O quarto filme da série Small Axe traz um lado mais reflexivo e explora um pouco da solidão negra em uma narrativa que traz um personagem complexo e fascinante.

Em qualquer franquia, é quase impossível manter o ritmo de uma obra para outra sem perder um pouco de qualidade, ou sem que as ideias fiquem escassas em algum momento, mas a verdade e que quando um cineasta tem uma visão definida do que quer contar, tudo fica mais fácil e as histórias em sequência sempre mantém-se linear na maior parte do tempo, este é o caso de Steve McQueen (12 Anos de Escravidão).
Aqui o diretor entra em sua quarta obra da antologia “Small Axe” e parece não perder fôlego algum, mesmo que “Alex Wheatle” (Small Axe: Alex Wheatle, 2020) possa parecer o menos ambicioso dos longas da série até agora, mas não menos importante e não menos intenso ao explorar um outro lado da negritude que costuma ocorrer bastante com pessoas pretas, a solidão.
O longa é baseado em eventos reais e conta a história de Alex Wheatle, um britânico novelista negro que foi sentenciado a prisão após participar dos protestos de Brixton em 1981, protestos estes que levaram a comunidade afro-caribenha do sul de Londres a mostrar suas indignações em relação ao governo devido aos crescentes problemas sociais e econômicos enfrentados por eles em uma região assolada pelo desemprego, falta de moradia e precariedade.
A narrativa escrita por Steve McQueen e co-escrito por Alaistair Siddons(Tomb Raider: A Origem) traz análises importantes e bastante interessantes já estabelecida nos filmes anteriores e que aqui ganham mais camada ao focar no personagem de Wheatle. Um escritor amante de música, com várias ambições, porém bastante introvertido e com dificuldade de se encaixar na sua própria comunidade.

Aqui o roteiro explora de forma bastante imersiva um problema que é constante em quem é negro, a solidão. Ainda que esta vertente seja mais intensa em mulheres pretas, vemos aqui que isto também é algo frequente em homens negros também, Alex é um exemplo disso, ainda mais quando testemunhamos seus momentos de sofrimento, frustração e medo na prisão, onde sofre com o racismo brutal atrás das grades que acabam por afetá-lo. Desta forma enquanto testemunhamos seus primeiros dias na prisão, o filme nos leva de volta ao passado para entendermos melhor sobre quem foi esse autor e como chegou naquele ponto.
Neste longa em particular, sobra personalidade para McQueen dirigir uma narrativa que tem um certo charme e humor, não só pela ambientação e estilo que os personagens negros na época do black power em alta e músicas vibrantes que aliás, dão um tom bastante autêntico a narrativa que ganha mais pontos por ter uma trilha sonora incrível recheada de clássicos e canções excelentes que ajudam também a moldar a personalidade de Alex Wheatle.
Talvez o filme seja apenas brevemente desenvolvido, dando a entender que a história de Alex é ainda maior e mais significativa do que é mostrada aqui, mas ao meu ver o longa ainda é auto suficiente para entendemos as motivações do protagonista e suas ambições de ser um grande escritor, ainda que tenha dificuldade de ir a um simples jantar na casa de um conhecido. O racismo está presente na narrativa e aqui ele é sentido de uma forma internalizada e profunda pelo protagonista, deixando marcas que talvez sejam difíceis de cicatrizar.

A violência e a truculência policial também voltam ao contexto para evidenciar como a segurança pública londrina é usada repressivamente para conter a onda de protestos das comunidades negras do sul de Londres na luta de melhores condições. Aqui vemos uma história que mostra o quanto é difícil para estas comunidades progredirem quando o sistema público não dá suporte e as coloca a margem da sociedade onde precisam lutar contra a pobreza, a fome e crescente miséria enquanto tentam sustentar seus lares.
Tudo isso é percebido pelo protagonista que no meio disso tudo tenta achar seu próprio caminho e inspiração em uma sociedade que parece não o abraçar, mas que depois se torna tudo aquilo que ele precisava como motivação para viver e lutar, assim como a música havia se tornado seu refúgio inicialmente. Isso tudo só funciona, pois o ator Sheyi Cole em seu primeiro trabalho de destaque consegue trazer personalidade e carisma para um personagem complexo que luta contra um sistema preconceituoso e excludente com as armas que tem e tenta não só lutar pela sua comunidade como também tenta a todo momento perseguir seus sonhos.
De uma forma geral, “Alex Wheatle” gera uma boa reflexão sobre como as regiões periféricas são afetadas quando o governo não dá suporte ou enxerga essas pessoas como cidadãos, as tratando como criminosos quando tentam lutar pelos seus direitos, foi baseado no racismo e neste tipo de visão que Alex foi preso e sofreu horrores na prisão e ainda assim encontrou forças para superar todos esses entraves mesmo que isso deixe marcas posteriormente. O longa pode até não ser o melhor de Small Axe, mas com certeza tem personalidade o suficiente para prender a atenção do expectador, não só pela atuação bastante sólida de seu protagonista, mas também graças a uma trilha sonora estupenda que consegue capturar a essência da comunidade de imigrantes onde Alex vive dando ainda mais emoção a um filme que merece ser descoberto pelos cinéfilos de plantão.
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