Uma premissa interessante, um desfecho familiar, mas no geral a criatividade de fazer uma releitura da história de “João e Maria” é o que torna este longa de mistério especial.

Uma coisa que tenho notado ultimamente é que estamos sendo bombardeados com muito conteúdo, seja filmes ou séries, nesta guerra de streaming fica difícil saber o que escolher para assistir, ainda mais com tempo limitado que temos, afinal vida do ser humano não é fácil, trabalho, estudos e família é complicado. Eis que com essa imensidão de variedades, podemos perder produtos que passam despercebidos devido à falta de divulgação.
Acontece que isso tem acontecido muito com a Netflix, um streaming que lança dezenas de conteúdo por semana o ano inteiro torna impossível de acompanhar em termos de novidades e até eles estão com dificuldade de divulgar os originais que possuem. Desde o final do ano passado tenho notado que vários filmes pequenos estão se perdendo no catálogo e passando despercebidos pelo grande público, eu poderia citar aqui uns vinte conteúdos entre filmes, séries e documentários que o público de massa não viu e que são bons passatempos para um fim de semana descompromissado.
Estou dando essa volta toda para falar de um desses filmes que foram pouco divulgados, seguindo o especial “Chills e Arrepios” da Netflix com a linha de filmes de terror e temática sobrenatural para comemorar o período de Halloween nos EUA, temos “Noitários de Arrepiar” (Nightbooks, 2021), fantasia sombria que conta a história de Alex Mosher (Winslow Fegley), um jovem garoto que vive no Brooklyn em Nova York com a família e adora escrever histórias assustadoras (o tal noitários do título), mas que por algum motivo, jurou não escrever mais nenhuma. Certo dia ele tenta se livrar da sua própria coleção de histórias, mas acaba entrando no elevador do próprio prédio e encontrando um apartamento macabro e acaba preso nele sendo prisioneiro de uma bruxa má (Krysten Ritter).

A premissa pode parecer piegas, mas este longa pode surpreender se você deixar se levar pela trama. Baseado no livro de horror de fantasia escrito por J. A. White, o filme é direcionado para crianças, mas vou logo avisando, que a classificação de 10 anos é totalmente equivocada, uma vez que o longa é cheio de pequenos sustos e imagens bizarras que pode deixar os pequenos sem dormir com cenas de puro terror e suspense que surpreendentemente funcionam.
O roteiro escrito por Mikki Daughtry (A Maldição da Chorona) e Tobias Iaconis (A Cinco Passos de Você) não subestima seu expectador, mas o estimula a descobrir o que está por traz dessa prisão em forma de apartamento, prisão essa que Alex precisa tentar a escapar a todo custo, encontrando na pequena e destemida Yasmin (Lydia Jewett) que se encontra na mesma situação, uma aliada que pode ajuda-los a escapar da implacável Natacha.
A narrativa começa com um arco que parece que vai ser simples e clichê, mas ao dar um ar familiar a esta fantasia, o diretor David Yarovesky (Brighburn: Filho das Trevas) consegue imprimir um ritmo que dá um tom bastante envolvente a aventura. À medida que a trama vai progredindo, o expectador vai percebendo elementos familiares, muito deles ligados ao clássico conto de “João e Maria”, algo que “Noitários de Arrepiar” surpreende em tirar algo novo e original de uma história que já foi contada diversas vezes.

Porém o filme é muito mais que isso, gosto bastante que a trama se divide em pequenos monólogos com Alex contando suas histórias como tarefa que ele tem que cumprir para não ser morto pela bruxa Natacha, são contos simples, mas que mostram o talento e imaginação do garoto em contar histórias macabras e sobrenaturais que acabam por dar o tom do longa e estabelecer uma atmosfera sobrenatural.
Em termos técnicos, mesmo que “Noitários de Arrepiar” pareça ter um orçamento limitado, as cenas com efeitos visuais e outras cenas com efeitos práticos são muito bem feitas e bem dirigidas, ponto mais uma vez para Yarosvesky que sabe aproveitar as poucas cenas de ação que o longa tem trazendo emoção e tensão, muitas delas com Alex e Yasmin tentando arranjar diversas formas de enganar a bruxa e escapar, além de enfrentar outras criaturas mágicas que vão aparecendo pelo caminho.
A fotografia, a direção de arte e o figurino são outro destaque da obra, que ajudam bastante na nossa imersão na trama. O roteiro na minha opinião é muito bem estruturado, sem falar que a reviravolta na segunda metade é um espetáculo à parte e compensa toda parte mais cadenciada da primeira metade que demora um pouco a engatar ao estabelecer sua mitologia, uma recompensa que vale cada segundo mostrando que quando se tem pessoas talentosas dirigindo e escrevendo, até o clássico mais óbvio gera a sensação de novo.

Em relação ao elenco, gostei muito de Krysten Ritter (Jessica Jones) como a bruxa Natacha, que tem um arco bastante interessante ao longo do filme e uma reviravolta bastante eficaz perto do terceiro ato, sem falar que a Ritter parece estar se divertindo no papel. A duplinha Winslow Fegley (Timmy Fiasco) e Lydia Jewett (Good Girls) são um achado, o primeiro um poço de carisma e uma esperteza que torna seu personagem muito mais fácil de gostar, a segunda com um tom mais adulto, é o lado da sensatez da dupla também não faz feio com uma boa atuação.
De uma forma geral, “Noitários de Arrepiar” subverte um pouco um gênero que as vezes parece meio batido, mas aqui ganha sobrevida com uma história boa de assistir, um entretenimento descompromissado que acaba surpreendendo pelo tom mais sério, o suspense e as diversas cenas bizarras que geram até pequenos sustos aos mais desavisados. Com uma boa atuação Ritter e da dupla mirim, o filme é um achado num ano de poucas obras acima da média. Produzido por Sam Raimi (Evil Dead, Homem Aranha), esta obra é uma fantasia sombria de qualidade e que vale cada segundo investido, com direito a um final redondinho onde as aparências podem realmente enganar, para nossa surpresa e satisfação.

Elo Preto
Personagem: Yasmin
Atriz: Lidya Jewett
Idade: 13 anos
O destaque da coluna de hoje é a jovem Lidya Jewett no papel de Yasmin, a mais nova a estrear nesta coluna, sua personagem é uma garota misteriosa, que segue as regras, mas nunca abaixa a cabeça para as maldades de Natacha. A atriz mirim é muito boa aqui, um bom contraponto ao seu parceiro de cena, além de ser um elo emocional bastante importante para história. A pequenina tem um currículo bom apesar da pouca idade, ela já participou da série “Good Girls”, além dos filmes “Feel the Beat”, “Estrelas Além do Tempo” e da recente animação “A Jornada de Vivo”, em breve será vista no filme “Ivy & Bean”, outra adaptação literária.
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