Arrebatador, envolvente e maduro, este romance indie traz uma boa química entre seus protagonistas e nos leva questionar, até onde vai a linha entre amor e paixão?

A maioria dos filmes de romance tem uma estrutura parecida, casal se conhece, casal se apaixona, casal briga depois se reconcilia e vive feliz para sempre. O que diferencia um romance do outro é a forma como essa estrutura narrativa é contada e desenvolvida, quando há uma quebra dessa estrutura, normalmente resulta em filmes mais complexos e interessantes de acompanhar.
Digo tudo isso para falar do romance com toques de drama “Really Love” (2020) que estreou discretamente na Netflix e que navega nessa linha entre o romance tradicional, e o romance mais sóbrio que traz um desenvolvimento consistente de uma história de amor entre um pintor artístico em começo de carreira e uma futura advogada de direito civis. Como toda história de amor, tudo começa com um encontro casual, no caso de Isaiah Maxwell (Kofi Siriboe) e Stevie Solomon (Yootha Wong-Loi-Sing), dois encontros, o primeiro numa exposição de arte e o segundo ambos sendo apresentados pelo casal Nick (Tristan Mack Wilds) e Sicily (Naturi Naughton), o primeiro amigo de infância de Isaiah, a segunda prima de Stevie.
O longa dirigido pela estreante Angel Kristi Williams tem uma produção modesta, um filme independente que à primeira vista traz em sua essência muita personalidade com foco primário na ambientação dessa comunidade negra em Washington DC. O roteiro da também estreante Felicia Pride tenta criar um clima mais ameno, com diálogos mais contidos, focado mais nas ações e nos olhares criando uma conexão forte entre esse casal que vai se envolvendo tão intensamente onde tudo parece se encaixar como uma força do destino.

Uma vez mencionei ao falar do drama “A Fotografia” que romances com casais negros eram diferentes de romances interraciais, ou romances com pessoas brancas. Ainda que tenha alguns aspectos iguais, as questões raciais sempre serão um diferencial, porque é algo que impacta bastante pessoas pretas, neste ponto o roteiro apesar de não ser incisivo, mostra que estas questões estão presentes no dia-a-dia de Stevie e Isaiah, ela defendendo sua tese em relação ao impacto das moradias para pessoas negras e latinas na faculdade, ele querendo normalizar a presença e a beleza negra na sociedade através de sua arte.
Através desses pontos em comuns, cria-se um laço entre o casal que se transforma posteriormente em um namoro firme. A narrativa tem um ritmo bastante dinâmico, mas que toma cuidado para não atropelar tudo que está sendo construído no seu primeiro ato, onde vemos também como a vida de Isaiah é complicada, principalmente por sentir o peso de não ter um emprego fixo, além de se incomodar com a constante pressão em casa do pai que não vê na sua profissão um futuro promissor.
Em contrapartida, vemos que Stevie veio de uma posição de privilégios, com uma família melhor estruturada e com um status social mais seguro financeiramente que dá liberdade para ela morar sozinha enquanto termina sua tese na faculdade. A narrativa tenta colocar essas duas perspectivas em choque na segunda metade do filme, partindo do princípio onde a química e a entrega do casal já possui uma intensidade e está bem estabelecida, é onde as diferenças sociais começam a aparecer quando ambos precisam tomar decisões importantes em suas respectivas carreiras.
É neste ponto que “Really Love” se transforma em um filme mais maduro e complexo, onde o final feliz não é algo fácil de ser alcançado, onde vemos que os pontos em comuns acabam não sendo suficientes para solidificar um amor que começou de uma forma tão apaixonante e imersiva. Isto tudo acaba ficando ainda mais complicado quando Isaiah passa a morar com Stevie e precisa lidar com a família rica dela que o vê como um empecilho para que ela se torne uma grande advogada.

Confesso que vejo poucos defeitos no longa, as qualidades se sobressaem bastante não só pela direção meticulosa de Angel Kristi, que aqui consegue belas tomadas com um estilo de filmagem que consegue capturar a emoção dos personagens pela forma como reagem a determinadas situações, ou quando compartilham momentos mais íntimos, é bonito ver a beleza desse casal que combina muito e se entrega muito, tudo aqui é filmado de uma forma delicada e sensível alcançando uma naturalidade poucas vezes vista no gênero.
A cinematografia do filme é linda, tanto nas tomadas nas cenas da galeria de arte, onde vemos belas pinturas sendo mostradas em exposições, seja na parte externa onde vemos um lado mais suburbano tanto na parte de classe média, tanto na parte voltada para as comunidades mais periféricas numa Washington que se vê pouco em filmes, mas que aqui ganha vida tanto em momentos durante a luz do dia, quanto a noite.
A reta final de “Really Love” lida bastante com o casal enfrentando problemas no relacionamento que aponta futuros distintos para ambos que acaba por distancia-los. Mais uma vez devo citar que o filme prefere não seguir por caminhos previsíveis começando a questionar e a mostrar ao expectador que existe uma linha tênue entre romance e paixão, algo que começa a pesar tanto para Stevie quanto para Isaiah, a primeira pronta para um relacionamento mais duradouro, e o segundo querendo priorizar a carreira apesar de estar emocionalmente envolvido.

Neste ponto o filme não se desenvolveria bem se os atores não entregassem boas performances, a jovem Yootha Wong-Loi-Sing (Raio Negro) é uma doçura no papel de Stevie, uma mulher inteligente que se mostra segura sobre seu futuro, aqui a atriz consegue passar muita verdade principalmente nas cenas dramáticas. O fato de o longa ter poucos diálogos, acaba beneficiando a atuação de Kofi Siriboe (Viagem das Garotas) no papel de Isaiah, se ele tem presença de tela, as vezes lhe falta um melhor apelo dramático, como seu personagem é introspectivo, acaba não externando tanto suas emoções, o interessante que a diretora usa isso para que o pintor fale através de sua arte e por sorte, acaba funcionando.
No geral “Really Love”, é um romance bastante decente, talvez um dos mais interessante dos últimos anos, envolvente, com personalidade, bem dirigido e que acaba arrebatando o expectador pela química sólida de Yootha e Kofi, onde acabamos torcendo por esse belo casal negro terminar juntos apesar dos percalços e dificuldades que enfrentam ao longo de suas respectivas jornadas. O terceiro ato é inteligente em deixar as coisas para que o expectador monte seu próprio final deixando lacunas em aberto, mostrando que grandes romances são feitos de momentos e experiências, podem durar um período, ou podem ser eternos como as melhores histórias de amor.
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