A negritude carioca pelos olhos de fora. Revisitando o mito de Orfeu, esta produção francesa aclamada internacionalmente explora a cultura brasileira e abre o debate sobre o pertencimento de uma obra com elenco todo brasileiro.

O que faz um filme um produto nacional? Seria a língua? Seria a presença de atores e cineasta na frente e atrás das câmeras? Seria o grau de investimento de um determinado país? Essas perguntas ficam no ar, afinal vivemos num mundo globalizado onde produções locais precisam as vezes de incentivo de fora nascer, porém, as vezes isto tira oportunidade de estúdios nacionais prosperarem e ganharem atenção.
Esta reflexão vai de encontro com o filme da coluna “Nostalgia Preta”, a produção ítalo-franco-brasileiro (Dispat Films (França), Gemma (Itália) e Tupan Filmes (Brasil)), “Orfeu do Carnaval” ou “Orfeu Negro” (Black Orpheu, 1959), que é baseado na peça teatral “Orfeu de Conceição” de Vinícius de Moraes, que conta a história do jovem Orfeu (Breno Mello) baseado na mitologia grega, que aqui é adaptado para um ensolarado Brasil, em uma favela do Rio de Janeiro na época do Carnaval.
Como toda produção antiga, existe um aspecto datado nas características técnicas e ritmo, porém a adaptação escrita por Marcel Camus e Jacques Viot, segue sendo uma narrativa fascinante, que mostra o amor entre Orfeu e Eurídice (Marpessa Dawn), que vai se desenvolvendo em num misto de romance e terror, já que a moça é perseguida por um desconhecido que quer matá-la.

Como toda produção antiga, existe um aspecto datado nas características técnicas e ritmo, porém a adaptação escrita por Marcel Camus e Jacques Viot, segue sendo uma narrativa fascinante, que mostra o amor entre Orfeu e Eurídice (Marpessa Dawn), que vai se desenvolvendo em num misto de romance e terror, já que a moça é perseguida por um desconhecido que quer matá-la.
Talvez o maior destaque do longa seja a forma como a direção de Camus consegue colocar a narrativa pelo ponto de vista dos favelados que em sua maioria são personagens pretos. Com tomadas vistas do alto do morro, temos a noção que o filme busca exatamente mostrar as pessoas que moram nestas comunidades cariocas explorando sua vivência trazendo o lado cultural do Brasil aproveitando exatamente nossa maior festa cultural, o carnaval.
É claro que como toda visão que tem orçamento e equipe de fora, mesmo que o elenco seja basicamente de brasileiros, incluindo atrizes iniciantes na época, como a lendária Léa Garcia (Um Dia Com Jerusa), que faz a prima da personagem de Eurídice. A trilha de Tom Jobim e Luís Bonfá, mostra que obra é assinada como produção francesa, inclusive ganhou o Oscar de filme internacional com essa alcunha, mas mantém a aura totalmente brasileira, mesmo que os estereótipos pela visão gringa apareça em vários momentos.

Existe um cinema aqui que transforma a tragédia de Orfeu e Eurídice numa narrativa com identidade e jeito canarinho, os diálogos nem sempre são brilhantes, mas conseguem capturar nosso jeito, nossos costumes e ainda se aprofunda nas religiões de matriz africana em uma sequência com Orfeu tentando um contato com sua amada por um meio mais sobrenatural por assim dizer.
O que mais chama atenção em “Orfeu no Carnaval” é a forma como a narrativa é conduzida mantendo o estilo de tragédia grega do texto original, então o expectador é carregado pelos galanteios de Orfeu, mas se prende a perseguição sofrida por Eurídice, em meio a euforia das festividades carnavalescas onde os coadjuvantes vão surgindo, mas sem o peso do desenvolvimento dos protagonistas, mas ainda assim conseguem marcar presença.
É fato que mesmo com algumas ressalvas, o longa é bem desenvolvido e consegue trazer um certo suspense sofre os desfechos e usa o último ato para chocar com sequências beiram o absurdo, mas totalmente plausíveis num contexto de amores perdidos, amores não correspondidos, amores religiosos e amores culturais que vão sendo misturado num caldeirão cultural que somente países diversos como o Brasil são capazes de entregar.

De uma forma geral, “Orfeu no Carnaval” é uma película de época que merece ser resgatada, não só pela qualidade técnica e dramática, mas pela capacidade de mostrar as qualidades culturais brasileiras misturando tragédia grega. A negritude afro brasileira é bastante explorada aqui e se torna um dos pontos fortes de um filme que não tem medo de mostrar rostos pretos dominando cada centímetro da narrativa, onde pode se até discutir qual é a paternidade do longa (continua sendo francês), sendo primeiro falado em português a ganhar Oscar Internacional, porém não há dúvidas, que em muitos aspectos, o filme é um autêntico produto brasileiro com toque gringo. E no final das contas, que ganha são os amantes da sétima arte.
Gostou? Veja o trailer e comente se já assistiu ao longa.

