Aqui e depois. A nova série de Mike Flanagan deixa os sustos de lado para entrega uma obra dramática que fala sobre aceitação da morte e da eterna busca humana pelo prolongamento da vida terrena.

Obras com a temática sobre doenças terminais não são fáceis de fazer ou fáceis de assistir, normalmente a trama traz um aspecto dramático sobre a luta pela vida que sabemos que na realidade é muito mais assustadora e imprevisível. Produções recentes principalmente voltadas para o público adolescente, normalmente trazem romances misturados com este tipo de narrativa para ter um apelo dramático e um final trágico, como os filmes “A Culpa é das Estrelas” e “A Cinco Passos de Você”.
Em termos de seriado, eles existem, mas são mais raros, porém quando acontecem, conseguem prender nossa atenção de imediato principalmente pelo elo criado entre público e os personagens. Estou dizendo isso para falar da nova produção da Netflix, “O Clube da Meia-Noite” (The Midnight Club, 2022) que estreou no começo do mês e faz parte da coleção Mike Flanagan, que já entregou diversos trabalhos para locadora vermelha como os sucessos “A Maldição da Mansão Hill” e “A Maldição da Mansão Bly”, além do recente e aclamado “A Missa da Meia Noite”, aqui o roteirista e diretor, divide os créditos com Leah Fong, que trabalhou com Flanagan na “A Maldição da Mansão Bly” e aqui ganha status de showrunner e criadora.
A minissérie é baseada no livro de Christopher Pike e conta a história de oito jovens pacientes terminais do Hospício Brightcliffe que começam a se reunir à meia noite para compartilhar histórias de terror. O que você precisa saber de imediato se a série é ou não para você, é preciso assistir os dois primeiros episódios para sentir a atmosfera até porque a direção de Mike Flanagan dá o tom do que esperar no decorrer da narrativa, que tem um ritmo mais lento sem grandes novidades.

Em “The Final Chapter” (1×01) e “The Two Danas” (1×02) o expectador é situado no universo e começa a conhecer mais de seus protagonistas, com Ilonka (Iman Benson) sendo o fio condutor da história que se passa pelo ponto de vista dela e serve também como os olhos dos expectadores para conhecer como funciona Brightcliffe e como as reuniões do Clube da Meia Noite se dão em um arco que traz um mistério no ar e a sensação de fim da linha para os protagonistas.
Além de Ilonka, conhecemos Kevin (Igby Rigney), a esquentadinha Anya (Ruth Codd), a religiosa Sandra (Annarah Cymone), o estiloso Spencer (William Chris Sumpter), a esperta Cheri (Adia), a introvertida Natsuki (Aya Furukawa) e o carismático Amesh (Sauriyan Sapkota), mostrando também que este é o elenco mais diverso já criado por Mike Flanagan, com atores brancos, negros, asiáticos, indianos, com uma variedade muito bem vinda em uma história que passa em meados de 1994 que se aprofunda em cada desses pacientes.
Muito de “O Clube da Meia-Noite” lembra seriados como “O Clube do Terror”, “Além da Imaginação”, dentre outras obras que tem em seus contextos contos sinistros que dão um ar sobrenatural a história. O roteiro possui dois seguimentos, o primeiro acompanha as visões de Ilonka e sua forte conexão com Brightcliffe, enquanto em paralelo, a cada nova reunião do clube, acompanhando o conto de uma história original contada pelo grupo que se reúne sempre a meia noite.

Os dois primeiros episódios têm uma assinatura bem clara do Flanagan, que só de ter seu nome a essa altura do campeonato, já atrai um grande interesse dos fãs de terror e talvez por isso tende a decepcionar um pouco aqueles que vão esperando sustos e cenas horripilantes acompanhadas de noites sem dormir. Aqui nesta narrativa em especial, temos os habituais “jump scares”, mas estes se esvaem muito rápido dando espaço a uma trama que parece mais interessada em contar uma boa história do que ser apenas algo voltado ao terror.
Fica muito claro que falta sim um equilíbrio no texto de Mike e Leah, entre ser um conto de terror e ser um drama com forte carga emocional. Isto no começo, mas acredito que a série consegue ter melhoras significativas ao longo de seus dez episódios começando por “The Wicked Heart” (1×03) e “Gimme a Kiss” (1×04), episódios que aprofundam no mistério do Clube da Meia Noite, bem como na vida dos oito pacientes, que a cada conto mostram mais suas personalidades embutidas em contos de terror que vão capturando nossa atenção a cada nova estória.
A série se mostra uma narrativa bastante rica que explora os demônios de Ilonka e seus amigos de uma forma que vamos compreendendo a doença de cada um e como viver cada momento é importante para que estes personagens possam se conformar com a eminente chegada da morte. O roteiro tenta tirar aspectos mais sombrios explorando defeitos e qualidades de seus personagens, que se tornam peça fundamental para quem conseguiu passar dos dois cadenciados episódios iniciais.

A verdade é que “O Clube da Meia-Noite” só fica melhor à medida que vamos adentrando a trama nos episódios “See You Later” (1×05) e “Witch” (1×06), episódios que trazem respostas, ao mesmo tempo que cria mistérios e suspeitas em torno de personagens enigmáticos como a Dra de Brightcliffe, Georgina Stanton (Heather Langenkamp) e a misteriosa moça da floresta Shasta (Samantha Sloyan), que ajudam a mostrar o quão antigo são as práticas do Clube da Meia Noite na instituição.
Talvez o grande problema da série, seja criar expectativas erradas em torno a capacidade de Flanagan de criar viciantes atmosferas de terror e medo constante. Aqui temos algo que o roteirista ainda não tinha experimentado em tela, a morte como forma de terror através enfermidades com adolescentes enfrentando o fim da vida no auge da juventude num trama bastante densa, deixando o aspecto sobrenatural com fantasmas mais em segundo plano, desta forma a narrativa soa revigorante, mesmo que exija atenção do público e paciência para que está sendo contado.
Em termos de produção, a obra entrega como sempre uma fotografia excelente, com ambientes internos que conseguem exalar uma aura sobrenatural que ajudam a permear a sensação de algo vai acontecer, isso tudo é amplificado pelo belo design de produção e a sólida ambientação dos anos 90. O figurino e o capricho técnico da trilha também são notados e ajudam compor um produto que em muitos aspectos é bem acabado.

No campo das atuações, gostei de todas do elenco principal e fico contente de ver tantos atores negros entregando boas performances, como Iman Benson (#blackAF) no papel de Ilonka, a primeira protagonista negra das histórias de Mike Flanagan, a atriz manda muito bem equilibrando a carga dramática da pessoa que se apega ao sobrenatural como a única forma de escapar de seu destino trágico.
Agora três destaques aqui merecem menções mais do que honrosas, que inclusive ajudam a potencializar os últimos episódios da temporada de uma forma muito positiva. A primeira é a atriz novata Ruth Codd no papel de Anya, uma garota com muita personalidade que é um dos motivos para o episódio “Anya” (1×07) ser de longe um dos melhores da temporada, triste, emocionante e na medida, mostrando também como o elenco está entrosado, num episódio trata a temática da morte de uma forma franca e melancólica.
Outro episódio que na minha humilde opinião é o melhor da série é “Road to Nowhere” (1×08), que possui gatilhos para os mais sensíveis, mas também uma importante inserção do roteiro ao tratar um tema tão delicado quanto o suicídio, aqui aprofundado de uma forma bastante honesta e dramática mostrando também o talento de Aya Furukawa (The Terror) e como a equipe de Flanagan e Fong estão em sintonia em entregar uma obra que não só aprofunda nas suas discussões, mas também nos faz refletir.

E por último William Chris Sumpter (Power), este jovem ator é muito bom no aspecto dramático, ele não só domina o episódio “The Eternal Enemy” (1×09) como também entrega boas cenas com uma alta carga emocional devido a sua condição terminal de saúde e sua sexualidade, tratando de dois assuntos complexos e delicados que nos anos 90 estavam começando a serem discutidos.
Um dos aspectos que prende nossa atenção ao seriado são os contos que são bastante criativos e envolventes, muitos que lembram até o seriado “Black Mirror” pelo aspecto bizarro e inacreditável de algumas estórias, na reta final eles acabam se tornando mais encaixadas e cheias de referências a filmes de terror conhecidos, além de filmes de ação populares no período. E o equilíbrio almejado é também alcançado principalmente quando a trama principal começa a se sobrepor aos contos episódicos.
No geral “O Clube da Meia Noite” é uma série (com cara de minissérie) caprichada tecnicamente e emocionante do começo ao fim. Talvez não seja para um público geral, mas com certeza vale a pena para aqueles que procuram uma história que trata sobre vida e morte de uma forma envolvente e profunda que tem como força para carregar a trama um elenco afinado e uma direção bastante sólida que só melhora a cada episódio. Ainda que o último episódio “Midnight” (1×10) seja carregado nos clichês e na previsibilidade, não há dúvidas que a história termina de uma forma bastante honesta com sentimento de esperança, onde o medo dos pós morte, se torna a coragem para viver cada segundo sem medo do que esta por vir, afinal um dia todos partiremos, mas ao menos com sentimento de ter vivido plenamente.
Gostou? Veja o trailer e comente o que você achou da série.



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