Radha Blank cria uma autobiografia cheia de charme e estilo com um brilhantismo poucas vezes visto.

Quando a idade chega é um caos, seja quando você atinge trinta, quarenta ou cinquenta anos, o peso de atingir um patamar na vida causa preocupação e receio, principalmente quando se tem a sensação de estar travado, seja na carreira profissional, ou no amor, por exemplo. Às vezes é preciso se reinventar para atingir a grandiosidade, as vezes é preciso sair da zona de conforto focando em novas áreas, áreas que você nunca pensou que poderiam te surpreender e é aí que você atinge o ápice da sua intelectualidade.
Estou dizendo isso, porque todos esses elementos comentados anteriormente fazem parte da trajetória da história de Radha no longa “The Forty Year Old Version”, filme protagonizado pela própria Radha Blank, que também escreve e dirige uma narrativa que faz uma análise bastante interessante sobre gentrificação da periferia de Nova York, que acaba servindo como uma análise da própria protagonista e seu processo de “gentrificação” tendo que lidar com uma crise de meia idade enquanto encontra meios de se manter na ativa e se reencontrar na carreira.
O longa é todo em preto-e-branco, talvez não seja do gosto da audiência de massa, mas isto lhes garanto traz toda uma identidade visual a obra, dando não só um charme para trama como também abraça a cultura de uma Nova York poucas vezes mostrada nas telas, um caldeirão cultural misturando aspecto da comunidade negra local e da comunidade latina, tudo isso ampliado por uma direção bastante sólida e que torna a atmosfera única e linda de se assistir.

A narrativa é uma mistura de drama e hip hop, o roteiro traz Radha querendo chegar aos quarenta enquanto analisa a si mesma e aonde chegou, percebendo que estava totalmente dependente de um sucesso do passado para conseguir novas chances de escrever peças no teatro. A personagem tem como confidente o amigo Archie (Peter Kim), além de ser professora de teatro numa escola local, onde seus alunos a fazem questionar como ela chegou até aquele ponto.
A primeira metade da trama é bastante eficiente em situar o expectador a rotina da personagem e suas frustrações, tudo muito regado ao bom humor de Blank que brilha em tela nos fazendo torcer para que a personagem se encontre de novo. A virada da personagem acontece quando ela tenta se aventurar dentro do mundo hip hop gravando um cd, enquanto toca um novo projeto no teatro.
Uma das qualidades de “The Forty Year-Old Version” é sua personalidade vibrante, o longa apesar de a meu ver ter aproveitado pouco o talento de Radha Blank fazendo mais freestyles, porque ela manda muito bem, vide a cena que manda um rap nervoso durante uma gravação já no meio da história, ganha por trazer esta mesma sequência num momento divisor de águas para personagem dentro da trama e foi aí que a história me ganhou.

O filme é muito sobre sair da zona de conforto, as vezes você fica tão focado em apenas seguir uma rotina que nada muda, a protagonista percebe isso e quando tenta algo novo, um mundo novo se abre, inclusive a trama ganha um novo ritmo também. É bom ressaltar que o roteiro é cheio de críticas muito bem boladas que as vezes são sutis, mas na maioria das vezes são bem diretas sobre “mansplanning”, “racismo velado” e outros temas atuais presentes no ambiente que a personagem, as melhores é quando ela tem que se dobrar para aguentar comentários explicitamente racistas de um produtor musical, a resposta é antológica e a reação é memorável.
O terceiro ato com a apresentação da peça é bastante interessante também, ainda que o filme perca um pouco de ritmo, a trama não deixa ser menos brilhante do que veio antes, afinal o contexto da gentrificação urbana é bastante interessante, seja na forma de crítica, seja na forma como os intelectuais e ricos veem a situação toda, ali também é onde Radha Blank brilha num monólogo sensacional coroando uma obra original que sabe se fazer ouvir e coroa a emancipação de uma mulher que se vê maior do que as imposições que a sociedade tem sobre uma mulher de quarenta anos.
De uma forma geral, “The Forty Year-Old Version” é um longa maravilhoso, muito bem escrito, muito bem atuado, as vezes bastante incisivo é verdade, porém encantador ao explorar as facetas dessa mulher fascinante que tenta encontrar um novo caminho para sua própria vida. Esta produção da Netflix é uma das melhores obras de 2020 e merece ser assistida e apreciada, não só por sua qualidade técnica, mas pela sua história surpreendente e muito bem conduzida. É sobre a vida, é sobre hip hop, é sobre pessoas e é sobre tudo isso junto e misturado.
Radha Blank dirige e escreve uma autobiografia com personalidade ao conseguir capturar a aura do gueto nova iorquino de uma forma atual, autêntica e estupenda. –
Certificado Excelência Negra
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