“Não! Não Olhe!” – Crítica

Em seu terceiro filme, Jordan Peele cria uma história imersiva, intensa e com conceitos complexos que exigem mais atenção e paciência dos expectadores em uma das tramas mais instigantes do ano.

Fonte: Universal Pictures

O que o universo guarda? Nesta vastidão intergaláctica sempre imaginamos a vinda de seres extraterrestes para este planeta e como isso mudaria tudo que entendemos sobre organismos vivos existentes. Porém não é sobre isso que o último filme da coluna “Trilogia Peele” se trata, talvez tenha um pouco disso, mas aqui vemos o terceiro trabalho de Jordan Peele se transformar em um longa com ecos de filmes B e a vontade ser um clássico cult, mas será que o diretor tem as nuances necessárias para isto?

Respondendo rapidamente essa pergunta, sim. Peele parece querer se desafiar a cada novo trabalho e o longa “Não! Não Olhe!” (Nope, 2022) é a prova que o cineasta está preparado para o próximo passo do amadurecimento da sua própria cinematografia. A história deste filme não tem muitas novidades, assim como “Corra!” e “Nós”, Peele parece querer tirar algo complexo de assunto mais comum gerando diversos conceitos minimalistas a serem trabalhados num escopo maior e mais caótico.

A trama aqui conta a história dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) que vivem uma vida pacata numa antiga ravina com pai (Keith David), porém eventos estranhos começam a acontecer e acaba por mudar a vida da família Haywood de forma drástica e inesperada. O que você precisa saber aqui é que esta obra não é genérica ou banal, cada cena tem um significado diferente, uma intenção por trás e a certeza de que nem tudo é o que parece, mas coincidências são o elo que unem os arcos apresentados na narrativa.

Fonte: Universal Pictures

Explico, “Não! Não Olhe!” traz uma trama que é claramente inspirada em filmes de conspiração e mistério sobre alienígenas, porém este sci-fi de suspense começa a quebrar as expectativas do seu público aos poucos entregando um frescor narrativo que se aprofunda em questões interessantes que Peele já havia trabalhado nos seus dois longas anteriores, mas aqui ganham contornos diferentes e um amadurecimento que não precisa ser tão expositivo sobre os mistérios, mas usar a parte técnica para criar todo um clima antecipação de que algo que está para acontecer.

Talvez o primeiro ato demore um pouco a engatar, mas claramente o longa requer um comprometimento do expectador, trabalhando com paciência o desenvolvimento do suspense salpicado com um humor refinado, separando em capítulos sugestivos em histórias que parecem soltas, mas que se complementam de certa forma. Por isso é preciso assistir a este filme sem procurar respostas, apenas se deixando levar pelas sequências menores onde o suspense acaba nos pegando de surpresa (a cena do estábulo e a cena no estúdio de filmagem de um programa familiar são de arrepiar), e pelas sequências mais grandiosas onde perdemos fôlego com belas tomadas de ação (a sequência do ataque a casa e todo o terceiro ato são espetaculares).

É perceptível que “Não! Não Olhe!” é um filme onde os aspectos técnicos chamam bastante atenção, seja pela fotografia incrível, seja pela direção precisa e seja pelos efeitos sonoros que ajudam a causar uma imersão imediata (assista na maior tela e som possíveis), principalmente quando a trama mostra a que veio num segundo ato cheio de boas reviravoltas e ação ininterrupta muito bem montada aproveitando o escopo dos cânions dos EUA onde a trama se passa conseguindo criar uma atmosfera sufocante mesmo ao ar livre, fazendo o céu um cenário intrigante a ser explorado.

Fonte: Universal Pictures

Ainda que o filme guarde alguns enigmas, fica muito claro as intenções de Jordan Peele (a forma como ele filma os planos abertos é sensacional) aqui, percebendo que ser mais contemplativo ajuda a tirar seu público da zona de conforto para tentar entender uma história que não tem respostas fáceis, mas que explora o imaginário humano e sua capacidade de enxergar mais daquilo que está sendo exposto na tela e lutar para sobreviver a uma possível ameaça que vem do céu e vai muito além da sua compreensão, e muito disso enxergamos pelo ponto de vista do protagonista OJ. Desta forma a obra acaba conseguindo misturar temáticas sobre alienígena, extinto animal, admiração pelo oculto, sobrevivência do mais forte, dentre outros pontos pertinentes.

Mais uma vez, o diretor traz o protagonismo negro em destaque com algumas atuações consistentes, como Daniel Kaluuya (Pantera Negra) retornando sua parceria com Peele e entregando outro bom personagem, porém desta vez o ator acaba sendo ofuscado por uma excelente atuação de Keke Palmer (As Golpistas) que rouba toda a cena que aparece no papel de uma personagem elétrica, inteligente, esperta, com sotaque marcante e cheia de personalidade. O longa ainda conta com um elenco diverso que tem Steve Yuen (Minari: Em Busca da Felicidade), Keith David (Armageddon) e Michael Wincott (Fora de Controle).

Mesmo com esses destaques, ainda acho que o longa peca um pouco no desenvolvimento de personagens que poderiam ser mais aprofundados num universo e parece crescer em mitologia de forma constante à medida que vamos chegando ao ponto de desfecho da trama. Eu entendo que Peele queria focar mais na história, mas seus trabalhos anteriores mostram que uma de suas grandes marcas é exatamente conseguir tirar atuações excelentes em personagens complexos, aqui, por mais que tenhamos indícios disso, o diretor prefere trocar esse desenvolvimento pelo espetáculo visual.

No geral “Não! Não Olhe!” é um filmaço, um atestado da competência e amadurecimento de Peele na direção e sua capacidade de criar histórias instigantes e arrebatadoras. Este longa não é só um dos melhores do ano, mas também feito para se tornar um dos grandes clássicos modernos do gênero, é puro entretenimento com uma trama que te deixará com tantas emoções, que é impossível não pensar sobre ela após os créditos começarem a subir. Talvez a forma como a narrativa seja entregue não agrade a maioria do público, mas com certeza é um presente para quem é fã de histórias originais, caóticas, visualmente acachapante e com desejo de marcar nossa memória de uma forma única e inesquecível.

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Leia sobre os outros textos da “Trilogia Peele”, aqui.

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