“Certas Pessoas” – Crítica

Engraçado, porém mais do mesmo. A nova comédia da Netflix reúne Jonah Hill e Eddie Murphy numa trama com foco em relacionamentos interraciais e como isso se torna um caldeirão cheio de conflitos contada de uma forma muito bem humorada por Kenya Barris.

Fonte: Netflix

Vivemos num mundo complexo, complexo em relação a etnia, a personalidade e a convivência em sociedade. As vezes um determinado assunto mais polêmico acaba sendo discutido de forma muito rasa por produções do hollywoodianas em detrimento do entretenimento e isso acontece bastante em comédias, que acabam levando temas pertinentes, mas com resultados aquém do esperado.

Quando se trata de assuntos sobre temática racial, o cineasta, roteirista e diretor Kenya Barris é um dos nomes mais requisitados do ramo, depois de sucessos como Black-ish, Grow-ish e outras comédias que abordam o tema, ele que tem contrato com a Netflix co-escreveu e dirigiu a comédia “Certas Pessoas” (You People, 2023), que estreou na última sexta feira na locadora vermelha trazendo Jonah Hill (Anjos da Lei 1 e 2) que também assina o roteiro e Eddie Murphy (Dreamgirls) numa trama que aborda relacionamentos interraciais.

A história começa com Ezra (Hill), um jovem judeu que tenta se firmar em relacionamentos que nunca dão certo, encontra a jovem e bela Amira (Lauren London), mesmo sendo diferentes, acabam se apaixonando levando sua relação a outro patamar, tendo que passar pela maior provação de todas quando ambos conhecem seus respectivos pais que pode resultar num abalo na relação do casal.

A sinopse é desta forma mesmo, previsível e clichê, mostrando que “Certas Pessoas” é uma comédia com toques de comédia romântica, mas com escopo totalmente voltado aos aspectos raciais algo que Barris sempre mostra em suas produções. Se você conhece o estilo do diretor, não vai estranhar as piadas carregadas de referências a cultura pop, muita piada relacionada a escravidão e holocausto, nada muito pesado, mas com certeza o suficiente para deixar algumas pessoas desconfortáveis.

Enquanto o primeiro ato é focado na relação Ezra e Amira que ao meu ver acontece até muito rápido, mas o suficiente para investirmos na felicidade do casal num período de meses. Ao meu ver o longa começa a acontecer quando a dupla conhece seus respectivos pais, é ali que Barris começa a mostrar um bom tempo cômico e é onde as diversas situações engraçadas do filme acontecem.

O encontro de Amira com Shelley e Arnold é completamente absurdo e consegue sintetizar muito bem o quanto famílias brancas não conseguem agir normal quando uma pessoa preta entra para o seio familiar. O roteiro aproveita para gerar boas discussões preconceitos velados, bem como piadas de cunho racistas disparadas de forma aleatória que deixam a situação ainda mais estranha.

O completo oposto ocorre com Ezra ao encontrar Akbar e Fatima, do cara branco tentando ser aceito pela família negra, com os pais da namorada sendo completamente chocados pela realidade apresentada diante das escolhas da filha criando uma resistência maior representada pelo pai. É através dessas diferenças que Kenya Barris expõe suas críticas às relações interraciais mostrando que ainda existe alguns aspectos sociais que ainda são tabus, porém nunca confrontados e que precisam ser lidados no meio de todo esse conflito de ideias e crenças distintas.

Fonte: Netflix

É claro que “Certas Pessoas” carece de um aprofundamento em temas que não são fáceis de discutir, mas fica claro a intenção da narrativa em mostrar que as pessoas não sabem lidar ou se comportar com outras pessoas diferentes do seu convívio. Apesar da parte racial ficar bem nítida na questão de como as pessoas brancas veem as pessoas negras normalmente com a visão bastante estereotipada, o texto ainda consegue mostrar o quão isso pode gerar um modo de defesa em famílias negras que acabam vendo com maus olhos relacionamentos interraciais.

Todo esse contexto é entregue de forma bastante sólida por um elenco que consegue ser bom o suficiente para compreender bem o roteiro e fazer a comédia funcionar sem que os diálogos soem estranho, mesmo que o texto ácido tire o expectador da zona de conforto. Jonah Hill no papel de Ezra é bom, o ator vive um amadurecimento bastante interessante na carreira e consegue em pouco diálogos entregar humor e drama, aqui apesar de não ser um de seus melhores papéis, ele se sai bem, principalmente quando divide os holofotes com Eddie Murphy.

Ainda temos Julia Louis-Dreyfus (Falcão e o Soldado Invernal) como Shelley fazendo um papel da metralhadora de asneiras do filme, algo que a atriz domina bem comicamente. David Duchovny (Arquivo X) no papel de Arnold é outro que traz uma figura sem noção, mas que infelizmente é subaproveitada no contexto geral do longa, o mesmo acontece com Nia Long (O Banqueiro) que mesmo sendo uma boa adição, podia ter mais espaço no papel de Fatima.

Fonte: Netflix

A atriz Lauren London (Sem Remorso) consegue ter boa química com Hill e personalidade própria para não sumir diante de estrelas mais conhecidas se saindo bem no papel de Amira. E fechando o quinteto conhecido temos Eddie Murphy, aqui funcionando com o pai da futura noiva fazendo o personagem excêntrico e antipático na medida, sem as caras e bocas característicos de seus personagens, o ator entrega um bom trabalho e serve como um bom contraponto ao personagem de Jonah Hill.

Em termos de produção, a obra traz uma boa trilha sonora, principalmente para quem é fã de rap e hip hop. A edição não é tão boa, mas a escrita é consistente até certo ponto, mas fica melhor quando o casal principal toma as rédeas de suas vidas e entregam bons diálogos no terceiro ato, quando rola o momento “DR” do filme e onde fica mais claro os conflitos sociais dos personagens que lutam para ficar juntos.

Por tudo aquilo que foi falado, pode se dizer que “Certas Pessoas” é uma boa comédia, senão é brilhante, ao menos consegue entreter, talvez converse mais com o público dos EUA porque os conflitos mexem com os aspectos culturais e raciais enraizados no país, porém em muitos aspectos podemos enxergar questões universais de problemas amorosos vividos por casais de interraciais atuais. O longa fica devendo um pouco no campo da comédia romântica, mesmo que no final abrace os clichês do gênero. No final das contas esta comédia é boa quando abraça os momentos de constrangimento e o humor ácido, vide a cena do jantar, é neste ponto que a narrativa vale o tempo investido e mostra que o humor com cunho social e racial, além de fazer rir, pode fazer refletir também.

Gostou? Veja o trailer e comente sobre o filme se já assistiu.

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