Depois de mostrar falhas no sistema judicial e policial inglês, o último filme da antologia traz um olhar voltado para educação, que apesar de haver problemas raciais sério, ainda é mostrado como um caminho de mudança.

O ensino é sempre o caminho a ser seguido quando se trata de educar uma sociedade e prepara-la para o futuro, mas quando este tipo de meio de instrução é totalmente negligenciado pelos próprios educadores quando jovens possuem problemas para aprender, o que pode resultar para famílias que não possuem condições de arcar com os custos de uma educação especial? Esta é uma incógnita que permeia no último longa da Antologia Small Axe.
Steve McQueen (Hunger) expôs os horrores do preconceito racial através da repressão covarde da polícia em “Vermelho, Branco e Azul”, depois mostrou falhas num sistema judicial que não tem leis para lidar com crimes raciais das autoridades numa Londres dos anos 70 em “Mangrove”, trouxe um respiro ao celebrar a negritude em “Lovers Rock” e mostrou que o racismo internalizado deixam marcar nos indivíduos negros em “Alex Wheatle”, porém é em “Educação” (“Small Axe: Education”, 2020) que o diretor volta seu olhar crítico ao sistema de ensino britânico.
A trama deste filme possui personagens ficcionais, mas é baseada em eventos reais ao contar a história de crianças negras consideradas “anormais” por conselheiros de uma escola tradicional de Londres que por consequência são transferidas para escolas “especiais” que acabam por revelar um preconceito institucional feito excluir alunos com dificuldade de aprendizagem ou que exigem cuidados especiais.

A narrativa escrita por McQueen e co-escrita por Alastair Siddons (Tomb Rayder: A Origem) foca o enredo na figura de Kingsley Smith (Kenyah Sandy), um menino apaixonado pelas estrelas, mas que não consegue assimilar a matéria ensinada pelos seus professores e tem um grande dificuldade para ler e compreender textos aparentemente simples, enquanto sofre para acompanhar sua turma na escola e age arrumando problemas durante as aulas, o garoto escolhe mentir para sua família tentando passar a impressão de normalidade e sofrer com as duras do pai.
Neste contexto vemos os dois lados de um mesmo problema que “Educação” evidencia, por um lado a família de Kingsley parece não perceber os problemas que ele enfrenta, ainda que sua irmã mais velha, Stephanie (Tamara Lawrance) note mudanças em seu comportamento, seus pais que se preocupam mais em colocar o pão de cada dia em casa, acabam negligenciando não dando atenção ao problema que parece estar diante de seus olhos.
Por outro lado, a escola comete outro erro grave ao achar que Kingsley não se encaixa com uma turma regular de crianças, evidenciando problemas dislexia que lhe causam atraso para aprender o que crianças da sua idade não tem problema em assimilar. A consequência é a transferência do menino para turma “especial” onde ele irá aprender junto com crianças que enfrentam a mesma dificuldade.

Neste ponto o longa não poupa críticas ao sistema educacional britânico, que prefere varrer o problema para baixo do tapete, ao invés de treinar professores para lidar com a dificuldade dessas crianças. Uma vez que McQueen expõe o problema do racismo estrutural dessa ala especial que acaba por excluir crianças em sua maioria negras, por achar que elas são menos inteligentes que crianças brancas, abre-se uma discussão de como pessoas negras são jogadas para margem da sociedade sem ao menos ganharem a chance de um ensino de qualidade.
O filme tem 63 minutos de duração e consegue mostrar as falhas de um sistema de ensino, mas também faz questão de mostrar que existe uma solução para o problema. A trama ambientada no ano de 1971 mostra o quão difícil para famílias negras garantirem um ensino de qualidade para seus filhos, e se há um problema como o de Kingsley, eles são logo excluídos sem a chance de tentar encontrar uma solução.
A segunda metade do filme é um alento, pois mostra que a única forma de lutar contra um sistema que não te favorece, é criar alternativas e mecanismos para resgatar essas crianças e leva-las a ter um ensino que as faças progredir. Toda a parte do conselho de pais com Agnes Smith (Sharlene Whyte) evidenciando que o filho não é o único sofrendo rejeição, mas parte de um problema maior, além da cena de Stephanie conhecendo outra forma de ensino que pode ajudar o irmão e principalmente Kingsley finalmente perdendo a timidez ao passar a se adequar a uma forma de ensino que lhe ajude a ler, são momentos emocionantes e tocantes que Steve McQueen captura com destreza.

Talvez por ser uma história mais simples, ainda que tem uma ambientação impecável e uma bela fotografia, o filme tende a nos emocionar mais com pequenos momentos de felicidade depois de muita indignação no seu primeiro ato, a delicadeza na direção de McQueen, somado as boas atuações de Kenyah Sandy (Uma Invenção de Natal) no papel do pequeno Kingsley e Tamara Lawrance no papel de Stephanie, conseguem trazer um filme que se passa no passado, mas soa como uma trama atemporal.
Como o capítulo final da antologia, “Educação” surge como um drama que traz uma visão crítica ao ensino britânico e expõe um dos casos reais mais tenebrosos da história do Reino Unido, onde o racismo, preconceito e a negligência de ensino promoveram uma exclusão absurda de crianças em sua maioria negras. Porém o filme também é sobre esperança e a jornada de Kingsley é a representação simbólica do enredo dizendo que existe uma solução para tudo, a luta dos pais por um ensino de qualidade para os filhos mostra que existe sim alternativas, e que elas não vêm fácil, mas é só coletivamente que se consegue trazer mudanças significativas para romper com preconceitos institucionais, criar novos mecanismos de ensino e assim consolidar o fato de que educação é sempre o melhor caminho a ser seguido e ela tem que servir para todos independente da cor.
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