“Summer of Soul (…Ou Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada)” – Crítica

Magistral! Com um trabalho edição incrível, este documentário não é só um excelente registro histórico, mas uma celebração de um evento cultural que é um verdadeiro tributo a negritude nos EUA.

1 Indicação ao Oscar 2022
Vencedor do Oscar
Melhor Documentário Longa Metragem
Fonte: Searchlight Pictures

Estamos vivendo um momento muito bom em relação a documentários em formato de longa-metragem, partindo de temáticas interessantes e surpreendentes estamos sendo agraciados com histórias reais, algumas emocionantes, outras assustadoras e outras impactantes. Dos cinco indicados ao Oscars na categoria de documentários, um candidato me tocou profundamente pelo peso cultural que a narrativa retratada carrega na bagagem.

Estou falando do documentário “Summer of Soul (…Ou Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada)” (Summer of Soul….When The Revolution Could Not Be Televised, 2021), dirigido pelo compositor e produtor musical Ahmir Khalib Thompson conhecido artisticamente como Questlove, esta obra é uma verdadeira arte documental que traz imagens inéditas de um popular e lendário Festival Cultural que aconteceu no Harlem em Nova York no ano de 1969, que celebrou a música e a cultura afro-americana num verdadeiro fenômeno que promoveu orgulho e união do povo negro nos EUA.

Este documentário da Searchlight Pictures que pode ser assistido no Globoplay é basicamente uma mistura de imagens e vídeos de época do evento intercalada por depoimentos de quem esteve lá seja como público ou como parte do show em um dia memorável marcado pela participação de vários artistas importantes da cultura negra e latina, num caldeirão de gêneros que trouxe momentos incríveis que praticamente nunca foram relatados por ter acontecido no mesmo período que se deu o mundialmente famoso festival de Woodstock. Esta obra é um resgaste bastante importante da história da comunidade negra norte americana que foi praticamente apagada e que agora ganha oportunidade de ser conhecida.

Fonte: Searchlight Pictures

A narrativa basicamente transmite o festival de música quase na íntegra durante um período de quase duas horas de duração, mas é fato que “Summer of Soul” se torna algo especial devido a direção inteligente de Questlove (Soul) e a edição esperta de Joshua L. Pearson (O Que Aconteceu com Nina Simone?) que conseguem transformar essa jornada musical e cultural em algo simplesmente incrível, intercalando as lendas se apresentando no evento, com os acontecimentos mais importantes daquele período, transformando o documentário em arquivo histórico de uma riqueza imensurável com menção a luta pelos direitos civis dos negros que acontecia na época, passando pela morte de Martin Luther King, a chegada do homem na lua, dentre outros fatos marcantes.

E se você é fã de Jazz, Blues, Soul, R&B, música latina, caribenha e gospel, então este documentário é um prato cheio para quem ama música boa acima de tudo. O mais interessante aqui é a exaltação do orgulho negro em sua máxima. Eu já escrevi sobre muitas produções aqui no blog que falavam do orgulho de ser negro, mas este filme é um dos que transcendem a forma como mostra a negritude em seu momento de êxtase.

O mais impactante em relação a “Summer of Soul” é a forma como o documentário consegue evidenciar como o festival foi fundamental para disseminação da história do povo preto norte americano, não só para mostrar um orgulho da cor, como também servir como afirmação da própria identidade, seja através da música, da forma de se vestir, da malemolência que os negros trazem consigo e no estilo visual com vários “black powers” e cabelos cheios característicos da década de 70.  

Fonte: Searchlight Pictures

O Festival Cultural do Harlem foi um marco, reunindo os melhores artistas negros daquela geração num lugar sagrado na periferia de Nova York reunindo um mar de pessoas que chegou ao número de 300 mil pessoas durante seis concertos que reuniram artistas lendários do calibre de Nina Simone, B.B. King, Mahalia Jackson, The Staples Singers, Gladys Knight and the Pips, The Chambers Brothers, The 5th Dimension, Blinky Williams, Sly and The Family Stone e é claro, Stevie Wonder.

A mistura, a diversidade e a forma como vários estilos musicais faziam do Festival algo único que abraça todas as cores, etnias e crenças, a narrativa vai além, ao conseguir criar paralelo entre esses artistas, a sociedade negra americana dos anos 70, conseguindo assim inserir uma crítica social inteligente intercalando também os acontecimentos da própria história norte americana, numa temática que fala sobre racismo, preconceito, luta de classe, abismo social, violência urbana, tudo isso característico da vivência do povo negro nos EUA, que encontrou no Festival, uma forma de expressar sua liberdade mesmo que ainda não tivessem consolidado seus direitos como cidadãos no país.

Mais uma vez é notório como os aspectos técnicos deixa o longa ainda mais rico, intercalado por uma direção meticulosa, uma fotografia restaurada com um tratamento que preserva ainda mais as gravações antigas captando a emoção e a efervescência do público e os sentimentos nos depoimentos conseguindo selecionar momentos e sequências musicais simplesmente de tirar o fôlego com artistas incríveis. Destaque aqui vai para Nina Simone e sua potência vocal cantando “Are You Ready?”, Sly and The Family Stone cantando de forma maravilhosa “Everyday People” e David Ruffin com a baladinha romântica atemporal “My Girl”, e olha que anda nem citei Stevie Wonder e B.B. King levantando o público com suas excelentes performances musicais.

Fonte: Searchlight Pictures

No geral, falar de “Summer of Soul” seria estragar a experiência, você precisa assistir e vivenciar cada momento do documentário que consegue equilibrar de forma magistral música com relatos históricos importantes, fazendo desta obra algo relevante e importante para história negra mundial, não só por trazer uma celebração da africanidade, mas também do orgulho preto, verbalizado aqui através da música, dos artistas e seu público. Com uma narração em off pontual advinda de relatos, este filme é extremamente bem conduzido e um achado histórico sem precedentes capaz de atiçar a nostalgia e a emoção de quem assiste, com uma direção precisa e uma edição magistral, este documentário é de longe uma das peças áudio visuais mais incríveis dos últimos anos.

Gostou? Veja o trailer abaixo. Se já assistiu ao documentário, comente o que achou.

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