Um Olhar Preto – Coluna Especial – “Mania de Você e o desrespeito com o protagonismo negro em novelas”

Mania de Você terminou, mas a pergunta que fica é como a protagonista Viola foi tão exigida durante a novela e simplesmente desapareceu na reta final?

Fonte: Rede Globo

Se vai escrever desta forma, melhor nem escrever. Era fato que quando escrevi o texto sobre protagonistas negras dominarem as três faixas de novelas da Globo na coluna Um Olhar Preto – Coluna Especial – “A TV fez história, mas precisa continuar avançando”, eu pensei que a mudança realmente seria significativa e importante, mas parece que os autores não estão levando isto muito a sério.

Enquanto as autoras Alessandra Poggi (Além da Ilusão) e Claudia Souto (Cara e Coragem) dão aula de como tratar protagonistas negras em uma novela em “Garota do Momento” e “Volta Por Cima”, respectivamente. O autor João Emanuel Carneiro (Avenida Brasil) parece ter desaprendido a tratar mocinhas negras em suas novelas, nem parecendo o mesmo autor que entregou a ótima novela “Da Cor do Pecado” com Taís Araújo brilhando.

Existe uma mudança que tem que ser levada em conta, personagens negros são diferentes de personagens brancos em muitos aspectos, assim como amarelos, indígenas e assim por diante. Vocês precisam entender como estas alas mais diversas possuem características únicas que diferenciam do “padrão branco” estabelecido por décadas em novelas.

Fonte: Rede Globo

Em “Mania de Você”, novela das 9 da Rede Globo, a premissa era clara, Viola (Gabz) e Luma (Agatha Moreira) começariam como amigas, mas seriam eventualmente rivais, com um jogo que virava o tempo todo trazendo duas personagens cinzas num ambiente que estava longe de ser preto no branco.

A história na primeira fase estava bem estruturada, todo mundo tinha uma função ali, até mesmo Mavi (Chay Suede) e Rudá (Nicolas Prattes), este último ainda assim bem desperdiçado. A trama girava bem em torno de Viola que entendemos era a protagonista de fato com Luma transitando entre mocinha e vilã em determinados momentos.

Após a suposta morte de Molina (Rodrigo Lombardi), a novela entrou na sua segunda fase que não se segurava porque como a chamada dizia “o jogo vira o tempo todo”, então mocinhos viraram bandidos, bandidos viraram mocinhos e assim a novela foi perdendo identidade (se é que um dia teve), se apoiando num suposto vilanismo de Mavi, que na verdade é uma obsessão doentia que o personagem tinha por Viola.

Berta (Eliane Giardini), Rudá (Nicolas Prattes), Luma (Agatha Moreira), Molina (Rodrigo Lombardi), Mércia (Adriana Esteves), Mavi (Chay Suede), Viola (Gabz) e Ísis (Mariana Ximenes). {“key”:”hb1pro”}

Outra personagem completamente perdida na história era Mércia (Adriana Esteves), foi criado um mistério desde a primeira fase que mostrava que era uma vilã preste a acontecer, mas no final não se tornou nada, apenas uma mulher que ficou sempre dividida entre o filho e odiar Viola por motivos não plausíveis.

Luma era uma das personagens com mais potencial, porém também foi se perdendo completamente, com um potencial de virar uma vilã interessante, cheia de camadas, não teve história suficiente e acabou se juntando com Mavi, que tirou tudo dela dando golpe, criando um dos casais mais bizarros e mal construídos da teledramaturgia.

Mas nada supera o desrespeito em relação a personagem de Viola. É estranho o quanto João Emanuel Carneiro parece ter perdido completamente a mão. Primeiro criou uma amizade interessante entre a cozinheira e Luma, depois destruiu, depois criou um romance entre ela e Rudá, que o público não comprou, porque o projeto de galã foi também mal concebido.

Fonte: Rede Globo

E isto só piorou à medida que a novela não conseguia encontrar um caminho para seguir, virando uma trama aleatória onde nem os núcleos paralelos funcionavam. A vendedora Dhu (Ivy Souza) e sua família de encostados não tinha nenhuma graça, mais uma família negra desperdiçada, mas o único potencial ali, ficou somente a matriarca se tornando Chef de cozinha no final foi algo que podemos dizer que foi legal, mas mesmo assim foi um dos raros momentos.

O núcleo de Berta (Eliane Giardini), Leidi (Thalita Carauta), Sirley (David Junior) e Isis (Mariana Ximenes) com uma trama que copiava na cara dura a história do filme “Parasita” foi outra parte que não funcionou e ainda criou uma crise de desperdícios de atores e atrizes que mereciam um texto melhor, não aquela patacoada que entregaram na mão deles.

Estou exemplificando aqui um problema geral de “Mania de Você”, a falta de foco. Não existe um objetivo, nem sequer uma tentativa de ser um folhetim clássico, desta forma, todas as tentativas de viradas da trama, praticamente não funcionaram e o pior, a personagem Viola foi usada na maioria delas e depois descartada.

Fonte: Rede Globo

A primeira virada e talvez a mais marcante, foi quando Viola se revoltou e brigou com Luma durante uma festa no famoso restaurante “Voilà Violeta” onde boa parte da narrativa se passa, resultando na mocinha dando uma panelada e sendo punida por tal feito. Ali a novela podia ter seguido um caminho seguro, apostado nesta rivalidade feminina, deixando o quadrado amoroso em segundo plano, mas resolveu embolar ainda mais as coisas, até porque irritantemente “o jogo vira o tempo todo”.

A Viola praticamente passou por tudo na novela, Gabz coitada teve vários momentos em que precisava fazer um esforço físico em vão. Na tentativa de fazer a trama acontecer e despertar interesse de um público ainda mais disperso, a personagem sofreu acidente, perdeu a memória, caiu de um helicóptero, foi dada como morta, voltou, tentou vingança, perdeu o namorado da forma mais injusta possível com retorno de Molina (ninguém pediu) e depois sumiu.

Na reta final de “Mania de Você”, o autor simplesmente desistiu da sua protagonista. A trama que terminou agora a pouco perdeu totalmente os eixos, a ponto de o autor ter desistido e o texto estar tão ruim que parecia algo sendo escrito por IA, tanto que as narrativas malucas que bolaram para tentar fechar a história que não se parece em nada com a primeira fase da novela, são medonhas.

Fonte: Rede Globo

E Gabz tem culpa por isso? Claro que não, se tem uma coisa que ela não tem culpa é ter uma personagem tão mal desenvolvida. Como os esforçados Chay Suede e Agatha Moreira também não tem, até mesmo Nicolas Prattes, que saiu mais cedo da novela dando graças a Deus.

 Mas uma coisa ficou na minha mente depois de ter visto boa parte de “Mania de Você”, não adianta representatividade e oportunidades de atrizes negras serem protagonistas, senão tiverem autores escrevendo a altura para elas, como já teve para outras atrizes brancas no mesmo status.

O receio da representatividade vazia é o que mais me incomoda em “Mania de Você” e é o que a Globo acaba fazendo em determinados momentos, usar minorias como plataforma e não dar o espaço e oportunidades devidas, as colocando em projetos duvidosos e minando qualquer oportunidade de protagonizar outro trabalho posteriormente.

No final das contas, Gabz fez sua parte, mas sua Viola vai ficar marcada como a mocinha que podia ter sido, mas foi ceifada da história, porque não souberam escrever prá ela. Espero de coração que esta derrapada seja uma lição e que é muito feio você ter uma protagonista e reduzi-la a coadjuvante na última semana na novela com uma contagem de cenas que não tem nem 20 minutos se somadas. Representatividade e oportunidades a gente não quer desta forma, ou façam certo, ou não façam, nossas atrizes e atores pretos merecem respeito e merecem mais.

Gostou? Comente o que achou do final de “Mania de Você” e fale um pouco do que você acha do texto.

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