Um drama poderoso, doloroso, chocante e ancorado por uma atuação excelente de Danielle Deadwyler, mais uma vez mostra os horrores do racismo norte americano na sua pior forma.

Muito se foi falado nas comunidades e nos movimentos negros sobre a questão de obras que reproduzem o sofrimento da sua forma mais dolorosa. Contar histórias verídicas sobre escravidão e racismo nunca são fáceis e sempre tem o risco de ocorrer exageros e excesso de cenas violentas que acabam ofuscando a verdadeira mensagem por traz de uma produção. Na minha visão, o tema sempre será importante, porque na maioria das vezes está atrelado a história e infelizmente devemos mostrar o que aconteceu para que esse tipo de preconceito e violência não volte a se repetir.
A temática é complexa e recentemente o público está escolhendo não assistir certas obras para evitar o sofrimento negro em tela. Infelizmente isso acaba sendo usado em filmes, séries, novelas e outros meios sem os devidos cuidados e com exagero dramático muito grande, exemplo recente é a série “Eles” da Amazon Prime, afastando o público de massa destas obras, principalmente o público preto que não quer ver uma extensão desse sofrimento, o que é totalmente compreensível, como ocorreu com recente drama da Apple TV, “Emancipação – Uma História de Liberdade”, protagonizado por Will Smith.
Ainda assim, estas histórias precisam ser contadas e precisam vir à tona como forma de mostrar que a luta do passado ainda não acabou, muito foi conquistado, mas muito ainda precisa ser conquistado para que tenhamos um mundo realmente mais tolerante, com direitos e mais aceitável socialmente. É dizendo tudo isto que venho falar da nova produção da Orion Pictures e MGM distribuído pela Universal Pictures aqui no Brasil e que também é produzido pela atriz e produtora Whoopi Goldberg (Mudança de Hábito), o longa “Till – A Busca Por Justiça” (Till, 2022) conta a história verídica de Mamie Till-Bradley (Danielle Deadwyler) que tem seu filho Emmett Till (Jalyn Hall) assassinado de forma brutal no Mississippi no interior dos EUA em pleno período de segregação, principalmente nos estados do sul.

A trama se passa em 1955, alguns anos antes da declaração dos direitos civis e em um período onde negros e brancos ainda viviam de uma forma bastante segregada apesar de notarmos um movimento de mudança principalmente nos estados do norte dos EUA. A narrativa se passa no período que o garoto Emmett, chamado carinhosamente pela mãe de Bo, vai passar férias na casa dos tios e dos primos no condado de Money no Mississippi, lá o garoto acaba envolvido numa situação que acaba colocando sua vida em risco.
O roteiro escrito a três mãos por Michael Reilly, Keith Beauchamp e Chinoye Chukwu (Clemência), esta última assina o longa como diretora, traz aqui uma obra que bastante objetiva e direta que se divide em dois momentos, o primeiro o choque da morte de um garoto de negro de 14 anos e a reação de sua mãe, depois em um segundo momento focado na revolta e comoção nacional a esta morte que ajudou a mudar o curso da luta dos direitos civis dos EUA para sempre.
A maior qualidade de “Till” é ser um drama que não cai no clichê, apesar de seguir a cartilha daquilo que deu certo no gênero, existe uma certa dramatização aqui, mas bem dosada e sem exageros, porém muito disso se deve a direção perspicaz de Chukwu que surpreende na forma como demonstra total apuro técnico e uma identidade própria na forma como retrata a história e consegue tirar emoção das cenas mais simples conseguindo em pequenos enquadramentos de momentos íntimos soarem poderosos, chegando a enquadramentos mais amplos que mostram bem a intenção dos personagens e a hostilidade do ambiente que se encontram, desta forma a diretora consegue aproximar a protagonista do expectador nos fazendo sentir a dor daquela mãe que perdeu seu mundo de um dia para noite.

A construção da antecipação antes do evento chocante traz um primeiro ato bastante forte representado pelos receios de Mamie ao mandar seu filho para casa dos parentes, enquanto a atmosfera construída entrega uma melancólica sensação de que algo ruim irá acontecer. O segundo ato é para os corações forte, digo isso porque as cenas são dolorosamente tristes e igualmente revoltantes.
O terceiro ato traz um longa que se transforma uma narrativa de tribunal, mas sem o peso dos atos anteriores, mas que aqui funcionam exatamente porque uma atuação consegue ser a cola do filme inteiro. “Till” só funciona, porque a atriz Danielle Deadwyler (Vingança & Castigo) entrega uma performance de tirar o fôlego e profundamente dilacerante, com expressões que dizem tudo sem nenhuma palavra ser dita. E quando os diálogos surgem e que na mão de uma atriz menos talentosa poderia soar piegas, aqui soam como pancada emocional onde sentimos a dor e revolta muito forte que só ela consegue entregar, num controle de atuação poucas vezes vista em tela gerando uma das melhores atuações de 2022. Outro destaque é o ator mirim Jaylin Hall (Space Jam 2: Um Novo Legado) que mesmo com pouco tempo de tela, entrega uma boa performance.
É a partir deste ponto que esta obra se torna algo significante dentro do gênero, de uma forma geral, “Till – Uma Busca Por Justiça” que tem estreia marcada para 9 de fevereiro aqui no Brasil, se mostra um longa arrebatador e forte, muito bem dirigido e atuado, possui ainda uma produção impecável com uma cinematografia que potencializa bastante o trabalho de Chukwu, sem falar nos figurinos e maquiagem que valem uma menção. Com um ritmo bom e imersivo que mais uma vez mostra as atrocidades do racismo e como o ser humano pode ser cruel das piores maneiras possíveis, a trama em si é um soco no estômago. Ainda que a segunda metade traga bastante indignação, em meio a tanto sofrimento evidenciando um sistema corrupto, racista e injusto, as ações de Mamie Till se tornaram um movimento importante não só nos EUA, mas no resto do mundo, mostrando que a luta por justiça deve ser de todos e não participar é ser conivente com mortes e brutalidades de vidas negras, que naquele período importavam, hoje ainda importam e sempre vão importar.
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