Premissa engraçada, mas levada muito a sério. O longa que tem como ponto crítico o estereotipo do negro mágico, acaba sucumbindo as próprias pretensões numa trama irregular que nunca atinge seu potencial.

O cinema preto global pode ser fascinante pela diversidade narrativa. Porém, na maioria dos casos, estas narrativas acabam seguindo para um cunho crítico social, seja sobre racismo, seja sobre estereótipos, seja sobre o pertencimento do povo preto na sociedade. Assuntos com temáticas delicadas, precisam ser tratadas de forma respeitosa, mas em outros casos, trazer uma leveza e ironia para o contexto é uma boa cartada até para o público assimilar melhor aquilo que está sendo criticado.
É claro que tudo isto, precisa ser feito da forma certa e é talvez o cuidado que falte ao filme “A Sociedade Americana dos Negros Mágicos” (The American Society of Magical Negroes, 2024), produzido pela Focus Features e distribuído pela Universal Pictures, ainda sem data de estreia nos cinemas brasileiros, conseguir se tornar uma comédia relevante e que realmente possa achar um ponto crítico naquilo que está querendo contar.
A trama tem uma premissa interessantíssima, ao brincar com estereotipo do “negro mágico”, conhecido como personagem que serve como ferramenta narrativa para ajudar o protagonista branco a sair de problemas, geralmente o ajudando a reconhecer seus próprios erros e o ensinando a ser uma pessoa melhor. Partindo deste ponto que acompanhamos o jovem artista plástico, Aren (Justice Smith), que possui estas “qualidades”, acaba sendo recrutado por um homem misterioso para integrar uma sociedade secreta de negros mágicos que tem como única função, fazer com que pessoas brancas se tornem pessoas melhores.

É claro que isto é um grande absurdo, mas você com certeza já viu diversos filmes que possuem pessoas negras com estas características, “Á Espera de Um Milagre”, “Ghost – Do Outro Lado da Vida” e “Mr Church (2020)”, são os exemplos mais conhecidos. É desta forma que o diretor e escritor estreante Kobi Libii tenta trazer um debate interessante sobre apagamento de pessoas pretas na sociedade em detrimento da culpa branca.
O filme começa muito bem, acho que os primeiros vinte minutos dão um tom sátiro correto que a obra precisa seguir, com uma atmosfera fantástica que lembra uma mistura ridícula de “Harry Potter” com “Aprendiz de Feiticeiro” onde embarcamos nesta sociedade secreta onde pessoas pretas com poderes mágicos vindos do coletivo são ensinadas a se portar para se aproximar e dar uma espécie de auxílio para que pessoas brancas trilhem um caminho certo reconhecendo seus próprios erros.
O roteiro é ainda mais ousado ao trazer toda uma história de que esse grupo existe a décadas trazendo referências, algumas conhecidas do público geral, outras apenas familiar aos norte-americanos, mas ainda assim com um humor na medida mostrando que aquilo não deve ser levado muito a sério.

É tudo muito interessante, com uma mitologia tão eloquente quando exagerada, a história realmente se mostrava curiosa e intrigante. Porém, o longa começa a sair um pouco dos eixos quando precisa colocar sua premissa em prática. Veja bem, após ser recrutado por Roger (David Alan Grier), Aren precisa resolver sua primeira missão e ajudar Jason (Drew Tarver) a reconhecer seus erros (sim, ele é racista), porém ao se apaixonar pela extrovertida Lizzie (An-Li Bogan), o artista fica num dilema sobre suas próprias atitudes.
O maior mérito de “A Sociedade Americana dos Negros Mágicos” é mostrar como existe um invisibilização de pessoas pretas numa sociedade que na maioria das vezes precisa estar confortável para aceitar o que é diferente, senão reage de uma forma agressiva, preconceituosa e violenta. O roteiro de Libii tenta colocar isso em pauta através de Aren, uma pessoa muito boa e condescendente que se vê obrigado a ser baba de um cara que só o enxerga como meio para seus fins.
A trama poderia se aprofundar neste ponto, enquanto explora mais da sociedade dos negros mágicos, porém, tudo vai desabando quando o diretor não consegue equilibrar o romance de Aren e Lizzie no cerne da história, ao mesmo tempo que trabalha com sua premissa. Desta forma, tudo é muito deixado de lado numa narrativa que pouco se desenvolve nos segundo e terceiro atos. Fica claro que existe uma crítica social pertinente e muitas vezes ficamos na espera de humor mais ácido que acaba não sobressaindo quando a paródia prefere o clichê romance tradicional que parece deslocado do contexto, do que realmente aprofundar na sua própria mitologia.

A produção é caprichada, a parte de fantasia é tão boa e tão bem inserida que senão fosse uma paródia, poderia facilmente ser um filme de aventura com outra temática. Os efeitos visuais são bons, a trilha sonora é tímida, mas dá um tom sobrenatural a premissa, o figurino e a ambientação principalmente nas cenas na sociedade dão um ar mágico intrigante que com certeza irá despertar a curiosidade do expectador.
O elenco é razoável, Justice Smith (Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes) é esforçado, suas caras e bocas funcionam bem em alguns momentos e seu monólogo no terceiro ato acaba sendo bom, mas falta um peso maior para torna-lo um personagem realmente interessante. O ator David Alan Grier (A Cor Púrpura [2023]) é ótimo na comédia, mas aqui soa contido demais, funcionando como a figura do mentor ensinando como ser bem sucedido no amansamento dos brancos. Aisha Hinds (A Descoberta Perfeita) e Rupert Friend (Asteroid City) infelizmente são desperdiçados.
Por tudo que foi comentado, é decepcionante constatar que “A Sociedade Americana dos Negros Mágicos” poderia ser um filme melhor, no geral soa bem irregular, e apesar de alguns momentos engraçados, suas críticas sociais acabam perdendo o peso exatamente porque falta um equilíbrio entre drama, romance e comédia. A narrativa começa bem e se perde muito da metade para o final, a mensagem crítica sobre apagamento de pessoas pretas em detrimento da culpa branca é importante, mas falta sutileza na execução, num longa que poderia ser facilmente uma das comédias pretas do ano, porém acaba sendo uma das mais fracas.

Gostou? Veja o trailer abaixo e se já conferiu o filme, diga o que achou nos comentários.


2 comentários sobre ““A Sociedade Americana dos Negros Mágicos” – Crítica”