Obra prima! O filme dirigido por Barry Jenkins segue como um dos produtos mais autênticos das últimas décadas trazendo uma história recheada de drama, amor e negritude.

O cinema de arte é uma das mais belas apresentações que no formato de filme, não só pela forma criativa com que conta suas histórias, mas como a narrativa se transforma em uma interpretação da alma humana refletida na tela, onde também os cineastas costumam ter maior controle de seus trabalhos entregando visões únicas e profundas que ajudam a capturar a atenção do público de uma forma inimaginável.
Um desses exemplos é o belíssimo “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (Moonlight, 2016), obra vencedora do Oscar de Melhor filme de 2017 que nada mais é do que uma crônica sobre infância, adolescência e vida adulta de um jovem negro que tenta compreender a si mesmo como pessoa, enquanto tenta escapar da criminalidade da periferia e do ambiente conturbado em casa.
A forma como o diretor Barry Jenkins (The Underground Railroad – Caminhos da Liberdade) conduz a narrativa é simplesmente louvável, um cineasta que concebe uma trama delicada que conta a história dividida em três partes, na verdade em três atos, onde a primeira parte acompanhamos a história de “Pequeno” (Alex R. Hibbert), que cresceu dentro de um lar caótico com mãe viciada em crack Paula (Naomie Harris), encontra na figura do traficante Juan (Mahershala Ali) e sua companheira Teresa (Janelle Monáe), um porto seguro onde enxerga o casal como uma espécie de figura familiar.

O roteiro escrito pelo próprio Jenkins baseado na autobiografia não publicada de Tarell Alvin McCraney, consegue trazer um grande aprofundamento em uma história que parece simples na superfície, porém tem grande complexidade na forma como tece a jornada do jovem Chiron e como o garoto começa a entender a própria sexualidade ao se interessar por garotos, mas precisa conviver com o bullying na escola e o fato da mãe odiá-lo por ser “diferente”.
É tratando desses assuntos delicados que torna “Moonlight – Sob a Luz do Luar” uma trama única que não só introduz a complexidade das camadas sociais de uma pessoa gay preta de periferia que tenta sobreviver numa sociedade perigosa e preconceituosa, sofrendo tanto as vertentes do racismo quanto da homofobia que acabam por ganhar ainda mais nuances quando entramos na segunda parte do filme denominada “Chiron” (Asthon Sanders), onde o jovem adolescente lida com sua primeira paixão e termina sucumbindo a própria fúria que muda seu destino para sempre.
Ao se apoiar num tom mais contemplativo e menos descritivo, Barry Jenkins confia na capacidade do seu público de enxergar cada detalhe, crítica social e virtudes que a jornada do protagonista tende a oferecer. É nítido a forma como somos contemplados com uma história que possui camadas em cima de camadas que não só exemplificam como a sociedade humana pode ser cruel e como falha em resgatar ou dar amparo as jovens de periferia que sofrem com descaso e acabam sucumbindo ao mundo da criminalidade.

É claro que o longa também é uma história de romance, as idas e vindas de Chiron e seu amigo Kevin é algo que é desenvolvido desde o primeiro ato que carrega um peso que reverbera na parte 3 denominada “Black” (Trevante Rhodes), onde vemos Chiron adulto agora um traficante conhecido e que se vê novamente encontrando Kevin (Andre Holland), com quem tem uma conexão desde criança.
A forma como “Moonlight – Sob a Luz do Luar” se desenvolve é simplesmente arrebatador e também fácil de assimilar, mas claramente não é um filme que vai agradar a todos, mas com certeza deve surpreender aqueles que esperam algo mais de um longa que sai do seu lugar comum para entregar uma crônica urbana carregada de negritude e que se diferencia por mostrar um menino gay se descobrindo e abraçando tudo aquilo que o fez se tornar um homem mais forte e dono do seu próprio destino.
E o filme não para por ai, as atuações são um caso a parte, mas muito disso se deve ao excelente elenco coadjuvante, Mahershala Ali (O Canto do Cines) no papel de Juan traz uma sensibilidade e ancestralidade negra que ajudam a moldar o jovem “pequeno” funcionando como uma figura paterna que guia o garoto numa sua própria jornada, a cena do mar é belíssima. Ali é intimidador e ao mesmo tempo carinhoso conseguindo atuar de uma forma bastante consistente que no final lhe rendeu um merecido Oscar de ator coadjuvante.

Outro grande destaque é Janelle Monáe (Glass Onion: Um Mistério Knives Out) no papel de Teresa, mostrando uma veia dramática na medida, a atriz cantora manda muito bem. O ator Trevante Rhodes também é outro que merece um destaque aqui, pela sua sensibilidade principalmente nas cenas finais entre Chiron e Kevin. E por último, mas não menos importante, Naomie Harris (007 – Operação Skyfall) no papel de Paula, uma atuação impecável e visceral, capaz de nos arrebatar com desespero e medo de forma bastante realista como poucas vezes se viu em tela.
Em termos técnicos, a trilha morosa e suave de Nicholas Britell (Succession) dá um tom mais lúdico a história acentuada pela excelente cinematografia de James Laxton que consegue diferenciar de uma forma genial as três épocas vividas por Chiron com paletas de cores que vão do azul, passando pelo roxo e chegando no azul escuro, tudo isso equilibrado pela direção de Jenkins que em nenhum momento deixa a desejar, entregando tudo aquilo que se espera de um futuro grande diretor.
No geral, “Moonlight – Sob a Luz do Luar” é uma belíssima obra de arte, tão complexa e cheia de grandes momentos, o longa foge de um lugar comum para entregar uma narrativa arrebatadora que requer atenção nos detalhes e exaltação pela competência técnicas, bem como as atuações do elenco. No mês do orgulho LGBTQIAPN, este longa é uma obra prima que abraça a temática de forma sincera e melancólica, que merece ser revisitada para quem já assistiu e descoberta por aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de assistir. Ao contar a história de um menino preto gay de periferia, o filme consegue trazer identidade e originalidade em uma trama que é sincera quando precisa ser, incisiva quando precisa despertar nosso senso crítico e fantástica quando precisa mostrar a força do cinema de arte na sua essência. O público amante de cinema, agradece.

“Barry Jenkins dirige um filme formidável que equilibra drama, críticas sociais e uma sensibilidade narrativa poucas vezes vista em tela. “Moonlight – Sob a Luz do Luar” é a negritude em sua essência que mistura o aspecto cultural e o impacto social na jornada de um garoto descobrindo sua própria sexualidade e tomando as rédeas do próprio destino mesmo sofrendo com o pior que a sociedade pode carregar. Sensível e romântico, lindo e arrebatador, reflexivo e emotivo. O puro cinema negro retratado em sua plenitude” – Certificado Excelência Negra.
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