Os ares da mudança! Shonda Rhimes traz o seu melhor para minissérie que conta a história da Rainha Charlotte, numa trama que enriquece ainda mais o universo de Bridgerton e mostra como a representatividade dentro do seio da monarquia mudou a visão de uma sociedade.
Spoilers Leves da Minissérie Abaixo.

Amor é persistência!
Quando as duas primeiras temporadas de Bridgerton estrearam e se tornaram um fenômeno de audiência para Netflix, conseguindo trazer de volta os romances a moda antiga se baseando nos aclamados livros best sellers de Julia Quinn, o grande destaque foi a mudança de tom que o criador da série Chris Van Dusen e a produtora Shonda Rhimes trouxeram ao inserir diversidade racial neste universo que revelou uma sociedade organicamente mais homogenia e acessível.
Após a ótima aceitação da série que mesmo com mudanças nos personagens, conseguiu conquistar o público e abriu a possibilidade para ser ainda mais explorada em todas as suas vertentes em produções futuras. Acredito que foi assim que surgiu a ideia da minissérie “Queen Charlotte: Uma História Bridgerton” (Queen Charlotte: A Bridgerton Story, 2023), criada e escrita pela própria Shonda Rhimes (Grey’s Anatomy, Scandal, How To Get Away With Murder), a trama focada numa era bem antes do romance entre Daphne e Simon acontecer, contando da história da jovem rainha Charlotte (India Amarteifio) e seu romance com o jovem rei George (Corey Mylchreest).
É desta forma que embarcamos novamente no mundo de Bridgerton que mostra que tem muito mais a oferecer misturando romance, monarquia e política, bem como este passado não muito distante impactou a vida das três mulheres mais influentes da sociedade britânica no universo da série, Rainha Charlotte (Golda Rosheuvel), Lady Agatha Danbury (Adjoa Andoh) e Lady Violet Ledger Bridgerton (Ruth Gemmell).

A série se divide em duas linhas narrativas, uma no passado com a Jovem Charlotte sendo entregue para se casar com Rei, e no presente com a sua versão mais velha passando por uma crise sem precedentes com os filhos que ainda não lhe deram netos para assegurar a linha real. Em uma mistura de ficção e realidade (a história de Charlotte e George foi uma das mais intrigantes da história da Inglaterra), Shonda Rhimes consegue não só estabelecer uma sociedade a beira da mudança, como também mostra como esta mudança passou a aceitar pessoas negras no seio da monarquia.
Tudo que você precisa saber sobre “Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton” é que tudo é feito nos mínimos detalhes e de uma forma bem desenvolvida, para não dizer cuidadosa. Sentimos tudo isso no piloto “Queen To Be” (1×01), é nele que vemos o primeiro encontro de Charlotte e George as vésperas de seu casamento que impactou toda a sociedade da época e deu início ao “Grande Experimento” na alta cúpula britânica.
Infelizmente em sua maioria unânime, monarquias são racistas, isso ficou muito evidente ao longo da história principalmente no continente europeu. Não há espaço para uma descendência não branca ou relacionamentos birraciais nestas sociedades e mesmo que atualmente as que ainda existem tenham transformado parcialmente sua visão, ainda vemos evidência que no seio real ainda existe preconceito contra estes tipos de relacionamento, vide o casamento recente do príncipe Henry e Meghan Markle, que após casos de preconceito, levou ao rompimento da relação do jovem príncipe com a família real britânica.

É explorando esta visão que o tal “Grande Experimento” citado em diversos momentos pela princesa Augusta (Michelle Fairley) mãe do rei, vira um movimento de exceção na sociedade pré Bridgerton, tudo isso por conta da birracialidade da jovem Charlotte, afinal seria complicado para alta sociedade inglesa aceitar uma jovem negra de origem alemã ser coroada rainha da Inglaterra. Foi desta forma que vários aristocratas negros da época foram nomeados lordes incluindo o Lorde Danbury, levando a jovem Agatha Danbury (Arsema Thomas) a ser tornar lady.
Ao construir sua história, Shonda coloca o romance como foco principal, mas ao mesmo tempo pavimenta toda a mudança cultural no pano de fundo num movimento extremamente calculado ao mesmo tempo que não abre mão das críticas ao sistema monárquico e como este se torna uma prisão para reis e rainhas. É claro que o preconceito ainda está lá escancarado, ainda que fique nas entrelinhas em alguns momentos, consegue abrir boas discussões sociais sobre como a sociedade seria diferente se os entraves étnicos não fossem um impedimento para mudança de mentalidade de uma nação.
Com um piloto bastante rico, a minissérie composta por seis episódios consegue costurar e desenvolver bem seus personagens através de diálogos muito bem escritos, trabalhando de uma forma bem lúcida o peso que Charlotte carrega ao assumir o posto de rainha e abraçar um amor complexo com um relacionamento de altos e baixos com o rei George que esconde uma doença que pode colocar o futuro do casal em risco.

Os episódios “Honeymoon Bliss” (1×02) e “Even Days” (1×03) exploram a vida conjugal de Charlotte e George, enquanto em paralelo mostra como é vida na sociedade para mulheres como Lady Danbury e a princesa Augusta, assim como apresenta a jovem Violet Ledger para o público, ao mesmo tempo que reforça os laços de amizades entre Charlotte, Violet e Lady Danbury no presente, que se passa algum tempo depois do final da segunda temporada de Bridgerton.
Em termos de técnicos, a minissérie continua apresentando muita pompa que vai desde o visual, com uma fotografia belíssima acentuando o glamour dos grandes palácios numa direção de arte e figurinos impecáveis, passando pela trilha sonora que volta a trazer sucessos atuais tocados de forma orquestral desta vez com músicas como “Halo” da Beyoncé e “Nobody Gets Me” da SZA, dentre outros hits, até a direção precisa de Tom Verica (Scandal) que dirige todos os episódios e consegue não só entender o roteiro desenvolvido por Shonda de forma milimétrica, como isto é refletido na tela tamanha sintonia da dupla que já vem trabalhando juntos a anos, sendo isto crucial para tornar crível o romance de Charlotte e George.
Inclusive o que faz de “Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton” uma série especial é como todo o aspecto do romance é desenvolvido, tudo é muito bem dirigido e bem escrito, mas acima tudo, as atuações valem cada momento investido na trama. É através da química explosiva entre a jovem India Amarteifio (Sex Education) e Corey Mylchreest (Sandman) que a história funciona e nos faz torcer para que o casal acerte os pontos e fiquem juntos.

O mais interessante aqui é que são dois personagens complexos, enquanto para o personagem de Corey que interpreta um rei que sofre de uma severa doença é um desafio, não fica dúvidas que o ator consegue segurar bem suas cenas que exige fisicamente em cena uma grande entrega, revelando um personagem que precisa ser rei e marido, enquanto tenta manter sua sanidade, encontrando na rainha um amor e carinho que transforma sua vida. O ator mostra a que veio no excelente episódio “Holding the King” (1×04) que se passa pelo seu ponto de vista e possui uma carga dramática altíssima.
Por outro lado, temos India, uma esplendida atriz que traz complexidade para figura de Charlotte, uma rainha forte, que mostra receios, mas que entende que a vida não é o conto de fadas que ela esperava, principalmente quando descobre sobre a doença do marido. O mais bacana aqui é que a atriz não só se parece com a versão adulta da atriz que interpreta sua personagem no futuro, mas também captura seus trejeitos e fisicalidade, sobrando ainda espaço para criar algo só seu de uma personagem que em Bridgerton tinha seus momentos de antipatia, mas aqui ganha profundidade e camadas criando um elo de empatia imediato com público.
É dessa forma que a minissérie nos ganha, não só pela forma como desenvolve seu romance, o último episódio “Crown Jewels” (1×06) é deliciosamente bem conduzido neste quesito, mas por conseguir explorar vários aspectos de uma sociedade em evolução onde as mulheres se consolidam como centro da história reforçando uma das maiores qualidades de Shonda como contadora de histórias, a capacidade de mostrar a independência feminina de uma forma exemplar conseguindo transcrever suas vulnerabilidades, desejos físicos e emocionais, bem como suas vontades dentro de uma sociedade patriarcal que exige deveres e obediências das mesmas, mas que aqui passam a enxerga-las de forma mais altruísta, libertadora e dona de seus próprios destinos representada pelas figuras de Charlotte, Agatha Danbury e Violet como fica claro no ótimo episódio “Gardens In Bloom” (1×05).

De uma forma geral, “Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton” é um espetáculo, daqueles produtos que valem a pena ver e rever, não só pelo romance tradicional (Charlotte e George) e não tradicional (representado de forma delicada e sensível por Brimsley e Reynolds), não só pela pompa, mas por ser uma ótima história, com ótimos personagens, que não só enriquece o universo de Bridgerton, mas oferece camadas, mostrando que Charlotte representava a quebra dos parâmetros da sociedade por ser uma mulher preta fazendo parte da sociedade real inglesa, abrindo caminho para outras mulheres negras na sociedade representado pela Lady Danbury.
A minissérie ainda tem tempo de mostrar mulheres a frente de seu tempo representado pela jovem Violet, que sim merecia ser mais explorada, mas nada que uma minissérie “Violet: Uma História Bridgerton” não resolva no futuro, mas aqui quem brilha mesmo é a rainha Charlotte, uma personagem complexa, que abdicou de vários aspectos da vida para viver um romance e exercer sua função como rainha. Interpretada de forma exemplar por India Amarteifio no passado e Golda Rosheda no presente, Shonda conseguiu construir uma das personagens mais ricas e mais complexas que já vimos neste universo até então, numa trama que é visualmente linda, emocionalmente melancólica e arrebatadora em muitos aspectos, mostrando que sim, amor é persistência, como também é um sentimento eterno e atemporal.

“Escrito pelas mãos de Shonda Rhimes em um de seus melhores trabalhos até então, “Rainha Charlotte: Uma História Brigderton” excede expectativas e entrega tudo aquilo que se espera de um bom romance, indo além do seu lugar comum, conseguindo mostrar a transformação de uma sociedade que precisa se adaptar a figura de uma rainha negra assumindo o trono. Com belos diálogos e uma sensibilidade narrativa poucas vezes vista, esta minissérie é uma das melhores do ano até o momento.”
– Certificado Excelência Negra
Gostou? Veja o trailer baixo e comente se já assistiu a minissérie.



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