“Monstro” – Crítica

Ancorado por uma excelente atuação de Kelvin Harrison Jr, este drama traz um assunto que mais uma vez expõe os pré-julgamentos e falhas do sistema judicial norte americano em relação a pessoas negras.

Fonte: Netflix

Filmes de drama focados em julgamentos são interessantes, exige uma atenção bastante grande do diretor na forma de capturar as emoções e fazer a narrativa funcionar de forma concisa e equilibrada trazendo os prós e contras na forma de criar uma tensão em quem está assistindo. Os recentes “Small Axe: Mangrove” e “Os Sete de Chicago” fazem isso muito bem e conseguem ganhar o expectador não só pela relevância de seus assuntos, mas também pelas performances e o desenvolvimento narrativo.

O recente longa “Monstro” (Monster, 2021), drama da Netflix que chegou dia 7 de Maio na verdade levou três anos desde que estreou no festival de Sundance para estrear apenas este ano na plataforma, vem exatamente trazer uma trama com essas características citadas anteriormente e que se passa durante um julgamento. O longa conta a história de Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.), um garoto de dezessete anos que vê sua vida mudar de uma hora para outra quando é acusado de ser cúmplice de um crime que levou a morte de uma pessoa no bairro onde mora.

A narrativa do filme não traz grandes novidades em termos dramáticos, segue bastante a cartilha do gênero ao acompanhar a vida deste jovem, filho de uma família negra de classe média que vive no Harlem em Nova York. O primeiro ato é bastante direto ao mostrar como a vida de Steve é transformada depois da acusação, ao mesmo tempo que utiliza flashbacks para voltar em determinados pontos da história para mostrar como os eventos do assalto aconteceram.

O novato diretor Anthony Mandler consegue trazer certa personalidade para obra, com uma fotografia vistosa e muito bem-feita, uma direção que na maior parte do tempo é competente, o filme as vezes picota demais na edição do julgamento para fazer o andamento da história ficar dinâmico no meio do segundo ato, mas acaba se perdendo um pouco neste momento, porém uma das boas caraterísticas de Mandler é deixar que a história seja carregada pelo seu protagonista.

Fonte: Netflix

O roteiro escrito a três mãos e que tem a assinatura de Radha Blank (The Forty Year-Old Version), Colen C. Wiley e Janece Shaffer, traz uma visão interessante, mais pelo fato do personagem principal ser um estudante de cinema, então a narrativa se passa pelo ponto de vista dele que narra a história como se tivesse lendo um roteiro, é uma boa sacada, mas uma pena que não se mantenha de forma direta até o final, a direção abre mão dela perto do terceiro ato, porém retorna com ela nos minutos finais.

Particularmente eu gosto como a história é contada aqui, o roteiro consegue dar espaço para conhecermos quem é Steve Harmon, sua vida com a família, o pai (Jeffrey Wright), a mãe (Jennifer Hudson) e o irmão pequeno (Nyleek Moore), sua vida na escola com os amigos e principalmente no clube de cinema onde é orientado pelo professor Leroy (Tim Blake Nelson), além é claro dos conhecidos no Harlem, onde tem contato com pessoas de índole duvidosa como James King (Rakim “A$AP Rocky” Mayers) e seu primo Richard ‘Bobo’ Evans (John David Washington) que inclusive estão diretamente envolvidos no assalto.

Em “Monstro”, a história tenta a todo momento intercalar a vida de Steve e sua adaptação na prisão e como isso já começa a mudar o estudante que fica com receio de ser condenado, como a história se passa pelo ponto de vista dele, não temos o elemento da surpresa de saber se ele é culpado ou não, apesar de Mandler segurar bem as cenas do que aconteceu de fato no assalto até o último ato, no entanto o filme ganharia mais peso se conseguisse trazer uma dualidade que deixasse o expectador apostando se ele era inocente ou não, porém isso é uma escolha narrativa, não chega a prejudicar a obra.

Fonte: Netflix

Como o longa se passa em primeira pessoa, a história ganha em emoção e é aí que a trama se mostra eficaz na forma como é contada. Tudo isso só funciona de fato, porque a atuação de Kelvin Harrison Jr. (As Ondas) é muito boa, mais uma vez ele se mostra um ator que tem uma carreira brilhante pela frente, talvez um dos atores negros dessa nova geração com mais potencial para papéis dramáticos, aqui Steve ganha humanidade com o ator entregando um misto de insegurança, medo e vulnerabilidade que traz seu personagem brigando contra um sistema feito para encarcerar pessoas negras do momento que elas entram na corte para serem julgadas.

Outro ponto interessante do filme é este, a história não esconde o quanto o sistema judiciário, carcerário norte americano tem falhas, o quanto um júri pode seguir a narrativa de um promotor e já condenar sem ao menos dar o benefício da dúvida a vítima, principalmente se ela for preta. É claro que isso já foi difundindo em vários filmes e séries (a mais recente “Olhos Que Condenam” é um dos melhores exemplos), mas não há como não se revoltar quando as injustiças estão diante de seus olhos e aqui fica claro da forma como Steve é preso, da forma como é julgado e da forma como o sistema tem pressa em condená-lo, neste ponto o longa é certeiro e consegue passar a mensagem.

Este filme também é muito bom por conseguir trazer um elenco bastante afinado que entrega as emoções certas na hora certa, destaco aqui Jeffrey Wright (Dias Sem Fim) como pai do protagonista e Jennifer Hudson (Dreamgirls) como a mãe do mesmo, o primeiro entrega uma atuação contida, mas poderosa, a segunda consegue emocionar principalmente quando divide a cena com Kelvin numa visita de sua personagem a prisão. Outro destaque vai para Jennifer Ehle (Cinquenta Tons de Liberdade) como advogada de Steve e o rapper Rakim “A$AP Rocky” Mayers (Dope – Um Deslize Perigoso) que atua até bem no papel de James King.

Fonte: Netflix

De uma forma geral, “Monstro” é um drama decente, produzido por John Legend e o rapper Nas, ele entrega aquilo que se espera dele, apesar de que em determinados momentos os flashbacks possam confundir o expectador na linha do tempo em que traça devido a quantidade deles, mas no geral o longa é muito bem-feito, é emocionante quando precisa, tem uma qualidade e sensibilidade técnica muito boa, uma direção decente e principalmente, uma atuação muito consistente de Kelvin Harrison Jr, que basicamente eleva o filme e vale cada segundo do tempo investido.

O filme expõe ainda uma realidade carcerária e uma realidade judicial que ainda é um grande problema nos EUA, mas não só lá, no Brasil essas injustiças também acontecem aos montes, onde inocentes (principalmente pessoas negras) acabam sendo taxado de “monstros”, mas que por falta de uma acareação melhor, acabam sendo condenados, julgados até mesmo condenados antes mesmo de mostrarem quem são, não seria a hora de prestarmos atenção nos detalhes e nos fatos? Este filme mostra que esses por menores podem evitar que jovens negros sejam presos injustamente e tenham suas vidas destruídas, pense nisso.

Gostou? Assista ao trailer. Se já assistiu ao filme, deixe sua opinião logo abaixo.

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