Entre altos e baixos, esta biografia sobre história de Billie Holiday soa pouco desenvolvida e só vale a pena devido a ótima atuação de Andra Day no papel da cantora.
| Uma indicação ao oscar 2021 |
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| Melhor Atriz – Andra Day |

Filmes que contam história de artistas, principalmente cantores, tendem a ser bons dramas dependendo da pessoa e de sua carreira e do impacto que ela causou no período em estourou nas paradas de sucesso. Artistas negros tendem a ter filmes biográficos bastante intensas e sempre seguindo uma tendência, quando mais talentosos são, mais suas vidas pessoais acabam sendo turbulentas. É claro que isso não é exclusividade só de artistas negros, mas muito deles diferentemente de artistas brancos principalmente nas décadas entre 50 e 80 tiveram que lidar com racismo e preconceito para conseguir ter voz e assim poder consolidar uma carreira de prestígio.
Estou citando tudo isso, por conta da nova biografia dirigida por Lee Daniels (O Mordomo da Casa Branca), “Estados Unidos Vs Billie Holiday” ( The United States Vs Billie Holiday”, 2021) que estreou no streaming Hulu em fevereiro deste ano e conta a história da cantora Billie Holiday baseado no livro “Chasing the Scream: The First and Last Days of the War On Drugs” e se passando no período entre 1947-1957 quando os EUA estavam numa guerra contra as drogas que se alastravam nas periferias do país. Este período também é pré direitos civis, onde o racismo nos EUA ainda estava bastante perigoso e agressivo.
Foi nestes anos que Eleanora Fagan Gough conhecida artisticamente como Billie Holiday ganhou os holofotes e fama, com uma voz de tirar o fôlego, a cantora se tornou um dos maiores ícones do Jazz na década de 40 e 50, e até hoje é considerada uma das artistas mais completas de sua geração ao lado de outros gigantes da música como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Dinah Washington. O longa de Daniels com roteiro assinado por Suzan-Lori Parks (Genius: Aretha) segue uma linha linear com a artista dando entrevista ao apresentador Reginald Lord Devine (Leslie Jordan) e logo em seguida voltando ao passado para contar a história de seu período de ascensão e queda, mostrando as facetas de uma mulher ousada que desafiava os críticos e não tinha medo de polêmicas.

Os problemas de “Estados Unidos Vs Billie Holiday” começam exatamente pelas escolhas estéticas adotadas que deixam um filme muito com cara de clipe em alguns momentos e tudo fica soando como um “grande delírio” da própria artista, isso leva também a quebra de ritmo da narrativa que acaba por oscilar muito. Outro ponto negativo também é o fato de no primeiro ato o expectador ser jogado no mundo da cantora sem muitas sutilezas, o roteiro pressupõe que o público tem uma bagagem sobre a artista, então não se dá o trabalho de apresentar bem os personagens que orbitam a sua volta.
O filme ganha mais ritmo quando Billie (Andra Day) é presa pela primeira vez ao ser enganada por Jimmy Fletcher (Trevante Rhodes), um policial federal negro disfarçado que expõe os vícios de drogas da cantora a mando de seu chefe racista, o implacável agente federal Harry Anslinger (Garrett Hedlund). O roteiro dá a entender que toda essa perseguição da polícia em cima de Billie se dá pelo fato dela ter tocado a polêmica música “Strange Fruit”, que tinha letras fortes e críticas pesadas aos linchamentos de pessoas pretas naquele período, servindo como hino para inflamar a comunidade negra a lutar pelos seus direitos civis, isto acendeu um alerta do governo que não queria deixar que esse tipo de levante estourasse no país.
Cheios de assuntos relevantes, o filme sofre para conseguir manter o equilíbrio da narrativa que tenta mostrar as qualidades de Billie como artista e sua relação com a banda, seus defeitos e problemas com entorpecentes, ao mesmo tempo que ela tem que lidar com a polícia federal e uma vida amorosa tortuosa e turbulenta com parceiros violentos e exploradores. Lee Daniels até consegue focar na maior parte do tempo na linha principal, Billie contra os federais, mas sofre para achar espaço para desenvolver o resto da história que no final das contas tem muito a dizer, mas parece ser pouco efetiva nisto.

A âncora do longa é sem dúvidas Andra Day (Marshall: Igualdade e Justiça), a atriz consegue segurar cada segundo da narrativa numa atuação sublime e talvez por conta dela que a história não se tornou um grande desastre. Ela consegue transmitir emoção, fúria, revolta, sensualidade em diversos momentos mostrando uma Billie Holiday icônica, com uma voz lindíssima capaz de encher um teatro com uma emoção genuína, seus trejeitos, sua eloquência dão a personagem uma personalidade única, nos fazendo ficar admirados com seu talento e revoltados com todas as injustiças que a artista sofre durante a narrativa.
O resto do elenco coadjuvante é composto por ótimos atores, mas poucos tem o devido tratamento do roteiro para se desenvolver e acabam servindo apenas de escada para Andra Day brilhar no papel. Ainda assim, consigo destacar alguns nomes como: Trevante Rhodes (Moonlight – Sob a Luz do Luar) no papel do policial Jimmy Fletcher, Natasha Lyonne (Boneca Russa) como uma das amigas de Billie que mantém um interesse amoroso por ela evidenciando sua bissexualidade, Miss Lawrence (série Star) como Miss Freddy que faz parte da banda da cantora, além de Da’Vine Joy Randolph (Dolemite É o Meu Nome) como Roslyn, Garrett Hedlund (Tron: Legacy) e Tyler James Williams (Todo Mundo Odeia o Chris), todos operantes em seus papéis, mas sem um grande apelo dramático.
A parte técnica do filme é razoavelmente boa, apesar da fotografia glamorosa, mas com cara de telefilme de baixo orçamento, a produção se destaca pela trilha sonora com as músicas cantada pela própria Andra Day (que possui um timbre bem parecido com o da Billie Holiday), o que dá mais autenticidade prá obra, os figurinos são impecáveis, assim como produção de arte e a maquiagem que estão muito bem-feitas, a direção não é das melhores, assim como a edição as vezes picotada demais.

Falando de uma forma geral, “Estados Unidos Vs Billie Holiday” não é uma grande biografia, falta um pouco de foco no roteiro em alguns momentos e um melhor desenvolvimento de personagens. Com uma história que beira os 130 minutos de duração, sua reta final acaba cansando e a única forma do expectador sentir na obrigação de terminar o filme, é por conta de Andra Day no papel principal, ela consegue fazer milagres em um roteiro pouco inspirado, trazendo alma e reconhecimento para uma artista que estava cercada de polêmicas, mas que nunca perdeu a força, ou deixou que apagassem seu talento.
O longa apesar de alguns defeitos e obviedades, consegue crescer nas performances artísticas de Billie, sem falar que ao menos o filme é honesto em expor que a ferida do racismo praticado pelos brancos naquela época fazia até o governo silenciar artistas que tentassem mostrar as atrocidades que estavam ocorrendo no país através de suas músicas. Billie foi uma dessas artistas, capaz de arrastar multidões por onde passava (negros e brancos), e apesar de ter sofrido bastante ao enfrentar um sistema preconceituoso e injusto, serviu de voz para muitas pessoas negras daquela época e inspiração para muitas gerações com músicas atemporais que até hoje são exaltadas, mostrando que talento e voz têm nome e sobrenome, Billie Holiday.
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