É assim que se faz uma adaptação. “Sombra & Ossos” tem uma produção ambiciosa, boas atuações, uma ambientação impecável e ganchos suficientes para gerar várias temporadas.

A forma mais segura de medir se uma adaptação é bem-feita, é através de três quesitos básicos: ambientação, personagens e fidelidade. É claro que a última depende muito de como os roteiristas vão contar a história, não precisa ser uma cópia do livro, mas precisa ao menos manter a aura das páginas dele, que pelo menos mantenha aquela sensação de estar vendo a sua história literária favorita ganhar vida. Muitas séries conseguiram isso de forma exemplar, mas sempre rola alguma mudança aqui a ali para se adaptar ao formato televisivo, independente de como terminou, o maior exemplo que nós temos atualmente é a série “Game of Thrones” que é um dos maiores sucesso televisivos dos últimos anos.
A série de oito episódios é uma adaptação da trilogia Grisha de Leigh Bardugo e das histórias de “Six of Crows: Sangue e Mentiras” da mesma autora que se passa no mesmo universo e que cruza sua história com a trilogia mencionada. A primeira temporada cobre o primeiro livro “Sombras & Ossos” e o primeiro livro dos corvos, desta forma a premissa conta a história da jovem Alina Starkov (Jessie Mei Li), uma jovem cartógrafa que vê sua vida transformar ao se descobrir Grisha, que são seres que possuem dons especiais e compõe o exército especial de um país chamado Ravka, lugar esse que é separado territorialmente ao meio devido um muro mágico chamado de “Névoa das Sombras”, conjurado no passado por um grande feiticeiro e agora é o lar de criaturas devoradoras de gente chamado de Volcras.
Achou muita informação? É porque é, “Sombra & Ossos” (Shadow and Bone, 2021) produzida por Shawn Levy (Stranger Things) é um seriado que exige atenção e comprometimento, o piloto “A Searing Burst of Light” (1×01) tem bastante informação sobre lugares e muitos personagens, mas fica claro que o roteiro escrito pelo também showrunner da série Eric Heisserer (A Chegada) consegue focar bem na figura de Alina e como sua descoberta impacta o mundo a sua volta. A direção perspicaz de Lee Toland Krieger (Superman and Lois) consegue habituar rápido o público a esse universo, que tem forte influência russa tanto na forma como os personagens se vestem, quanto nos cenários em que a trama é retratada.
A narrativa se divide em duas, a primeira acompanhamos Alina e seu amigo Mal (Archie Renaux) na sua primeira experiência de entrar na névoa das sombras, enquanto longe dali na ilha de Ketterman, acompanhamos o trio Kaz Brekker (Freddy Carter), Inej Ghafa (Amita Suman) e Jesper Fahey (Kit Young) em suas peripécias numa trama que irá levá-los em uma rota de colisão com a jornada de Alina. Tudo aqui é muito bem dosado e o equilíbrio narrativa consegue abraçar bem os dois lados da história terminando com um gancho extremamente eficiente.

Com um piloto tão bem-feito, “Sombra & Ossos” segue uma curva ascendente com um episódio mais interessante que o outro. É claro que as vezes é necessário um mapa para checar tantos lugares, mas é normal quando você está conhecendo um universo, para os marinheiros de primeira viagem, pode soar confuso, mas nos episódios “We’re All Someone’s Monster” (1×02) e “The Making at the Heart of the World” (1×03) é impossível não se apegar aos personagens e a tudo que é mostrado em tela.
Como li o primeiro livro da trilogia em que a série é baseada, não fiquei tão perdido, na verdade a série adapta tudo de uma forma bem honesta com mudanças pontuais que na tela soam bastante coerente e até melhoram o material original, ou seja, um deleite para os fãs e quem já conhece esse universo. Para quem não conhece e está conhecendo através da série, vale cada segundo, principalmente se você gosta de fantasia, afinal quanto mais você conhece sobre a história dos Grishas e todas as subdivisões desses seres capazes de controlar elementos da natureza, ciências ocultas e até mesmo aspectos do corpo humano, tudo fica mais interessante.
Em paralelo a esse aspecto fantástico da trama, os corvos liderados por Kaz Brekker estão na sua jornada para conseguir uma recompensa num lado deste universo cheio de perigos, ladrões, golpistas e oportunistas. Este lado da narrativa é bastante envolvente e as vezes até melhor do que a parte que acompanha Alina. Um dos trunfos de “Sombra & Ossos” é isso, adaptação não fica só no ponto de vista da cartógrafa, mas em vários pontos de vistas, inclusive oferecendo visões diferentes deste mundo tão rico como a história do amigo dela Mal no norte e a saga de Nina Zenik (Danielle Galligan) e Matthias (Calahan Skogman) numa trama que corre em paralelo, mas que em algum momento se liga as histórias principais.
O episódio “Otkazat’sya” (1×04) é onde a série se mostra mais equilibrada em mostrar essas linhas narrativas se cruzando de forma harmônica que vai alimentando a série até o final. Após o general Kirigan (Ben Barnes) descobrir o dom de Alina, ela é escoltada até o palácio real onde vai treinar para na intenção de controlar seu poder e assim conseguir ser a esperança de Ravka para destruir a “névoa ou dobra das sombras”.

A história as vezes precisa de mais respiros, mas o comprometimento dos roteiristas para com essa série é bem cuidadosa, seja na construção do possível romance de Alina com o melhor amigo Mal, seja na atração que ela sente pelo misterioso Kirigan ou Darkling como alguns o conhece. Esse triângulo amoroso se desenvolve ao longo da série, mas é muito bem equilibrado, sem que isso atrapalhe a jornada de heroína e crescimento da personagem, ou faça a história ficar mais cadenciada.
E quando isso acontece, a história dos corvos entra em cena e potencializa a narrativa com alguma forma não deixando que a narrativa caia em um marasmo. A série entra na sua reta final bastante consistente e apostando em boas reviravoltas numa trama que só cresce em vários aspectos, com fica evidente nos ótimos episódios “Show Me Who You Are” (1×05) e “The Heart Is An Arrow” (1×06) onde a série já se consolidou bem.
O elenco da série é um caso a parte, muito bom e com vários talentos numa seleção que é bastante diversa e evidencia o caldeirão cultural que bebe de várias culturas do mundo real que deixam a trama ainda mais rica neste aspecto. Jessie Mei Li (Last Night In Soho) estreando como protagonista se sai bem ao longo da temporada, o piloto ela soa um pouco insegura, mas nos episódios seguintes acaba entregando bem no drama de sua personagem, que é uma mulher mais forte, independente e muito mais inteligente que nos livros inclusive.

Ben Barnes (As Crônicas de Nárnia: O Príncipe Caspian) como o papel do sombrio e misterioso general Kirigan, o ator empresta um charme e uma dualidade de um personagem que transita entre mocinho e vilão, algo que Barnes sabe entregar bem. Archie Renaux (Voyagers) como Malyen “Mal” Oretsev entrega um trabalho sólido, apesar das limitações na atuação, sua química com Jessie é boa (ainda acho que Barnes tem uma química melhor com ela), principalmente nos últimos episódios.
Do lado dos corvos, Freddy Carter(Pennyworth) como o líder e cabeça pensante Kaz Brekker, entrega um personagem que é prático e não acredita na magia Grisha. A linda e letal personagem Inej Ghafa vivida pela atriz Amita Suman (The Outpost) é um achado, talvez uma das personagens mais interessantes deste universo, não só por acreditar em suas crenças relacionada a Alina, mas por ser uma assassina das mais perigosas, algo que Suman vende bem. E por último temos Jesper Fahey, um atirador nato que é crucial para este trio de corvos, Kit Young (Endeavour) é tão bom e carismático, que é impossível não se importar com o personagem que se torna um dos mais populares da série.
No aspecto técnico, “Sombra & Ossos” é um deleite, seja nos figurinos, seja no design de produção, seja nos efeitos visuais impecáveis que deixam o universo ainda mais pomposo e rico. São vários cenários e uma construção de universo que mostra que a Netflix não poupou despesas para investir na produção, que tem uma trilha sonora muito boa e uma fotografia tão linda que varia de acordo com os ambientes mostrados. A edição, direção e o roteiro são outros aspectos que merecem elogio, inclusive atingem seu ápice no belíssimo episódio “The Unsea” (1×07), onde algumas perguntas são respondidas de forma bastante objetiva e interessante.

De uma forma geral, “Sombra & Ossos” é uma excelente adaptação, feita para ser apreciada, mas que pode sim soar um pouco confusa para aqueles que não conhecem o universo devido a quantidade de informação colocada em tela, mas o maior trunfo da série é saber mostrar mais do que apenas citar em diálogos, nisso os roteiristas acertam muito, não subestimando o expectador e se apoiando não só na força da história, mas também no aspecto emocional misturando drama e romance na medida certa. O final da temporada com o episódio “No Mourners” (1×08) mostra todos os aspectos positivos do seriado, assim como alguns defeitos que podem ser melhorados, mas no final das contas a série apresenta uma temporada muito consistente e feita com esmero, cheio de mitologias e uma história que tende a crescer, como evidenciam os ganchos deixados nas últimas cenas.
A série ganha por saber adaptar bem seu material original e ganha ainda mais por conseguir ser uma das primeiras séries de fantasia do ano que sabe realmente o que quer e tem um objetivo bem claro, além de muita personalidade para construir seus arcos e um universo que tem muito a render nas próximas temporadas, porque é impossível começar a assistir a saga de Alina, a conjuradora do sol, além da história dos corvos, e não ficar curioso para saber como termina, porque o seriado deixa um gostinho muito bom de quero mais frutos de uma boa adaptação.

Elo Preto
Personagem: Jesper Fahey
Ator: Kit Young
Idade: 26 anos
O ator da coluna de hoje é Kit Young, ator britânico, ainda novato na função que traz o personagem Jesper Fahey a vida, na série ele é um atirador perspicaz e eficiente capaz de acertar alvos a uma grande distância com uma precisão imensa. Um personagem negro e gay num universo apaixonante que nutre um amor por um bode (Milo é maravilhoso) e ainda possui tiradas cômicas que deixam seus amigos Kaz e Inej simplesmente chocados com sua canalhice. Young é tão carismático, que fica difícil não se importar com seu personagem, o ator tem poucos trabalhos conhecidos, sendo “Sombra & Ossos” seu verdadeiro pontapé inicial, ele também será visto em breve no filme do Paul Feig (Um Pequeno Favor), o aguardado “The School for Good and Evil” da Netflix que tem Charlize Theron e Kerry Washington no elenco.
Gostou? Veja o trailer da primeira temporada e se já assistiu, comente logo abaixo.

2 comentários sobre ““Sombra & Ossos” – 1° Temporada – Crítica”