Ao usar melhor seu formato de série, esta produção nacional da Netflix chega a seu terceiro ano sabendo o que quer contar e sabendo para onde quer ir, prendendo a atenção do público com bons ganchos e um sentimento de final de jornada.
Seriados nacionais estão cada vez mais populares no Brasil, um país que ainda tem seus olhos voltados para o formato de novela, passou a ver em seriados norte americanos uma alternativa de entretenimento. Em termos de seriados brasileiros, ainda temos uma dificuldade em estabelecer arcos narrativos, um roteiro mais enxuto, ganchos empolgantes e atuações consistentes ao longo de seus episódios, mas isto está mudando, um exemplo de seriado bem sucedido e atual é a produção médica “Sob Pressão”.
Um terreno onde a Globo domina no Brasil, a Netflix passou a investir pesado em produções nacionais. Desta leva, tivemos em 2019 a estreia do seriado “Sintonia”, parceria da Netflix com a produtora de funk Kondzilla que traz uma história na periferia paulista contando a história de três amigos que crescem juntos, mas seguem rumos diferentes na busca de sonhos e realizações.
Após duas temporadas, a série protagonizada por Christian Malheiros (7 Prisioneiros), Jottapê Carvalho (Avenida Brasil) e Bruna Mascarenhas conseguiu se consolidar e ganhar muitos fãs por trazer uma linguagem popular, muito funk, um urbanismo que mostra o dia-a-dia de uma favela paulista com todos seus problemas, perigos e também suas qualidades mostrando pessoas que são mais gente como a gente conseguindo uma conexão imediata com o público.
Durante a primeira temporada, vimos Doni (Jottapê), Nando (Christian) e Rita (Bruna) tomara rumos diferentes na vida, com o primeiro começando sua jornada para se tornar um grande cantor de funk, o segundo tentando entrar para o tráfico e subir na hierarquia da favela e a terceira tentando encontrar um rumo da vida ao crescer sozinha num ambiente cheio de dificuldades.
A segunda temporada foi praticamente carregada nas costas pela trama do Nando, que à medida que enfrentava seus dilemas, caia ainda mais na vida do crime e ganhava a confiança dos traficantes mais perigosos da comunidade. A trama de Doni evolui bem o transformando numa estrela do funk muito rápido. A trama da Rita foi a mais problemática, pois é a que menos andava enquanto a personagem começava a sair da vida cotidiana e começava sua caminha dentro da igreja evangélica.
E assim chegamos na terceira temporada, depois de um gancho e uma ação caótica deixado no final da anterior que acabou resultando numa morte trágica e impactante. O tempo passou quando vemos o episódio “Vidas Que Nascem” (3×01) onde encontramos nossos três protagonistas em diferentes momentos de suas jornadas. Nando esta preste a ser pai e consolidado como cabeça do tráfico, Doni está em Paris, curtindo o sucesso da carreira de funkeiro e Rita começa partir para vida política apoiada pela igreja.

Com todos os defeitos que a série possa ter, “Sintonia” chegou num patamar interessante, onde claramente os roteiristas tem mais controle da história, o elenco responde melhor ao roteiro e os arcos narrativos estão mais encorpados conseguindo assim trazer tensão, suspense e emoção na medida certa.
As três tramas focados nos três amigos se desenvolvem de forma consistente se intercalando quando o roteiro pede, o arco principal dessa temporada continua na minha visão sendo o de Nando, é o mais significativo e reflete mais nas duas outras tramas. A ascensão do personagem é nítida, mas agora ganham um peso a mais quando o personagem decide que quer deixar a vida de crime e viver de forma legal com a família. Neste ponto Malheiros manda muito bem na atuação e consegue passar certa humanidade ao seu personagem, mais uma vez mostrando um protagonismo negro forte.
Ainda que esta trama flerte com o estereotipo do “negro bandido” e de uma certa romantização do crime servindo como ponto negativo para esse lado da história, fica claro que as coisas aqui não são pretas no branco e o futuro para o personagem parece até óbvio, ainda mais quando sabemos o destino de alguém quando embarca numa onda criminosa. Por outro lado, temos a trama de Rita, personagem que demorou a acontecer na segunda temporada, mas que aqui rende muito mais.

Trazer um arco de corrupção, alienação religiosa e política para a história de Rita foi um ponto que achei estranho na temporada anterior, mas aqui a trama finalmente acontece, mostrando os dilemas da personagem em equilibrar seus deveres em relação a igreja e ainda servir de voz para comunidade. Os episódios “Vulgo Formigão” (3×02) e “Quem me protege não dorme” (3×03) apontam que a personagem chega num ponto de amadurecimento bastante significativo e acabam resultando em boas reviravoltas no decorrer da série.
A terceira ponta do triângulo, Doni, tem outro arco bastante promissor, porém ao trazerem a trama sobre a decadência de um funkeiro, plágio e consequências da fama, acaba por mostrar um lado menos interessante do personagem num arco que não surpreende muito, apesar de ainda entregar bons momentos musicais que por sinal, ficaram bem coadjuvantes na terceira temporada, mas ainda assim entregam algumas boas músicas principalmente entoada pela MC Luzi (Fanieh).
Talvez o que não agrade nesta terceira temporada de “Sintonia” seja o fato de a série ainda ter algumas atuações meia boca que as vezes atrapalham um pouco o desenvolvimento da história, a namorada de Doni, Tally vivida pela atriz Gabriela Mag é bem fraquinha, sua química com Jottapê não é das melhores também. Matheus Santos como personagem Formiga também fica devendo muito neste quesito, mesmo com seu personagem ganhando mais espaço. De resto o elenco é razoavelmente bom e funciona como suporte para os protagonistas.
Em termos de formato, o seriado se adaptou bem deixando as amarras que o prendiam ao estilo novelesco de lado e passando a ser uma trama bem desenvolvida e com ótimos ganchos. Até mesmo em sequências como na reunião de traficantes, agora são mostradas de uma forma melhor, como podemos ver no bom episódio “Deus e as Ideias” (3×04) onde a trama começa a tomar contornos dramáticos quando Doni paga pelas consequências de seus atos acabando precisando da ajuda do amigo Nando.
De uma forma geral, o seriado traz mais um ano consistente, ainda que não seja o melhor, nota-se claramente um equilíbrio entre as tramas e um sentimento de despedida desses personagens, que começam a chegar num ponto de definição. Os eletrizantes episódios “Saidinha de Banco” (3×05) e o final da temporada “O Começo do Fim” (3×06) tiram o melhor da série conseguindo emocionar e criar grandes expectativas para o futuro principalmente o episódio derradeiro, que deixa um gancho espetacular que promete deixar qualquer fã da série pedindo logo uma quarta temporada.
É bom ver um seriado nacional chegar no seu terceiro ano depois de um longo hiato e ainda assim não perder ritmo, pois “Sintonia” se consolida não só como um bom drama, mas um produto bem acabado, popular que explora amizade na periferia e traz um lado mais “povão” que costuma ser ignorado em outros produtos televisivos. A audiência agradece.
Gostou? Veja o trailer e comente abaixo se já assistiu a temporada.


2 comentários sobre ““Sintonia” – 3° Temporada – Crítica”