Usando a tradicional trama de vingança, este longa reúne as maiores estrelas negras da atualidade num longa violento, estilizado e marcante em uma das melhores produções do ano.

O gênero faroeste ou western é muito popular que faz parte da longa história do cinema tanto na era de ouro quanto no período pós-moderno de Hollywood. É claro que entre longas como “Era Uma Vez No Oeste”, “Sete Homens e um Destino” e qualquer filme protagonizado por Clint Eastwood relacionado ao tema, por mais interessante que fosse de assistir, sempre falta alguma coisa, representatividade.
Antes que você comece a torcer o nariz para a palavra, é preciso entender minha intenção ao citá-la. Longas desse tipo normalmente se passam no meio oeste norte americano, tem em sua maioria protagonista e atores brancos mostrando a história de comunidade brancas vivendo e ajudando na colonização do meio oeste, sem espaço para saber o papel de pessoas não brancas na conquista da exploração e expansão do território dos EUA neste período. A verdade é que elas não só existiriam, como também são parte de tudo que consolidou o território norte americano atual.
É isso que a nova superprodução da Netflix, “Vingança e Castigo” (The Harder They Fall, 2021) tenta mostrar ao trazer uma narrativa com nomes e personagens baseado em pessoas negras reais que fizeram história naquele período, a ideia do diretor e roteirista Jeymes Samuel (They Die By Dawn) e seu co-roteirista Boaz Yakin (Duelo de Titãs) era não só fazer um revisionismo da história norte americana no período do velho oeste, como também criar um universo onde todos esses personagens negros coexistissem num mesmo período com tudo isso sendo alimentado por uma história de vingança.

Desta forma o longa conta a história de Nat Love versão criança interpretado por Chase Dillon (The Underground Railroad) e a versão adulta interpretada por Jonathan Majors (Destacamento Blood), que tem sua família assassinada pelo famoso criminoso procurado Rufus Buck (Idris Elba) que poupou a vida de Love o marcando com uma cicatriz para lembrá-lo do ocorrido. O roteiro como eu disse segue uma premissa simples, mas consegue criar uma mitologia própria com diversos personagens e cidades fictícias se passando na região de Salinas, Texas.
O fato é que “Vingança e Castigo” é um filme de muita personalidade e estilo próprio que ao colocar se elenco majoritariamente negro, tem a intenção de dar voz aos pistoleiros, heróis, bandidos, ladrões e cidadãos negros que viveram nesta época, mas que em nenhum momento são citados nas grandes histórias. Acredito que olhando por esse ponto de vista o longa é muito feliz e consegue na maior parte do tempo criar uma narrativa com um bom ritmo, salpicado com boas reviravoltas e um desfecho redondinho.
Para chegar neste ponto, a trama se divide após o prólogo já no presente entre dois bandos de criminosos famosos que eventualmente tende a se cruzar num futuro próximo. O primeiro grupo apresentado numa ótima sequência inicial em um trem, temos Trudy Smith (Regina King) e Cherokee Bill (Lakeith Stanfield) junto com seus comparsas resgatando Rufus durante a sua transferência prisional.

Neste ponto você perceberá se o filme é ou não do seu gosto, todo o tom empregado por Jeymes Samuel resgata não só os melhores momentos do gênero, com assaltado, artilharia pesada, bandidos cruéis, personagens conhecidos pela longa lista criminal, tudo regado a muita violência, tensão e música. O primeiro ato é um belo cartão de visita e funciona por conseguir apresentar bem os dois grupos em disputa.
O grupo de Nat Love por outro lado, é composto pela bela Mary Fields (Zazie Beetz), o ágil Jim Beckworth (RJ Cyler), a carrancuda e perigosa Cuffee (Danielle Deadwyler), o preciso Bill Pickett (Edi Gathegi) e posteriormente se juntando ao bando Wiley Escoe (Deon Cole) e o xerife Bass Reeves (Delroy Lindo). A narrativa é muito bem definida, com um primeiro ato que apresenta bem os personagens e uma segunda metade que parte para ação.
Talvez “Vingança & Castigo” cause estranheza por colocar músicas com uma pegada mais moderna em um filme de época, mas o histórico do diretor Samuel o credencia para tentar ousar um pouco dentro do enredo que criou. Pessoalmente posso dizer que nem todas as músicas se encaixam no filme e as vezes elas surgem fora de hora, porém quando ele acerta isso engrandece não só a jornada de um determinado personagem aumentando a carga dramática, mas também das cenas de ação principalmente no ótimo terceiro ato.

Na questão de produção, o filme é muito bem-feito, seja na construção das cidades e nos figurinos de época, além da bela fotografia que privilegia belas paisagens, assim como consegue ressaltar bem a bela negra em tomadas internas ou no meio da cidade, isso também pode levar em conta também os méritos da direção que traz planos longos em sequências bastantes estilosas dando um escopo cinematográfico bastante marcante que nos deixa curioso como ficaria se fosse visto na tela grande.
A trilha sonora como citei anteriormente, funciona quase como um personagem no filme e dá bastante ritmo trazendo artistas do hip hop e rap do calibre de Jay-Z dentre outros grandes nomes que farão o público procurar o álbum completo após terminarem de assistir. Outro ponto forte do filme é seu grande elenco, aqui o roteiro consegue dar espaço aos grandes nomes e somos brindados com atuações consistentes de atores que parecem se comprometer a cada cena tornando seus personagens ainda mais interessantes de acompanhar.
Os destaques aqui ficam por conta de Jonathan Majors no papel de Nat Love, mais uma vez o ator mostra versatilidade num papel que exige tanto dramaticamente quanto fisicamente dele, além é claro entregar outra boa atuação e ter uma química magnética com Zazie Beetz (Deadpool 2) que também está bem no papel de Mary Fields. Gosto também da atuação de Regina King (Se a Rua Beale Falasse) no papel da perigosa Trudy Smith, King normalmente é amável, mas neste papel é difícil não odiá-la, mas é bacana vê-la fazer alguns stunts em cenas de ação, destaque para sua briga final com a personagem de Mary em um dos pontos altos do filme.
Outros destaques vão para Lakeith Stanfield (Atlanta), Delroy Lindo (Destacamento Blood), Edi Gathegi (X-Men: Primeira Classe) e RJ Cyler (Power Rangers), todos muito bem em seus respetivos papéis, Idris Elba (Alma de Cowboy) está ótimo como vilão Rufus com destaque para sua cena final que ele divide com o personagem de Majors apresentando uma carga dramática altíssima. A grande surpresa para mim aqui foi Danielle Deadwyler (Watchmen) no papel de Cuffee, uma personagem que nutre um sentimento secreto por Mary, é uma pistoleira hábil e se sente confortável em roupas mais masculinas, uma mulher que não segue os padrões impostos pela sociedade da época se torna aqui uma das personagens mais surpreendentes do longa.
Ainda sobre o filme, gosto de destacar o quanto o roteiro presta reverências ao gênero e também a negritude ao longo da jornada desses personagens e o quanto se sente à vontade ao ironizar velhos clichês deste tipo de temática, você vai perceber vários easter eggs inclusive uma singela homenagem a Chadwick Boseman em uma determinada cena do filme, em outro momento a escrita usa de um tom irônico ao mostrar uma certa segregação em uma cidade que possui apenas brancos, tudo isso com um humor refinado que alfineta, mas não constrange.
No geral “Vingança & Castigo” é um épico e um deleite para quem gosta de faroeste tradicional e é representativo da maneira certa ao colocar protagonistas negros no centro da trama que traz sequências de ação muito boas (toda a sequência do terceiro ato é de tirar o fôlego), as vezes um pouco violentas demais, mas em sua maioria muito bem feitas criando emoção e tensão nos momentos certos, surpreendendo na direção e mantendo um ritmo alucinante que é impossível não desgrudar da tela. Com um elenco cheio de estrelas, uma história redondinha que se não traz grandes surpresas, ao menos entrega um faroeste honesto num filme de tamanha personalidade que acaba por se tornar um dos melhores do ano até o momento.
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