Com uma primeira temporada impecável, esta aventura com toques de fantasia é uma das gratas surpresas do ano e se apoia na esperança e nas relações humanas para entregar uma história cativante.

Criar uma história e um universo demanda tempo e cuidado, criar uma boa história até pode parecer fácil, mas desenvolvê-la é o grande desafio daqueles que as concebem. No mundo das séries, o desafio para os roteiristas é conseguir desenvolver sua narrativa de forma sustentá-la e mantê-la instigante para o público durante toda a sua temporada, isso as vezes acontece de forma bastante consistente e as vezes não, tudo isso dependerá da criatividade dos envolvidos e da riqueza da premissa da trama.
Visando o que foi dito, temos aqui o bom exemplo de que histórias mais simples, porém bem contadas, conquistam rápido o interesse do público e este é o caso da série “Sweet Tooth”, nova superprodução da Netflix que estreou no dia 4 de junho. Baseada nos aclamados quadrinhos de Jeff Lemire da DC Comics, a série conta a história de Gus (Christian Convery), um garoto meio humano e meio cervo que tenta sobreviver em um mundo pós apocalíptico assolado por um vírus mortal, ao mesmo tempo em que a sociedade tenta lidar com o surgimento de seres como ele, híbridos.
A primeira temporada da série criada por Jim Mickle (Stake Land – Anoitecer Violento) e produzida pelo casal Robert Downey Jr. (Vingadores: Ultimato) e Susan Downey (Dr. Dolittle 2020), contém oito episódios e o mais notório nela é sua capacidade de fisgar nossa atenção de imediato já no piloto. O primeiro episódio “Out of the Deep Woods” (1×01) mostra uma narrativa bastante rica em um universo em formação ao focar na queda da civilização humana como conhecemos com o caos instalado por conta de um vírus denominado “flagelo” que está matando humanos em todos os lugares.
Ao mesmo tempo surge um fenômeno dos híbridos, crianças meio humanas, meio animais como fica claro na forma como narrador (James Brolin) observador narra os eventos e situa o expectador sobre o que está acontecendo. Logo vemos o personagem Pubba (Will Forte) levando uma criança híbrida para ser criada no interior da floresta e longe da bagunça generalizada que tomava conta do resto do mundo. A narrativa então foca na relação pai e filho de Pubba e Gus, aqui o roteiro escrito por Jim Mickle torna essa história central, mas ela é intercalada com outras subtramas que serão importantes para o desenvolvimento da trama ao longo da temporada.

A forma como “Sweet Tooth” se estabelece como fantasia salpicada com drama e um senso de aventura traz um certo conforto para quem assiste, principalmente porque a relação entre Pubba e Gus é boa de assistir e ela se desenvolve aos poucos, entre altos e baixos ao longo de anos, até chegar ao seu ápice quando o híbrido completa seus dez anos de idade. Ao mesmo tempo, vemos a subtrama com o doutor Aditya Singh (Adeel Akhtar) ganhar destaque quando ele tenta todo custo salvar sua esposa Rani (Aliza Vellani) após ela contrair o vírus.
Outra trama que se mostra relevante é a de Aimee (Dania Ramirez), que encontra refúgio num zoológico e vê sua vida mudar quando encontra a bebê híbrida Wendy (Naledi Murray) que passa a criar como se fosse filha. Os últimos minutos do piloto vemos Gus lidar com a dor da perda, ao mesmo tempo que conhece o grandão Tommy Jepperd (Nonso Anozie), pessoa que ele vê como uma oportunidade de ajudá-lo a sobreviver no mundo além do cercado onde foi criado e a oportunidade de encontrar sua mãe.
Com um piloto consistente e que deixa tudo de uma forma bastante bem estabelecida, a série consegue seguir uma linha bastante linear se aproveitando do bom desenvolvimento de seus personagens para fazer a história crescer criando laços entre seus protagonistas. A jornada de Gus e Tommy é muito boa de assistir, em “Sorry About All The Dead People” (1×02) e “Weird Deer S**t” (1×03) vemos uma dupla que está sempre em atrito, mas a forma como Gus conquista a amizade de seu novo aliado através da sua inocência e carisma é um dos pontos mais bacanas do seriado.

É importante dizer que “Sweet Tooth” apenas parece ter uma inocência, muito devido a presença de seu protagonista otimista, mas série consegue inserir muito suspense e horrores de um mundo que apesar das cenas mais solares, esconde horrores cruéis com humanos obcecados por controle, experiências científicas perigosas, indivíduos de má índole, pessoas desesperadas fazendo atrocidades para sobreviver numa humanidade que apesar de suas boas pessoas, é governada por militares linha duras e ditadores representados pela figura tenebrosa do General Douglas Abbot (Neil Sandilands), um vilão meio caricato, mas que serve bem ao seu propósito narrativo para representar o perigo constante que esta a espreita de híbridos como Gus.
A trama ganha mais corpo e mais rostos novos como a esquentadinha Bear (Stefania LaVie Owen) que se junta a Gus e o Grandão na jornada para chegar ao Colorado, ao mesmo tempo em que a série prepara o terreno para seu ponto de virada nos episódios “Secret Sauce” (1×04) e “What’s in the Freezer?” (1×05), principalmente na subtrama do doutor Singh na pequena comunidade que muito lembra o filme “Mulheres Perfeitas”, com um lugar aparentemente tranquilo, mas que parece esconder segredos e perigos com pessoas malucas que não medem esforços para evitar que o vírus entre no lugar que estabeleceram para viver.
É claro que a série não escapa de alguns clichês e obviedades, inclusive acho que falta explorar mais o que faz dos híbridos tão únicos, mas “Sweet Tooth” sabe dosar suas pretensões, nunca entregando mais do que pode mostrando um roteiro bastante controlado, sem grandes exageros e com gancho efetivos principalmente na sua reta final como fica claro no episódio “Stranger Danger on a Train” (1×06). Aliás, essas reviravoltas aqui são muito bem-feitas e atiçam a curiosidade do expectador em várias frentes, como a jornada de Gus, Grandão e Bear de um lado, com Aimee e Wendy tentando escapar das mãos de Abbot em outra, assim como a indecisão do doutor Singh em desenvolver sua pesquisa utilizando híbridos para achar uma cura para o vírus.

Desta forma a série está em constante mudança sem diminuir seu ritmo ou apresentar alguma irregularidade durante os episódios. A produção da série é outro aspecto que chama a atenção, gravada na Nova Zelândia, o visual impressiona, seja na linda fotografia com belas paisagens e cenários exóticos, seja pela boa trilha sonora, assim como os efeitos visuais e principalmente, os efeitos práticos, inclusive aquelas envolvendo os híbridos, como o simpático castor Bobby, ou os efeitos excelentes das orelhas de Gus que praticamente ajudam a moldar sua personalidade marcante.
Na questão do elenco, ele é muito bom, mas os destaques mesmo vão para Christian Convery (Brincando com Fogo), um achado como o garoto Gus, o ator mirim tem um carisma incrível e uma atuação que te conquista de imediato, capturando uma inocência otimista de uma criança hiperativa que é pura doçura e que encanta a cada cena que aparece. O ator Nonso Anozie (Cinderela) como o brutamontes Tommy Jepperd conhecido como Grandão, é outro que merece uma menção, o ator traz um personagem complexo que apesar do passado sombrio, vê em Gus sua chance de redenção, aliás, a dupla junta possui uma química muito boa.
Outros destaques vão para Stefania LaVie Owen (Krampus: O Terror do Natal) no papel da garota que odeia adultos, Bear, que ganha mais desenvolvimento na segunda metade da série com a atriz entregando uma boa atuação. Dania Ramirez (X-Men: O Confronto Final) no papel de Aimee, se mostra uma personagem que ainda necessita de aprofundamento, mas sua jornada é interessante o bastante para a atriz mostrar seu lado mais dramático. Will Forte (MacGruber) está bem no papel de Pubba, assim como Adeel Akhtar (Enola Holmes) no papel do doutor Aditya Singh.

A narrativa ganha mais contornos dramáticos à medida que vai revelando seus mistérios e trazendo ótimas revelações com seus arcos se cruzando nos episódios “When Pubba Met Birdie” (1×07) e no ótimo final da temporada “Big Man” (1×08), onde a série se consolida e abre várias possibilidades para um futuro promissor numa possível segunda temporada contemplado por um desenvolvimento primoroso que praticamente muda dinâmica estabelecida nesta jornada até então.
De uma forma mais completa, “Sweet Tooth” é uma ótima série, na verdade uma grata surpresa, se seu material original já era elogiado por muitos fãs de quadrinhos, sua versão em carne osso não só traz um novo público para este universo, como também se mostra impecável na forma como estabelece sua trama e seus personagens. Com uma temporada bastante consistente e que se apoia no carisma de seu protagonista do Bico Doce (tradução de “Sweet Tooth”) e na amizade que ele faz ao longo de sua jornada para trazer uma história para toda família, o seriado se mostra um entretenimento de primeira com um apuro técnico, mostrando que o simples bem-feito ainda é uma alternativa vencedora na forma como você conta uma boa história.

Elo Preto
Atriz: Dania Ramirez
Personagem: Aimee
Idade: 41 anos
Hoje teremos um destaque duplo na coluna, começando pela atriz dominicana Dania Ramirez no papel da solitária e acolhedora Aimee. A personagem que vê seu mundo mudar drasticamente devido ao vírus que mudou a face da humanidade, se vê numa missão ainda mais nobre ao criar a híbrida Wendy, sua filha do coração que ela não mede esforços para proteger, Ramirez entrega uma boa atuação compondo personagem negra com sangue latino incrível que se mostra uma mãe amorosa e dedicada, mas que sabe ser uma guerreira quando precisa para proteger sua cria. Dania Ramirez é conhecida pelo trabalho em “X-Men: O Confronto Final”, assim como nos trabalhos nas séries “Devious Maid” e “Once Upon A Time”.

Elo Preto
Ator: Nonso Anozie
Personagem: Tommy “Grandão” Jepperd
Idade: 42 anos
O segundo destaque da coluna de hoje vai para o ator britânico Nonso Anozie no papel de Jep, um personagem grandão, com uma história triste antes da queda da humanidade, mas que encontra no garoto Gus, sua chance de mudança, o ator empresta carisma e um apelo dramático em um personagem que cresce muito ao longo da temporada. O britânico Anozie entrega um trabalho bacana e ganha destaque merecido num gênero de fantasia que as vezes não dá destaques para atores negros. O ator é conhecido pelo papel de um rei na segunda temporada da aclamada série “Game of Thrones” e foi visto em filmes recentes como “Cinderela” e “Artemis Fowl” ambos da Disney.
Gostou? Assista ao trailer a seguir. E se já conferiu a primeira temporada da série, comente o que achou abaixo.

Um comentário sobre ““Sweet Tooth” – 1° Temporada – Crítica”