Engraçada, crítica e bem humorada, esta comédia francesa foca na negritude da periferia para trazer uma paródia política pontual e que sintetiza a ânsia dos filhos de descendentes por representação na França atual.

Uma das coisas mais interessantes do entretenimento de massa na expansão dos streamings, é a capacidade e facilidade que temos de ter acesso a diversas produções diferentes de diversos países que nos permite conhecer não só outras culturas e outras formas de pensar, mas também perceber que temos muito em comum quando olhamos para problemas como divisão de classe, desigualdade social, imigração, dentre outros assuntos importantes que acabam por se tornar universais independente da nacionalidade.
Digo isso para falar da nova série da Netflix, “Presidente por Acidente” (En Place, 2023), produção francesa que é uma sátira política que conta a história de Stéphane (Jean-Pascal Zadi), cidadão francês, negro e com pais descendentes de imigrantes africanos que tenta buscar melhores condições para jovens na periferia da capital francesa através de seu trabalho social, acaba se tornando candidato à presidência após ganhar visibilidade ao enfrentar um inescrupuloso candidato político durante uma entrevista com a presença da imprensa.
A série criada por François Uzan e Jean-Pascal Zadi é bastante direta e pontual, voltando seu olhar para a parte marginalizada da França ao dar voz as classes mais pobres através de um protagonista que é puro carisma e que parece crescer nas pesquisas fazendo o simples, o seriado também aproveita para mostrar o lado sujo da política e como na maioria das vezes é deslocada da realidade que vive o próprio país.

A narrativa é basicamente uma paródia que trata a candidatura do Stéphane de forma absurda e inusitada, mas o roteiro é esperto o suficiente para fazer suas críticas sociais que ajudam a enriquecer um contexto que soa atual e reflete muito do que a França como país de base imigrante é hoje. Os showrunners conseguem aqui trazer um clima leve, personagens interessantes e boas risadas sem que o humor pareça gratuito.
Tudo isso é tratado de uma forma bastante dinâmica em seis episódios numa temporada que no final das contas soa curta, ainda mais que o piloto “Início da Jornada” (1×01) mostra um potencial imenso e é bastante eficiente em estabelecer rapidamente sua história colocando Stéphane para se candidatar a um cargo presidencial sem ter nenhuma experiência política anterior, apenas um trabalho como assistente social onde ajuda jovens negros da periferia, como o esperto Lamine.
É claro que se nota aqui um seriado com orçamento modesto, onde a disputa presidencial fica com cara de disputa municipal inicialmente, exatamente porque o roteiro não consegue dar a sensação de que todo o país está envolvido, mesmo que usem o artifício de colocar o circo midiático como ferramenta para mostrar que o país está em polvorosa, a sensação é que temos que apenas Paris está realmente em clima eleitoral e ligada nesta disputa como podemos ver no episódio “Em Construção” (1×02).

O contexto do seriado tenta mostrar uma França que ainda se prende a valores conservadores ao eleger sempre os mesmos tipos de candidatos, então a ideia de um cidadão negro concorrer à presidência soa fora da curva até mesmo para as pessoas envolta de Stéphane, incluindo sua esposa e sua mãe, mas é através deste aspecto inesperado que a série tira seus melhores momentos provocando o senso crítico do seu público.
A verdade é que “Presidente por Acidente” é sobre como a França ainda tem dificuldades de aceitar o quão diverso seu povo é e como os candidatos políticos não conseguem enxergar as chamadas “minorias”, a não ser que seja por interesse durante períodos eleitorais, a série não só fala sobre a marginalização das pessoas pretas nas periferias, mas também fala sobre machismo na política, fala sobre a representatividade muçulmana no país, bem como representatividade feminina, além das diversas questões sociais e culturais que tornam uma disputa eleitoral como esta algo complexo de ser mensurado mesmo sendo ficção.
A série se divide entre mostrar Stéphane se preparando para disputa durante a campanha sendo moldado pelo seu gerente de campanha William (Eric Judor), e seus rivais tentando sabotá-lo à medida que vai crescendo nas pesquisas. A obra é boa em manter episódios com 30 minutos de duração que seguram nossa atenção não só pelo humor, mas também pelos bons ganchos como nos episódios “Território desconhecido” (1×03) e “Em risco” (1×04).

É claro que a trama não escapa dos clichês e dos defeitos, ao mostrar a trajetória meteórica de Stéphane, acaba sendo deixado de lado seu desenvolvimento com a esposa que está tentando ter filhos, bem como o desenvolvimento em relação a conflituosa relação com pai ausente, que aqui é pincelada, mas não aprofundada. O que mostra que a série se beneficiaria de um formato com oito ou dez episódios para cobrir todas as subtramas que estabelece.
Ainda assim, o arco da primeira temporada é bem conduzido na maior parte do tempo, tendo seu ápice no antológico episódio “Ao Vivo” (1×05) quando Stéphane e sua rival na disputa presidencial Corinne (Marina Foïs) ficam frente a frente numa narrativa tão absurda, escatológica e crítica que mostra que política não é para amadores e um grande show horrores midiático capaz de destruir ou levantar um candidato.
De uma forma geral, “Presidente por Acidente” é uma sátira bem feita, é crítica na medida e consegue trazer uma síntese de uma França atual e diversa, que mostra um país que tem em sua base imigrantes negros que clamam por espaço e visibilidade, com episódios leves e bem humorados, além de um protagonista muito bom representado por um Jean-Pascal Zadi que é puro carisma e presença, esta obra é uma das gratas surpresas do ano até o momento por escancarar através dos absurdos do meio político numa paródia pontual, ácida e que clama por uma renovação após o resultado do episódio final da temporada “Obstáculo Final”(1×06) com resultado da eleição. Netflix, faça sua parte.
Gostou? Veja o trailer e comente se já conferiu a primeira temporada desta série.


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