Vibrante, colorido e espetacular. Este musical é uma das surpresas do ano colocando no centro muita representatividade ainda que se apoie em velhos estereótipos prá isto.

Musicais são janelas para o extravasamento humano, seja ele no teatro, tv ou cinema, são criados com intuito não só de trazer uma nova linguagem para obras audiovisuais, mas também de trazer um pouco de poesia, reflexão e lirismo em narrativas recheadas de cor, vida e normalmente atuações memoráveis de seus elencos. Os musicais mais recentes têm reunido essas qualidades se tornando marcantes, exemplo são: “O Rei do Show”, “Hamilton” (a versão filme) e “Rocketman” para citar alguns dos mais lembrados do momento, o mesmo podemos dizer também do novo musical dirigido por John M. Chu (Podres de Rico).
O longa “Em Um Bairro de Nova York” (In The Heights, 2021) é baseado na peça teatral da Broadway que tem as músicas e letras escritas por Lin-Manuel Miranda (Hamilton), que aqui serve também como produtor do filme que traz como ponto principal, a representatividade latina. Acontece que a narrativa com a história de Usnavi (Anthony Ramos), um jovem dono de uma mercearia em Nova York que tenta guardar cada centavo que ganha para se mudar para seu país de origem na República Dominicana e assim ter uma vida mais tranquila longe da agitação de uma grande cidade.
A narrativa não traz grandes novidades, mas atrai a atenção do expectador exatamente por focar nesses personagens que nos EUA são considerados minorias, mas que são praticamente a base de uma nação formada de imigrantes, quer eles queiram ou não. O roteiro de Quiara Alegría Hudes (Vivo: Um Amigo Show) é muito bem escrito, não só por conseguir fazer uma história simples soar vibrante, mas por conseguir dar voz a estas pessoas que vivem em Washington Heights trazendo um caldeirão cultural que vai direto na essência da aura latina.
E quando digo que o longa vai fundo na latinidade isso fica bem claro no número musical de abertura “In The Heights”, aqui a narrativa já dá o tom da história, com uma vibe meio lúdica, mas vibrante, colorido com uma tonalidade solar e pronto para abraçar um enredo focado em sonhos e esperança. O primeiro ato nos apresenta os vários rostos deste bairro de NY e aos poucos vamos percebendo suas ambições, sonhos e vontades.

Enquanto Usnavi funciona como o cerne da história, tramas paralelas vão ganhando seu espaço como Nina Rosário (Leslie Grace) em busca do sonho de encontrar seu próprio caminho e não o caminho traçado pelo seu pai Kevin Rosario (Jimmy Smits) que quer vê-la formada em uma grande universidade dos EUA, ou de Vanessa (Melissa Barrera) e seu sonho de ser estilista, além de servir como interesse romântico para o protagonista, ainda temos figuras como Benny (Corey Hawkins), Sonny (Gregory Diaz IV) e Abuela Claudia (Olga Merediz) que ainda estão em busca de seus próprios sonhos.
Ao meu ver “Em Um Lugar de Nova York” tem duas formas de ser enxergado, primeiro como um grande musical, cheio de vida, cheio de cantoria, números musicais vibrantes e uma energia incrível que você vê poucas vezes em tela, aliás, Hamilton é o único musical recente que trouxe o mesmo nível de empolgação a minha pessoa, coincidentemente ambos têm a mão de Lin Manuel-Miranda nos bastidores. E este musical em especial consegue fazer números sensacionais e inesquecíveis, destaque para a sequência incrível num clube do bairro, uma sequência na vila, a bela sequência com Abuela Claudia em um dos momentos mais emblemáticos do filme e outra lindíssima protagonizada de uma forma bem romântica por Benny e Nina que dançam na sacada de um edifício.
Por outro lado, temos um filme que acaba por exagerar nos estereótipos latinos colocando todos os países de língua espanhola em uma mesma caixinha, com personagens que parecem surreais e acabam por emular a mesma personalidade e isso acaba por incomodar um pouco. Não vou entrar muito na parte polêmica do colorismo, mas fica claro que falta sim mais afro latinos retintos com papéis significativos na obra, afinal por representar personagens da República Dominicana que possui mais negros de pele escura, o longa acaba por deixar um pouco dessa representatividade a desejar.

É claro que se pode relevar certos exageros por conta do longa ser um musical, mas é fato que Hollywood tende a olhar para América Latina como uma coisa só, mas são muitos países diferentes, com pessoas diferentes e culturas diferentes, é importante que isso esteja bem claro na tela para quem não tem muita familiaridade. Tirando esta ressalva, não há como não apreciar o filme e todos seus méritos, se as vezes falta cuidado no que eu mencionei, não falta nada no desenvolvimento e na voz que os personagens latinos ganham na narrativa.
Todas as questões culturais e sociais, todas expectativas de uma vida melhor e pertencimento que a narrativa traz é muito bem trabalhada, o roteiro também não esquece dos empecilhos que cada imigrante e descendente de imigrante sofre para se tornar cidadão nos EUA, para alugar um imóvel, para ter estudo de qualidade, para realmente ter os direitos de uma pessoa norte americana, aqui a trama é sutil, mas coloca todas essas questões em discussão, mas sem perder a alegria ou pesar muito no drama de forma empacar a trama.
O elenco é outro ponto positivo, talvez falte para Anthony Ramos (Hamilton) um pouco de carisma dramático, mas na questão da voz o ator cantor manda muito bem e suas cenas musicais são ótimas. Gosto de Melissa Barrera (Ela Dança, Eu Danço 2) no papel de Vanessa, mulher independente que não esmorece na tentativa de realizar seu sonho, outro destaque vai para o casal secundário da trama Corey Hawkins (Straight Outta Compton) e Leslie Grace no papel de Benny e Nina, em alguns momentos até ofuscando o casal protagonista, os atores entregam na dramaticidade, no romantismo e também na cantoria.

O último grande destaque da obra e talvez um dos mais potentes seja de Olga Merediz (Godmothered) no papel da doce e meiga Abuela Claudia, citei que um dos momentos mais emblemáticos da obra é protagonizado por ela, em “Paciencia Y Fe” vemos uma mulher que lutou para chegar nos EUA, trabalhou incessantemente e conseguiu durante sua trajetória um lugar para sua família se estabelecer. Merediz é incrível e atua de forma espetacular numa sequência musical linda, emotiva e vibrante que dificilmente a deixará de fora da corrida das premiações que começam final do ano.
No aspecto técnico o filme é impecável, mas o maior elogio aqui vai para amadurecimento da direção de John M. Chu no seu melhor trabalho até o momento, aqui mostrando total controle do espetáculo, arriscando tomadas ousadas e privilegiando os complexos números musicais, além dos momentos mais dramáticos. A fotografia é outro ponto positivo, com uma atmosfera que privilegia a cor e o sol, além da arquitetura latina de Washington Heights. As músicas são o ponto alto, muito bem escritas e cantadas, mostrando a genialidade de Lin Manuel-Miranda em criar grandes musicais e canções que ficam na mente.
No geral, “Em Um Lugar de Nova York” é um grande musical, talvez não seja algo que atraia uma massa, mas com certeza é um deleite para os fãs do gênero e se você der uma chance de assistir, pode ser uma grata surpresa mesmo que musicais não sejam sua praia. Utilizando de muita criatividade nos números musicais, amparados por uma direção impecável e músicas viciantes, o filme é com certeza uma das grandes surpresas do ano. Ainda que tenha algumas ressalvas, não há dúvidas que no geral a representatividade, a fervura e a alegria latina são sentidas em cada segundo de projeção, mostrando que essas pessoas merecem ser ouvidas, merecem ser respeitadas e principalmente, merecem realizar seus sonhos.

Elo Preto
Personagem: Benny
Ator: Corey Hawkins
Idade: 32 anos
O destaque da coluna de hoje é Corey Hawkins, ator norte americano nascido em Washington DC, chama atenção através de Benny, filho de imigrantes, o personagem almeja estabelecer seu lugar em Washington Heights e realizar seus sonhos ao lado da bela Nina. Corey empresta seu carisma, sua voz e sua presença de tela para um personagem que em certos momentos se mostra até mais carismático que o próprio protagonista. Hawkins é um dos atores negros da nova geração que anda ganhando bons papéis, ficou conhecido por protagonizar o longa “Straight Outta Compton” em 2015, foi protagonista do spin off da série de Jack Bauer em “24: O Legado” e foi visto recentemente nos longas “Kong: A Ilha da Caveira” e “Esquadrão 6” do Michael Bay.
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