Baseado na peça teatral de August Wilson sobre a história da rainha do Blues, Ma Rainey, o longa protagonizado por Viola Davis e Chadwick Boseman é um espetáculo.
| 5 Indicações ao oscar 2021 Vencedor de 2 Oscars |
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| Melhor Maquiagem |
| Melhor Figurino |

Muito se questiona e discute sobre apagamento de artistas negros em detrimento de artistas brancos ao longo de décadas, tanto aqui no Brasil quanto no resto do mundo, nos EUA, por exemplo, tudo era muito explicito nos anos 30, onde ainda existia segregação entre negros e brancos em determinadas partes do país e onde o racismo e o preconceito eram muito fortes. É neste período que se passa da história do filme “A Voz Suprema do Blues” (Ma Rainey’s Black Bottom, 2020), baseado na peça “Ma Rainey’s Black Bottom” de 1984 do dramaturgo August Wilson, vemos exatamente como funciona a ascensão de uma artista negra e como a indústria fonográfica enxerga pessoas negras nesta época.
O longa dirigido por George C. Wolfe (Noites de Tormenta) se passa em sua maior parte durante uma sessão de gravação de disco da rainha do blues Ma Rainey (Viola Davis) e sua banda composta por: Toledo (Glynn Turman), Slow Drag (Michael Potts), Cutler (Colman Domingo), o jovem Sylvester (Dusan Brown) e o rebelde Levee (Chadwick Boseman). Nesta sessão que ocorre durante um dos períodos mais quentes de Chicago, guarda em suas entrelinhas críticas sociais pontuais e como funciona a indústria da música neste período, num EUA pré-depressão caminhando para um de seus períodos mais difíceis.
O que você precisa saber é que “A Voz Suprema do Blues” é um filme, um grande filme, ainda que tenha um tom teatral em determinados momentos, a direção de Wolfe consegue sair desses por menores quando mostra cenas chaves, no começo quando coloca Ma Rainey para cantar numa tenda em um show feito para um público majoritariamente de pessoas negras na região sul do país conhecida por ser mais segregada, fazendo um contraponto depois com a grande Chicago, que fica mais ao norte e é conhecida por ser um pouco mais progressista em relação a dar mais oportunidade para pessoas negras serem mais bem sucedidas.
Esta questão é muito presente no roteiro assinado por Ruben Santiago-Hudson (Lackawanna Blues), que constantemente traz esta questão dos negros migrarem para o norte com a ilusão de uma vida melhor. Inclusive isso é uma questão constantemente discutida entre os membros da banda de Ma, inclusive é uma das motivações de Levee, que aqui representa o jovem negro que quer acontecer, no caso dele na música, onde ele acha que seu talento com trompete é inclusive mais promissor do que Ma Rainey, vendo nesta sessão a oportunidade chamar a atenção dos empresários Irvin (Jeremy Shamon) e o dono da gravadora Sturdyvant (Jonny Coyne).

A narrativa de “A Voz Suprema do Blues” é bastante cadenciada e talvez afugente aqueles querem algo mais fluído, aqui o texto realmente vai acontecendo aos poucos, para você entender o contexto e o que está em jogo para esta mulher que luta pelo reconhecimento junto com sua banda. O primeiro ato é lento, mas vai ganhando ritmo quando a narrativa se passa mais em Chicago, o peso dos diálogos vai ganhando mais consistência assim que vamos conhecendo a personalidade dos personagens e seus objetivos.
O cerne da história está exatamente entre Ma Rainey e Levee, duas pessoas que vivem pela música e lutam por reconhecimento, mas que naquele momento estão posicionadas em lugares diferentes em suas carreiras, o grande contraponto do longa é entender a proposital oposição entre os personagens, que vai gerar todos os conflitos ao longo da narrativa. Mais uma vez Wolfe foca muito em dar espaço para seu elenco brilhar, sem perder os aspectos fazem de longa uma produção focada na música.
Esta produção da Netflix é produzida por Denzel Washington, que já dirigiu uma obra de Wilson antes, o recente e ótimo “Um Limite Entre Nós”, que também fez a mesma transição de peça teatral para filme, dando a Viola Davis seu esperado primeiro Oscar de atriz coadjuvante. Aqui mais uma vez temos esta transição, mas ao contrário do filme de Washington, que sofria um pouco para se mostrar como longa, “A Voz Suprema do Blues” tem mais facilidade, isso fica evidente na mão da direção de Wolfe e na edição, que mostra bastante uma Chicago industrial e quente que se move quando os personagens saem fora do prédio onde está ocorrendo a gravação do disco.
Outro aspecto que gosto deste longa, é o fato de a trama transpirar e respirar música, no caso o blues, um pouquinho de jazz e soul, tudo junto e misturado, sem falar que toda vez que Ma Rainey solta a voz (Viola dubla, mas sua performance é convincente) e a banda toca, você percebe o quão talentoso é esse grupo de artistas negros. O longa também faz uma crítica bastante forte a exploração dos empresários brancos em cima de artistas negros, como citei anteriormente, isso fica evidente seja nos diálogos, seja na forma como negociam os pagamentos e os contratos, a última cena do filme é bastante emblemática neste quesito.

Tudo funciona bem em “A Voz Suprema do Blues”, muito por causa de seu elenco, gosto das atuações de Glynn Turnan e Colman Domingo, o primeiro inclusive tem uma performance marcante. Porém nenhum deles chega ao nível alcançado por Viola Davis e Chadwick Boseman. Lembra quando citei que Ma e Levee era duas peças fundamentais para entender a negritude que sonha daquela época, isso fica muito evidente nas performances desses dois atores, que brilham em cena.
Viola Davis aqui esta melhor do que nunca, sua atuação é uma força da natureza, mesmo alguns argumentem que ela tem pouco tempo de tela, o filme é protagonizado por ela, toda vez que aparece enche a tela, vemos através dela, uma Ma Rainey com muita personalidade, inteligente e com talento de sobra, que sabe o que quer, que é trata como estrela, mas sabe a verdadeira intenção dos empresários por traz da bajulação, Davis brilha em dois grandes momentos, o primeiro numa conversa com o personagem de Colman Domingo e a segunda quando bate de frente com arrogância rebelde de Levee. É uma entrega de corpo e alma de uma atriz que atua cada vez melhor.
O grande destaque deste longa é Chadwick Boseman, seu Levee é a verdadeira personificação do espírito do jovem negro e rebelde que deseja o sucesso a qualquer custo, aqui o ator se mostra emocionante e complexo, com um personagem quebrado, mas que tenta fazer as oportunidades acontecerem, com monólogos poderosos, inclusive aquele onde seu personagem conta sua história é de cortar o coração e talvez deva-lhe render um Oscar póstumo de melhor ator. É uma pena que este seja o último trabalho de Boseman, talvez um dos talentosos negros interessantes dessa geração recente.

No quesito produção, o filme é um espetáculo a parte, dos figurinos muito bem-feitos, passando pela maquiagem pesada e bem acabada dos personagens, além do design de produção magnifico e da fotografia com tons dourados dando a sensação de calor humano a trama é digníssima. A trilha sonora é maravilhosa, além da edição bastante consistente.
De uma forma geral, “A Voz Suprema do Blues” é um belíssimo filme, as vezes triste, as vezes melancólico, as vezes tudo isso e mais um pouco, e apesar de alguns momentos ser sementado pelo preconceito e racismo ainda existentes naquela época e nunca esquecido, traz uma narrativa que fala sobre música, fala sobre talentos negros e sobre ascensão e queda de desses artistas, seja de forma precoce, seja ao longo do tempo. Talvez você nunca tenha ouvido falar sobre Ma Rainey, mas seu nome está entre as grandes do Blues, ainda que a história não dê o devido valor, como é mostrado neste filme, o legado desta majestosa mulher segue eternizado por aqueles que ainda lembram de sua figura e escutam suas músicas, sem falar que a narrativa chama nossa atenção sobre a valorização da história desses artistas negros que merecem serem reconhecidos e ainda não tiveram essa oportunidade, uma estupenda obra em todos os sentidos.
Gostou? Assista ao trailer, se já assistiu ao filme, comente abaixo.

11 comentários sobre ““A Voz Suprema do Blues” – Crítica”