“Kasa Branca” – Crítica

O ciclo periférico da vida! O ótimo longa “Kasa Branca” é o mergulho na realidade preta das favelas brasileiras numa trama sobre um neto tentando cuidar da avó em estado terminal de Alzheimer.

Fonte: Vitrine Filmes

O cinema nacional passa por um momento mágico, com diversos filmes excelentes e aclamados em festivais, ou apenas ganhando um público decente nos cinemas. E isto não surpreende quem já conhece, mas com certeza enche os olhos de quem não estava muito familiarizado com nossa gama e talento de entregar narrativas envolventes e tramas surpreendentes com resultado no mínimo impactante.

É nesta linha que venho falar do longa nacional, “Kasa Branca”, produção da Sobretudo Produção e TV Zero Tacaca Filmes, com distribuição da Vitrine Filmes, que conta a história de Dé (Big Jaum), adolescente negro de periferia que mora numa comunidade no Rio de Janeiro que recebe a notícia que a avó, Almerinda (Teca Pereira), está com diagnóstico terminal de Alzheimer.

Este filme dirigido Luciano Vidigal, vai além da narrativa comum e foca na negritude no berço de uma favela carioca, mostrando um contexto atual que sintetiza o cotidiano cheio vivência onde a renda é limitada, a luta é diária, mas o senso de comunidade é o fator que cria uma casca onde a história se desenvolve focando não só em Dé, mas em seus amigos Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco), que servem como suporte em um momento tão difícil.

Fonte: Vitrine Filmes

A trama é simples, mas poderosa o suficiente para capturar a atenção do expectador, a direção de Vidigal tem muita personalidade focada na construção da relação desses personagens, trazendo peripécias de Dé, tentando achar um jeito de assumir as contas da casa para pagar os remédios da avó, enquanto tenta lidar com a situação terminal da pessoa que mais ama.

Existe aqui uma sensibilidade muito grande que vai desde os aspectos técnicos, com uma cinematografia e estética que privilegia tomadas bacanas que vem de cima do morro, a trilha sonora que mistura um caldeirão de músicas populares liderada pelo ritmo do funk carioca que dá um tom de pura personalidade de uma narrativa que mostra o quão viva é uma comunidade favelada carioca.

É através desse contexto, que o diretor tece esta crônica urbana que mostra os receios e expectativas de um jovem preto, abandonado por um pai sempre ausente (Babu Santana), sendo sua avó a única família que tem, porém preste a partir deste mundo, encontrando no apoio dos amigos forças para vencer as dificuldades financeiras e perrengues da vida de um cidadão que ainda enfrenta o racismo de cada dia, a exploração policial de jovens pretos, tudo muito bem pontuado numa crítica social bem pertinente.

Fonte: Vitrine Filmes

Talvez falte a “Kasa Branca” explorar melhor seus coadjuvantes que até possuem suas próprias subtramas dentro do filme, explorando a diversidade de gênero na favela através dos amigos de Dé, todos dispostos a ajuda-lo, mas ao mesmo tempo vivendo seus próprios conflitos e realidade, num lugar que pulsa vida e que o Brasil precisa conhecer mais, mostrando que temos ali existe muita gente como a gente, passando pelas mesmas dificuldades.

Ao dar voz e rosto para esta comunidade, Luciano Vidigal aprofunda também na temática do envelhecimento e como nossos idosos são tratados pelo poder público, através de uma atuação silenciosa de Teca Pereira, no papel de Dona Almerinda, mas impacta por mostrar o deterioramento de uma pessoa que se torna dependente do neto, sem forças para combater uma doença devastadora como Alzheimer.

Isto inclusive é um dilema para Dé, que traz uma boa atuação de Big Jaum, que consegue transmitir no olhar a frustração de uma pessoa sem condições financeiras, que mesmo tendo a solidariedade dos amigos, se encontra num beco sem saída tendo que arranjar das mais variadas formas possíveis maneiras de arrecadar o dinheiro que avó precisa para continuar vivendo, mesmo sabendo que uma hora a morte irá chegar.

Fonte: Vitrine Filmes

O personagem é de poucas palavras, mas direção observadora dá ao protagonista uma forma de se expressar, após a sequência de eventos que fecha o filme, que traz uma reflexão sobre a tristeza e alívio numa carga emocional que somente aqueles com capacidade de enxergar além das entrelinhas irão entender, a cena final é devastadora em muitos aspectos, ao mesmo tempo que traz um senso de liberdade indescritível.

De uma forma geral, “Kasa Branca” faz jus ao prestígio de estar entre os grandes na corrida para representar o Brasil no Oscars 2026, que acabou indo para “O Agente Secreto”, porém mostra o quão forte é a safra brasileira 2024/2025 e como nosso cinema cada vez se torna profundo, maduro e impactante. Este longa é uma das narrativas mais representativas ao trazer vozes pretas das favelas, com toque de ancestralidade e uma observação pertinente ao tratamento ao nossos idosos numa trama tocante, de cortar o coração e poderosa.

Gostou? Veja o trailer e comente abaixo se já assistiu ao longa.

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