“M8 – Quando a Morte Socorre a Vida” – Crítica

Ao expor as injustiças e os entraves da sociedade brasileira em relação ao racismo institucional, “M8” mostra que o cinema nacional  ainda tem muito a oferecer em termos narrativos.

Fonte: Paris Filmes

Não é de hoje que o cinema nacional tem um estilo próprio principalmente quanto se trata de dramas, as vezes subestimamos o potencial do nosso cinema quando comparamos erroneamente a produções internacionais com formato dramático diferente e uma linguagem diferente. Existe vários filmes no Brasil que ainda são desconhecidos do público e merecem ser assistidos e apreciados, um deles é este recente “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida” (2019) que estreou nos cinemas nacionais  discretamente este ano depois de ser adiado algumas vezes, agora o filme ganha sobrevida ao estrear na plataforma da Netflix.

O longa conta a história de Maurício (Juan Paiva), um estudante negro que enfrenta seu primeiro ano numa Universidade Federal de Medicina do Rio de Janeiro frequentado em sua maioria por estudantes brancos e de classe média alta, durante uma de suas aulas práticas, Maurício se depara com o cadáver M8, que acaba por desencadear uma autorreflexão no mesmo em relação as diversas questões sociais e raciais.

A trama dirigida pelo cineasta Jefferson De (Bróder) traz à primeira vista um tom de suspense e mistério envolvendo o cadáver M8, mas na verdade a história no decorrer da narrativa se mostra mais voltada para o drama, dessa forma então percebemos que estamos diante de uma crítica social bastante forte que começa a assombrar Maurício o fazendo refletir sobre seus privilégios e sobre seu papel como negro naquele ambiente universitário.

Fonte: Paris Filmes

Confesso que gosto quando um filme nacional sabe trabalhar temáticas sociais de uma forma tão interessante e “M8” faz isso muito bem. É claro que a narrativa falha bastante ao tentar criar um suspense em torno de um cadáver anônimo adquirido pela universidade para que os estudantes possam fazer autópsias, antes de mostrar suas verdadeiras intenções ao fazer com seu protagonista questione de onde o corpo veio e qual é a história dele.

Acredito que o roteiro escrito pelo próprio Jefferson, em conjunto com Carolina Castro e Felipe Sholl, é feliz ao retratar as diversas realidades de um Rio de Janeiro que carrega em si bastante discrepâncias sociais. Tudo isso é refletido em Maurício, que tem que lidar com as pressões de cursar uma faculdade majoritariamente branca, ao mesmo tempo que em vive em uma realidade mais humilde numa periferia majoritariamente preta, onde as dificuldades são imensas e onde a violência se faz presente a todo momento.

O longa vai além ao trazer e retratar as diferenças entre ricos e pobres, negros e brancos em diversos momentos, aqui a direção de Jefferson De se faz mais uma vez presente ao conseguir mostrar sem ser expositivo demais nos diálogos, o choque de realidade que um estudante negro tem que enfrentar ao se ver num lugar de privilégio em contraponto a realidade que o cadáver que ele disseca viveu. Aqui é mostrado de forma explicita um racismo latente que corrói nossa sociedade e que toma várias formas e ainda resiste apesar de estudantes pretos como Jefferson começarem a frequentar lugares que antes não tinham presença.

Fonte: Paris Filmes

A narrativa de “M8” começa a ficar mais densa na sua metade final onde felizmente renuncia ao suspense para encarar uma realidade ainda mais dura, real e chocante. O filme funciona na maior parte do tempo, pois tem uma aura bem autêntica com uma trilha sonora muito boa, vale salientar que o elenco também é muito bom, Juan Paiva (Malhação Viva a Diferença) consegue segurar bem como protagonista, seu Maurício é introvertido, mas consegue ter bom senso e um instinto de justiça muito grande, principalmente quando vê um grupo de mulheres negras com filhos vítimas da violência urbana protestando por justiça.

Ainda temos Mariana Nunes (Amor de Mãe) como a mãe de Jefferson, uma mulher batalhadora que trabalha como enfermeira na casa de um senhor rico, garantindo o sustento do filho e o apoiando nos estudos. Nunes inclusive esta ótima, a cena do jantar quando ela conversa com Maurício é de arrepiar e carrega com bastante peso a história de muitas mulheres pretas que criaram os filhos sem o auxílio de uma figura paterna. Outras participações foram muito bem-vindas como: Zezé Motta, Rocco Pitanga, Aílton Graça, Tatiana Tibúrcio e Lázaro Ramos mostrando que o Brasil tem um calibre grande de bons atores negros.

De tudo que foi dito, “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida” é um drama que desperta no expectador um chamado a ação, todo despertar de Maurício ao longo da narrativa sobre sua negritude, religiosidade (as cenas no terreiro de candomblé são poderosas) e sobre as questões raciais é muito bem feita, o personagem ainda que tenha um certo tipo de privilégio, ainda sofre para ser inserido em uma sociedade brasileira que infelizmente ainda é bastante racista e o longa não esconde isto em nenhum momento, aliás, o terceiro ato é um soco no estômago e um verdadeiro chamado para mostrar que  as vidas negras realmente importam, ainda que a narrativa falhe ao entregar um tipo de suspense, ganha pontos por ser efetivo como drama com peso social forte e que não se priva de mostrar que precisamos sim de uma mudança e precisamos sim descer de nossos privilégios e olhar para as vidas negras e anônimas que se perdem nas periferias do país, vidas como o cadáver M8, que tem uma história, mas que infelizmente acabam apagadas pelo sistema num silenciamento cruel e triste.

Gostou? Assista ao trailer do filme abaixo e se já assistiu, comenta dizendo o que achou sobre ele.

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