Uma crítica social disfarçada de filme de terror numa trama muito mal executada faz desse longa uma grande decepção.

No cinema filmes com cunho social são comuns, muitos necessários e quando acertam em saírem nos momentos certos podem servir como reflexão e alerta sobre algo ou sobre algum assunto relevante. Jordan Peele conseguiu essa façanha ao apresentar ao público sua obra prima “Corra” em 2017 mostrando o racismo como forma de terror e Bong Joo Ho fez de seu longa “Parasita” uma alegoria crítica sobre divisão de classes. Dois filmes distintos e premiados que só triunfaram em mandar sua mensagem corretamente, porque tudo funcionou em harmonia, seja na direção, roteiro e atuações, infelizmente há casos como de “A Escolhida”(Antebellum, 2020), que tem muito a dizer, mas que acaba por fazer escolhas estranhas resultando em algo que carece de mais polimento.
Este longa dirigido e roteirizado pela dupla novata Gerard Bush e Christopher Renz tem uma premissa intrigante que conta a história da autora bem sucedida Verônica Henley (Janelle Monáe) se encontra em um pesadelo em uma realidade aterrorizante e precisa correr contra o tempo para sair do lugar onde se encontra. Veja bem, “A Escolhida” se vendeu como mistério com toques sobrenaturais em seu marketing e quando você está assistindo esta sensação permeia até o segundo ato, quando as reviravoltas começam, o filme infelizmente se perde na sua mensagem.
O filme tem dois grandes problemas, o primeiro é o ritmo, bastante irregular ele começa a testar a paciência do expectador, já que a narrativa não caminha, pois o roteiro tenta situar seu público dando o mínimo possível de informações apenas esperando que a história siga seu caminho naturalmente, só que falta um desenvolvimento de personagem mais efetivo. O segundo problema é a falta de sutileza da trama, impossível não sentir revolta com as cenas de personagens negros sendo violentados e espancados gratuitamente por puro ódio, ok, aquele era um contexto da escravidão, essas coisas aconteceram, só que vemos este terror carregado de estereótipos e sem um contexto para que espectador entender porque certas coisas acontecem.

A narrativa também carece de uma linearidade, ao trocar sequências de forma guardar o mistério por traz da trama para segunda metade do filme, o roteiro se perde quando precisa ligar o aparente presente com o passado. Tudo isso seria pior, se Janelle Monaé numa performance muito boa, não conseguisse segurar suas cenas, mesmo que Verônica sofra um trauma com essa nova realidade, a história da a entender que ela entende o que está vivendo esperando o momento de certo de contra atacar. Só que mais uma vez, o roteiro dá muita pouca informação para quem assiste, justificando a violência que ela sofre de forma pobre, porém ainda assim Monaé consegue atuação sólida passando a ideia de uma autora negra, empresária bem sucedida cheia de empoderamento no presente em contraponto a sua persona totalmente traumatizada pela cruel realidade que se encontra no começo do primeiro ato.
Com o ritmo e a falta de sutileza sendo dois grandes problemas de “A Escolhida”, isso acaba por atrapalhar a mensagem social que os diretores tentam passar, mesmo que o terceiro ato traga momentos de pura satisfação (fogo nos racistas nunca fez tanto sentido aqui). Você consegue perceber as críticas pertinentes quanto tentam mostrar que pessoas negras em cargos de influência ou fora dos padrões que os brancos sempre impuseram causa uma certo incomodo ao tradicionalismo norte americano, isso é usado de uma forma esperta na segunda metade, mas a falta de desenvolvimento de alguns personagens, torna tudo muito superficial, claramente se percebe a tentativa de abrir um diálogo com ênfase numa crítica embutida, mas falta peso e com isso tudo que foi construído fica no meio do caminho.
Quando mencionei a falta de desenvolvimento, acredito que o elenco no geral é subaproveitado, personagens como Eli (Tongayi Chirisa), Julia (Kiersey Clemons) e Dawn (Gabourey Sidibe) se mostram interessantes, porém ou são retirados da trama muito cedo no caso de Clemons, ou o desenvolvimento é curto como no caso de Sidibe, ou o desenvolvimento fica no meio do caminho, como no caso de Chirisa, uma pena, pois serviriam para encorpar melhor a trama. Sem falar que personagens como Capitão Jasper (Jack Huston) e Elizabeth (Jena Malone) são estereotipados e muito caricatos para que você entenda suas motivações claramente.

Em termos de produção, “A Escolhida” tem seus méritos, a trilha sonora, por exemplo me agradou bastante e a fotografia é muito boa, se vê um certo apuro técnico nesses fundamentos. Tenho meus problemas com a direção, roteiro e edição, mas o figurino é bom ao menos e a ambientação é bem realizada, me conseguiu transportar para época que queriam retratar.
De uma forma geral, fica complicado achar muitos pontos positivos em “Antebellum”, o filme oscila muito e falha um pouco em entregar uma história de sobrevivência com consistência, um drama que claramente tem problemas de execução e falha também em manter o suspense até o fim, apesar de alguns bons momentos. Como um todo é a atuação de Janelle Monaé é que justifica a investida neste longa, mesmo que o primeiro ato seja arrastado e a segunda metade tenha algum apelo, a narrativa precisaria de um desenvolvimento melhor para fazer a crítica que almeja da forma correta, a sensação ao final da projeção é de que podia ser melhor, porque a história tinha muito potencial, mas é executada de uma forma muito equivocada soando gratuita e inconsistente.
