“Champion” – 1° Temporada – Crítica

O sul de Londres ganha mais uma vez os holofotes em um drama cheio de conflitos familiares que mistura música, legado e poder nesta exagerada série com cara de melodrama sobre uma família preta talentosa e dividida.

Fonte: Netflix e BBC One

É legal ver a globalização dos streamings ao redor do mundo, ainda que precise de mais filtro e fiscalização dos governos locais para que produções de seus respectivos países sejam produzidas, existe um crescente investimento em mercados com públicos mais específicos. O público preto afrodescendente continua ganhando séries, animações e filmes nos catálogos e espaço para que suas histórias sejam contadas.

Os descendentes de imigrantes do sul de Londres, em sua maioria comunidades negras vindas da África e América Central, tiveram pouca representação no audiovisual, mas isso está mudando. Enquanto a série de filmes dirigida por Steve McQueen, “Small Axe”, trouxe drama de qualidade discutindo racismo e a luta dos imigrantes por um lar numa região instável, ano passado a excelente comédia romântica “Rye Lane – Um Amor Inesperado” lançada no Star Plus foi descrita como uma carta de amor ao sul de Londres, além de ser considerada um dos melhores filmes de 2023.

Agora a série drama com temática musical, “Champion” (2023), tenta conquistar o público explorando mais histórias nesta região da capital inglesa. Criado por Candice Carty-Williams para BBC One e distribuída internacionalmente pela Netflix que estreou a alguns dias no catálogo brasileiro, conta a história dos irmãos Vita (Déja J Bowens) e Bosco (Malcolm Kamulete) Champion, dois talentosos cantores que começam a despontar no cenário musical e acabam criando uma rivalidade que pode deixar ainda mais complicada a relação da família.

Fonte: Netflix e BBC One

Se você acha que a sinopse lembra um pouco o seriado “Empire” do canal Fox, então acertou em cheio. Assim como a família Lyon, aqui a família Champion tem um legado para manter. Bosco é o irmão famoso, um rapper popular que possui uma relação de interdependência com a irmã, que não só lhe dá suporte, como cuida dos seus assuntos pessoais, escreve a letra de suas músicas e o tira das maiores confusões sem nenhuma compensação em troca.

Assim como toda relação familiar, existe sempre um elemento tóxico de dependência que impede uma pessoa de brilhar mais que a outra sem causar atritos ou inveja. O ponto de ignição da série é exatamente este no piloto “Champions Vs Champions” (1×01) com Vita percebendo seu talento desperdiçado em prol do irmão, sem reconhecimento dos pais separados Beres (Ray Fearon) e Aria (Nadine Marshall), que veem Bosco como a figura principal da família.

O piloto é bem conduzido, a história é bem desenvolvida e os personagens a princípio parecem bem estabelecidos. Talvez o que incomode mesmo é um tom um pouco acima das atuações e alguns rompantes abruptos que acabam permeando inclusive nos episódios seguintes “The Clash” (1×02) e “Better Off On My Own” (1×03), que aceleram a trama, mas pecam muitas vezes no melodrama.

Fonte: Netflix e BBC One

Ainda assim, esta característica mais exagerada e impulsiva dos personagens, acaba atraindo bastante e faz “Champion” uma série magnética, que atrai pelos conflitos e também pelas performances musicais. O legal aqui é ver personagens pretos com personalidade, talento e problemas mundanos como qualquer outra família, além é claro de toda ancestralidade cultural desta região que é bastante explorada mostrando um outro lado dos britânicos desta geração de filhos de imigrantes estabelecida no país.

Um dos pontos positivos é a forma como a trama traz personagens muito reais que acabam sendo uma via de mão dupla para os expectadores. Enquanto vemos a rivalidade de irmãos, presenciamos o quão abusivos são os pais, numa relação que parece só piorar à medida que a narrativa vai acontecendo. Junte isso a irmã namorando o melhor amigo do irmão, pai com um segredo extraconjugal, melhor amiga passando a perna para poder ser cantora, irmão problemático achando que o mundo gira em torno de si, temos um verdadeiro caldeirão de emoções.

O melhor do texto de Candice Carty-Williams e seus roteiristas é não aliviar o quão longe esses personagens podem ir para se dar bem, sem falar que egoísmo e a inveja são temas recorrentes numa narrativa que fala sobre a ascensão de Vita como estrela e a queda de Bosco como cantor. É neste contraponto que o seriado cresce entregando ótimos episódios como “It’s Big Rusty” (1×04) e “Moist Yute” (1×07), recheado de ganchos e reviravoltas.

Fonte: Netflix e BBC One

É claro que nem tudo funciona, pois alguns conflitos acabam se repetindo, alguns personagens mudam da água para o vinho e enfraquece muito quando deixa alguns desenvolvimentos de lado como podemos ver no episódio “I Love Her Man” (1×05). Mesmo com essas ressalvas, “Champion” é um seriado que é pura negritude, que explora estilos e usa a música como fio condutor para trazer o pop e o rap para o centro da trama.

Através disso o seriado cresce muito, conseguindo inclusive mostrar o quão talentosos são Déja J. Bowens no papel de Vita, Malcolm Kamulete no papel de Bosco e Ray BLK no papel de Honey, vozes marcantes com Bowens e BLK atingindo notas altas com baladas pop viciantes em suas canções, em contraponto com o rap raiz de Kamulete no palco e nas batalhas de musicais ao longo da temporada.

A série consegue trazer ainda mais cultura preta raiz ao explorar a origem central americana da família Champion, com o episódio “Dat Is It” (1×06) que se passa na Jamaica e consegue mostrar através de várias perspectivas como ainda famílias tradicionais pretas se pautam por um conversadoríssimo governado por um patriarcado que acaba sufocando bastante a liberdade e o futuro das mulheres no ceio familiar, isto fica evidente com a revelação do passado de Beres Champion revelando um ciclo de masculinidade tóxica e permissividade.

Fonte: Netflix e BBC One

De uma forma geral, “Champion” ou “Campeão” na tradução literal, é um seriado interessante, que tem muitos atrativos em termos narrativos e trama de personagens. Por mais que não seja livre de falhas e as atuações as vezes pareçam acima do tom, o seriado ainda vale a pena não só pelo drama familiar, mas pelo seu lado musical mostrando a ascensão de uma promissora jovem negra, com uma voz angelical capaz de encantar.

Com uma trama que fala sobre sonhos, independência e achar sua própria voz, além de uma boa exaltação do feminismo preto exemplificado no ótimo último episódio “Rise of the Phoenix” (1×08), temos aqui uma narrativa que envolve do começo ao fim mostrando que as narrativas focadas na região sul de Londres trazem a autenticidade inglesa e também a força das comunidades negras contadas através de histórias poderosas cheias de drama e conflitos, que deixa um gostinho de quero mais numa trama que tem muito para render ainda.  

Gostou? Veja o trailer abaixo e comente o que achou da temporada.

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