^{Uma comédia que se transforma em um drama de cunho social levantando questões raciais importantes tem um terceiro ato surpreendente e um soco no estômago.}

Filmes com pauta social as vezes são polêmicos, não só por expor um problema sistêmico da nossa sociedade, mas por tirar o expectador da zona de conforto e fazer refletir sobre preconceitos e outras questões sociais que as vezes não ganham devida atenção. Nesta vibe, filmes de comédia e drama com protagonistas negros, normalmente trazem esse tipo de questão, alguns de forma sutil, outros de forma bem direta, tornando o entretenimento também algo sério que faz despertar nosso senso crítico.

Digo isso para falar do novo filme da Amazon Prime, o drama “Emergência” (Emergency, 2022), que conta a história de Sean (RJ Cyler) e Kunle (Donald Elise Watkins), dois estudantes universitários que estão organizando uma noite lendária na faculdade, mas após encontrar uma garota (Maddie Nichols) inconsciente na casa em que vivem com amigo Carlos (Sebastian Chacon), precisam pesar os prós e contra de chamar a polícia para reportar o ocorrido.

O longa dirigido por Carey Williams (R#J) pega uma situação aparentemente simples e traz uma complexidade interessante que nos faz pensar como agiríamos nesta situação. A narrativa mostra que Kunle é um aluno brilhante que acabou de ser aceito em Princeton, enquanto o amigo Sean é daqueles estudantes que estão na universidade para curti a vida, dois amigos com personalidade opostas que acabam por cair numa incógnita a ver a garota Emma vomitando no chão da casa deles.

A roteirista de K.D. Dávila (Salvation) pega a premissa de comédias de curtição besteirol e transforma num robusto drama social onde as consequências são diferentes quando a etnia esta envolvido na situação. Exemplo, se Sean e Kunle fossem brancos, a ideia de chamar a polícia seria naturalmente fácil de resolver, mas como ele são negros e a garota é branca, num EUA que ainda é bastante racista e onde a violência policial contra negros é altíssima principalmente em casos banais, faz com que esses dois personagens pensem duas vezes antes de reportar uma simples ocorrência.

O primeiro ato apresenta um clima leve, mas sempre mostrando que a questão social para sempre pesa para pessoas negras em ambientes universitários, seja na forma de se portar, ou reagir a uma simples discussão sobre uma palavra racista numa aula. Williams dita o tom da trama trazendo humor, que vai se transformando à medida que os personagens vão piorando a sua própria situação ao tentar resolver o problema da garota inconsciente em um drama com ecos de suspense que nos deixa com uma leve sensação de algo ruim pode acontecer.

A ideia de trazer a subtrama da personagem Maddie (Sabrina Carpenter) e dois conhecidos procurando pela irmã Emma, traz um escopo ainda mais caótico e faz parecer que o filme é mais sombrio do que deveria ser. As peripécias de Sean, Kunle e Carlos durante essa noite estranha, traz vários aprofundamentos sobre amizade, confiança, insegurança, além de assuntos pertinentes como violência policial, negligência universitária e trauma racial.

A verdade é que “Emergência” é um filme escancara um assunto que ainda é tratado de uma forma normalizada, mas que deveria ser mais difundido e discutido num EUA que ainda mata muitas vidas negras de forma banal e até mesmo gratuitas. Isso ocorre de uma forma sistêmica e caótica também aqui no Brasil, principalmente nas favelas onde a truculência policial é maior e faz com que os cidadãos pretos dessas comunidades pensem duas vezes antes de denunciar algum tipo de ocorrência nesses locais.

Em termos de produção, o longa mostra que segue um clima claramente de produção independente, mas que possui uma boa direção do já citado Carey Williams, uma boa trilha sonora, além de um roteiro enxuto que surpreende a cada nova cena. Em relação ao elenco que é muito bom por sinal, gosto muito da atuação de RJ Cyler (Vingança & Castigo) no papel de Sean, um garoto que saiu do gueto e que sabe as consequências de fazer uma simples denúncia a polícia, Cyler é ótimo numa atuação bastante consistente que revela um personagem que compreende que as regras da sociedade para pessoas como ele, mesmo na hora de fazer o que é certo.

O ator Donald Elise Watkins (The Underground Railroad) também surpreende ao trazer uma visão interessante de uma pessoa negra que tem seus privilégios, mas que não entende o peso de fazer uma simples ligação a polícia para denunciar um caso que ele julgava ser um caso fácil de resolver, outro ponto interessante é que Watkins tem uma química excelente com Cyler, tornando essa dupla, bastante interessante de acompanhar. Sebastian Chacon (Penny Dreadful: City of Angels) no papel de Carlos e a cantora atriz Sabrina Capenter (Dançarina Imperfeita) completam um bom elenco jovem.

No final das contas, “Emergência” é um ótimo filme, que pega uma trama aparentemente simples, mas que nas mãos do diretor Carey Williams transforma em um thriller social que expõe um problema sistêmico que nos faz questionar e pensar que nossa sociedade precisa melhorar o tratamento social que claramente é diferente para negros, brancos, latinos e outras etnias sociais, causando uma segregação invisível que apenas emerge de forma traumática em casos em que poderia ser simplesmente evitado.

A história desses três amigos se torna uma montanha russa que prende o expectador do início ao fim tornando este longa uma das obras mais instigantes e interessantes do ano, mesmo que o marketing da Amazon Prime falhe na divulgação, minha recomendação é que você assista esta obra que no final das contas surpreende por não seguir caminhos fáceis e agrada por trazer um protagonismo negro forte numa temática bastante pertinente.

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