respeitosa.

A verdade é que “Mussum, o Filmis” é um filme que não sai da zona de conforto, Guindane traz uma visão bastante consistente e foca no drama se aprofundando na relação do personagem com a mãe Malvina (versão jovem interpretada por Cacau Protásio) dando o pontapé num primeiro ato excelente que mergulha na infância de Carlinhos (versão criança interpretada por Thawan Lucas) como ele era conhecido e na luta da matriarca para educar seus filhos para que fossem alguém na vida.
A trama se passa boa parte em Lins de Vasconcelos no Rio de Janeiro onde acompanhamos o crescimento de Carlinhos (versão jovem interpretada por Yuri Marçal) até chegar no exército enquanto faz bicos participando do grupo “Os Originais do Samba” onde começa a mostrar o talento para música e para comédia. O roteiro explora bastante a faceta do comediante e seu dilema em seguir um caminho mais conservador almejado pela mãe que sonha ver o filho com uma carreira militar, enquanto a vida vai lhe puxando cada vez mais para o samba com o sucesso crescente do seu grupo musical.
O maior trunfo de “Mussum, o Filmis” é a fluidez como a narrativa consegue fazer as transições de época dando espaço para que o drama não se perca neste meio tempo, a edição de André Simões (O Dono do Lar) e o controle da direção de Silvio Guindane é crucial para que o filme não perca ritmo, conseguindo assim contar a história de forma linear ao mesmo tempo que intercala passado e presente usando esquetes famosas protagonizadas por Mussum como elo de ligação entre épocas, sem falar que são momentos que quem acompanhava “Os Trapalhões” e “A Escolinha do Professor Raimundo” vão identificar de imediato.

É através dessa nostalgia que a obra cresce, pois além de mostrar um lado que não conhecíamos de Mussum, o filme ainda captura momentos que emocionaram o Brasil e tornaram o comediante que ele foi na época. O sentimento de assistir ao longa pode ser definido como “estar em casa”, tudo é muito familiar, muito bem conduzido e se vê a dedicação na frente e atrás das câmeras para que a cinebiografia cause o impacto emocional que se espera.
A narrativa só é bem executada, porque a escolha do elenco que é majoritariamente preto é simplesmente perfeito, no passado temos atuações belíssimas de Cacau Protássio (Vai Que Cola) e do pequeno Thawan Lucas, passando também pela sólida atuação do comediante Yuri Marçal (Vale Night) que surpreende na versão jovem de Carlinhos, mas é quando Ailton Graça (Carandiru) assume que o filme dá um salto, na verdade o ator domina cada cena que aparece numa encarnação impecável do Mussum, seja nos trejeitos e expressões físicas, seja no drama, onde o ator não só entrega sua melhor atuação da carreira como também acaba sendo o coração de um filme que só fica melhor por conta do mesmo.
É desta forma “Mussum, o Filmis” conquista quem assiste, não só por conta da respeitosa trajetória do comediante, mas mostrando também seus percalços na vida, porém se abstendo infelizmente de aprofundar mais na relação com suas esposas e filhos, mais uma vez mostrando o filme navega em um porto seguro, sem falar que ao contar a história dos trapalhões, claramente todas as questões sobre racismo sofridas por Mussum e conflitos internos na relação com os amigos de profissão, acabam sendo ignoradas o que daria uma complexidade maior a uma história já riquíssima.

Por outro lado, ganhamos em ternura, pois conhecemos um Mussum gente fina, de bem com a vida, sem medo de arriscar e com um carisma de milhões capaz de arrancar sorrisos genuínos, sorrisos esses que conquistaram o Brasil e aqui é muito bem retratado mais uma vez vale ressaltar por conta de uma assombrosa atuação de Ailton Graça. O ápice da relação com a mãe é onde o filme entrega um de seus melhores momentos, criando um ambiente para que Neusa Borges (versão mais velha de Malvina) entregue uma atuação maravilhosa do tamanho do talento de uma das melhores atrizes negras brasileiras.
O melhor de “Mussum, o Filmis” é entregar também um valor de produção que pode ser visto em tela, com uma belíssima fotografia de Nonato Estrela, além de uma ambientação impecável com design de produção sólido de Rafael Targat, vale também menção as maquiagens de Mari Pin e Patrícia Valis, conseguindo fazer transformações significativas em atores conhecidos para trazer nomes renomados que aparecem durante a narrativa do filme.
Inclusive é bacana ver que Mussum teve contato com vários nomes conhecidos da TV brasileira e da música, seja figuras pretas lendárias como Grande Otelo, Cartola, Jorge Ben e Meia Noite, ou jogadores famosos como Mané Garrincha, seja figuras memoráveis da TV como Chico Anysio, além de cantoras famosas como Elza Soares e Alcione, todos retratados aqui de uma forma respeitosa, mostrando também a grandiosidade do talento de Antônio Carlos não só na comédia como no samba, criando laços de amizades numa crescente meteórica chamando atenção de figurões da TV como Maurício Sherman e Boninho.

Tudo isso é apenas parte de um legado que o ator comediante possuía e o filme consegue mostrar tudo de uma forma simplesmente incrível, causando um encantamento imediato catapultado por uma trilha sonora recheado de grandes clássicos do samba que permeiam a trama conseguindo deixar tudo ainda mais rico de cultura, principalmente a carioca mostrando inclusive a paixão de Mussum pela estação primeira de Mangueira.
De uma forma geral, “Mussum, o Filmis” é um longa incrível e bem humorado, daqueles de colocar na galeria das melhores cinebiografias nacionais, com uma atuação excelente de Ailton Graça e um elenco coadjuvante impecável (inclusive o neto do Mussum na vida real, Mussussinho faz participação especial), o filme encanta nos pequenos momentos, emociona ao retratar bem a trajetória de Mussum e surpreende por mostrar mais de uma pessoa que tinha gosto pela vida, amor pelo samba e uma paixão por fazer a alegria de milhões. A narrativa dirigida por Silvio Guindane encontra momentos mágicos replicados de forma magistral num filme que só cresce ao conseguir mostrar a trajetória de um dos maiores comediantes negros da história do Brasil.
No mês da Consciência Negra, este filme é obrigatório para não só para quem é fã do cinema nacional, mas também para mostrar que pessoas pretas talentosas são bem representadas num cenário tão competitivo, evidenciando um lado mais humano de um comediante brilhante na arte de fazer rir, que manteve o otimismo e humildade até o fim da vida. O terceiro ato dá um gostinho de quero mais e termina com uma linda mensagem para uma geração de crianças pretas que almejam por representatividade. Simplesmente inspirador e cativante.


“Magistral! A cinebiografia “Mussum – O Filmis” é tocante, emocionante e arrebatadora, daquelas produções nacionais feitas de uma forma respeitosa que mostra a trajetória de um dos maiores comediantes pretos da história do Brasil. Ailton Graça entrega uma atuação brilhante catapultado por edição esperta e uma direção consistente que torna esta obra uma das melhores produções nacionais do ano.”
– Certificado Excelência Negra
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