“Small Axe: Vermelho, Branco e Azul” – Crítica

O terceiro filme da Antologia traz um olhar por dentro do sistema policial britânico sobre o olhar de uma pessoa preta na pele do personagem vivido por John Boyega numa atuação excelente.

Fonte: BBC One

Como mudar algo que está entranhado na sociedade como uma erva daninha crescendo e se multiplicando de uma forma cada vez maior e mais hostil. Esta frase pode ser dita em qualquer contexto que esteja relacionado a luta por direitos, principalmente das chamadas “minorias”, que precisam combater o preconceito o tempo todo, seja na forma de protestos, ou mudando leis para criminalizar o racismo, ou de uma forma mais direta, tentando mudar o sistema por dentro.

O terceiro filme da série Small Axe, volta ao drama para contar a história de um policial negro, Leroy Logan (John Boyega) recém formado tentando mudar as práticas policiais abusivas se tornando parte da mudança. “Vermelho, Branco e Azul” (Small Axe: Red, White And Blue, 2020) é um longa que não traz grandes novidades em termos narrativos como “Mangrove” ou o frescor de “Lovers Rock”, porém é uma narrativa que vai no cerne do problema ao mostrar que as motivações para perseguição policial as comunidades periféricas é ainda mais intensa do que se poderia imaginar.

A narrativa começa com Logan ainda pequeno sofrendo um tipo de coação e abuso policial na volta da escola assim como seu pai. Corta para anos depois e o acontecimento apenas acentuou o ódio e ressentimento de Ken Logan (Steve Toussaint) em relação a polícia, porém ele não contava que o próprio filho entraria para força policial londrina para se tornar aquilo que ele mais detestava.

Fonte: BBC One

O roteiro escrito por Steve McQueen (Shame) e co-escrito mais uma vez com Courttia Newland traz uma história com várias vertentes, mas com um cerne bastante interessante na relação pai filho estabelecida entre Leroy e Ken, enquanto o primeiro vê no cargo de policial uma oportunidade de promover uma reforma racial dentro da corporação sendo apoiado pela mãe (Joy Richardson) e a esposa (Antonia Thomas), o segundo vê tudo aquilo como uma traição e acredita que o filho está cometendo um erro num lugar onde nunca será aceito.

A forma como a narrativa envolve o expectador prendendo o interesse em saber como tudo aquilo vai se desenrolar, mostra também a visão de McQueen em exemplificar que a mudança é muito mais difícil do que se pode imaginar, principalmente quando se está em minoria como é o caso de Leroy, a trama segue o personagem desde a preparação até se tornar um policial e aos poucos ele começa a mudar sua visão a medida que vai testemunhando os abusos e a resistência dos policiais brancos em aceita-lo ocupando aquela posição.

Em oitenta minutos, a história de “Vermelho, Branco e Azul” consegue estabelecer rapidamente seus personagens e consegue mostrar que as questões raciais são ainda mais profundas e impiedosas dentro da força policial. É fato que o longa tenta mostrar que a falta de negros policiais também é uma falha enorme dentro desse sistema e acentua o preconceito não só internamente, como também reverbera nas batidas e ações policiais nas comunidades periféricas.

Fonte: BBC One

Aos poucos a narrativa vai mostrando que a mudança é algo complexo de se fazer e o personagem de John Boyega (Star Wars: A Ascensão Skywalker) sente isso na pele ao sofrer provocações racistas e ainda ser mandado para fazer patrulha nas comunidades predominantemente negras para repreender os seus. A direção de McQueen não é tão marcante aqui, porém o cineasta consegue ter a visão técnica em privilegiar a atuação marcante de seu protagonista e isso ajuda a elevar a trama como um todo.  

A verdade é que o filme só ganha um peso maior, devido a entrega de John Boyega na pele de Leroy, o ator mostra aqui que a franquia Star Wars perdeu em não aproveitar sua veia dramática, numa atuação estupenda, cheia de nuances e as vezes muita fúria e indignação, o ator simplesmente está impecável na pele de um personagem com uma visão bastante honesta do mundo, mas que encontra uma resistência enorme ao tentar ser um policial diferente do que sua família ou sua comunidade enxergam, tentando transcender as barreiras raciais e exercer a função de proteger e servir.

Devo dizer que as vezes falta ao filme dar mais espaço para os conflitos familiares em sua forma plena, mas quando isso acontece, gera cenas muito boas, principalmente quando Boyega divide a cena com ator Steve Toussaint (Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo) no papel de seu pai, ambos carregados de sentimentos, rancores e preocupação um com outro, mostram que mesmo em lados opostos da mesma luta, se mostram ainda bastante ligados numa relação complexa de pai e filho.

Fonte: BBC One

Outro ponto positivo do filme é como a história mostra que a questão de preconceito não se estende apenas as pessoas pretas, mas também a outras etnias, como é o caso do amigo indiano de farda de Logan, o policial Asif Kamali (Assad Zaman) que também sofre ofensas e ataques constantemente dentro e fora dos corredores da corporação. O roteiro tem muita a dizer, mas parece faltar tempo para mostrar tudo que a história precisa contar e por mais que a história seja muito boa, a sensação é que o longa poderia ser maior para deixar essas ideias se desenvolverem e florescerem melhor.

No geral, “Vermelho, Branco e Azul” é um filme muito bom, ainda que ache que o final possa soar um pouco abrupto, no final das contas notasse que o longa tem muito a dizer e só fica melhor graças a uma atuação bastante comprometida de John Boyega. Com uma direção correta, Steve McQueen mostra que internamente o preconceito e o racismo na polícia é ainda pior e que as vezes é complicado gerar mudança imediata quando se está praticamente sozinho numa luta, porém o longa mostra que quebrar barreiras e se inserir em um contexto que você se coloca no mesmo patamar para inibir opressores, pode resultar numa mudança benéfica a longo prazo.  

Gostou? Veja o trailer abaixo. Se já assistiu ao filme, dê sua opinião sobre ele nos comentários.

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