Intenso, poderoso e ambicioso. Um dos longas mais esperados do ano e protagonizado por Viola Davis, entrega ação de primeira, ótimas atuações e o poder de mostrar a negritude feminina em sua plenitude.

O cinema direcionado para o público negro é diferente, durante anos o cinema hollywoodiano entregou obras peculiares em diversos gêneros exaltando a cultura negra, em sua maioria norte americana, porém agora existe um movimento que se espalha pelo mundo de também de forma abraçar outras comunidades negras, principalmente as africanas, resgatando histórias verídicas e contos de forma mostrar a riqueza e complexidade dessa cultura continental cheia de povos e línguas distintas.
Digo isto, para falar do novo longa que estreou nos cinemas brasileiros no último dia 22 de setembro, “A Mulher Rei” (The Woman King, 2022), estrelado por Viola Davis (A Voz Suprema do Blues), esta produção da Sony Pictures conta a história das Agojie, mulheres guerreiras do Reino de Daomé na África Ocidental, que sobre o reinado de Ghezo (John Boyega), precisam se preparar para uma guerra declarada contra o Império de Oyó, liderada pelo terrível general Oba Ade (Jimmy Odukoya), que tenta se vingar após as guerreiras lideradas por Nanisca (Davis) resgatarem mulheres de Daomé capturadas por traficantes de escravos.
É bom deixar claro que o roteiro escrito por Dana Stevens (Paternidade) baseado numa história escrita pela atriz agora roteirista Maria Bello (Marcas da Violência), baseia-se em eventos reais, mas claramente toma liberdades criativas para que o longa funcione dramaticamente, isso pode sim incomodar quem conhece a história do Reino de Daomé ou quem vá eventualmente pesquisar sobre assunto após assistir ao longa, mas em sua essência, a história das guerreiras africanas está lá em sua plenitude.

Enquanto “A Mulher Rei” consegue apresentar bem suas personagens logo no primeiro ato com as guerreiras de Nanisca mostrando que são as mais letais mulheres do continente africano ao salvarem escravas de seu cativeiro, temos aqui também apresentação de um Reino africano rico e próspero que sobreviveu até então de tráfico de escravas, mas que tenta aos poucos quebrar essa tradição mesmo com resistência de alguns junto ao rei.
À medida que a história dirigida por Gina Prince-Bythewood (The Old Guard) apresenta suas personagens, começamos a seguir o ponto de vista de Nawi (Thuso Mbedu), uma jovem garota que se recusa a casar e quer se juntar as Agojie e assim se tornar uma grande guerreira. O que fica bem claro aqui, é que o filme é um drama com seguimentos pesados que envolvem violência feminina que chegam incomodar quem assiste, ainda assim o fio condutor é guiado pela ação, enquanto vemos um conflito tornando forma, conhecemos mais dos costumes do Reino de Daomé, das guerreiras e como essa comunidade se tornou uma força a ser temida pelos outros reinos.
A palavra que define bem este longa, é comprometimento. Claramente se vê uma dedicação e entrega em todos os aspectos dessa produção que tenta não só exaltar a cultura negra em sua essência, bem como trazer uma ambientação que realmente nos leve para uma África de 1820 que está em plena era sombria do tráfico negreiro como principal fonte de comercialização onde muitos africanos foram capturados e levados para fora do continente para serem escravizados nas Américas.
Esse sentimento de perigo é constante na narrativa, que apesar de se apoiar em alguns clichês do gênero e se utilizar de algumas conveniências de roteiro para fazer o drama alavancar em determinados momentos, ainda assim consegue trazer tensão e emoção genuína, muito disso se deve a direção bastante consistente de Prince, que não só sabe equilibrar momentos mais íntimos entre suas personagens que cria um laço com o público, com momentos mais grandiosos e épicos de batalhas que vão fazer o expectador perder o fôlego.

E isso só fica melhor, porque o elenco é um espetáculo a parte, trazendo os atores negros mais conhecidos da atualidade, temos aqui pequenos grandes momentos na maior parte deles protagonizados pelas mulheres que praticamente dominam cada aspecto da obra. Enquanto Thuso Mbedu (The Underground Railroad) traz carisma, curiosidade e emoção para trama no papel de Nawi, Lashana Lynch (007: Sem Tempo Para Morrer) finalmente ganha um papel visceral que ela domina com tanta destreza que merece ser vista na temporada de premiações ao trazer a vida a feroz Izogie.
Ainda temos John Boyega (Star Wars: O Despertar da Força) no papel do rei Ghezo e a sempre ótima Sheila Atim (The Underground Railroad) no papel da guerreira e destemida Amenza. De todas essas atuações, Viola Davis continua sendo o grande destaque aqui no papel da líder Nanisca, sua personagem traz a essência da mulher forte com trauma no passado que cria uma casca para se tornar a líder de uma legião de mulheres para defender um reino, Davis entrega uma atuação emotiva, intensa, dramática na medida e com um arco narrativo impactante que vai de encontro ao destino de outra personagem da trama.
Mesmo que “A Mulher Rei” em alguns momentos seja óbvia demais nas suas intenções, fica claro que o filme quer trazer heroínas africanas genuínas para um público amplo que merece conhecer uma história tão inspiradora. Se para os expectadores no geral, o filme é um robusto blockbuster com eco de drama, para o público negro o longa serve como pura exaltação do emponderamento feminino negro sem medo de se apoiar no entretenimento para entregar um espetáculo.

E o longa não para por aí, sua fotografia é belíssima não só por mostrar cenas externas visualmente de encher os olhos do reino Daomé que um dia se tornaria o país do Benin, mas também por conseguir capturar a beleza negra em toda sua forma, seja referenciado nos costumes (as canções e ritos de guerra são de arrepiar), seja referenciado nas roupas, seja referenciado na fisicalidade das personagens, seja referenciado nos rituais e diversos nomes citados.
A trama ainda tem uma trilha sonora tribal com acordes que trazem sensibilidade e ferocidade à medida que o filme se desenvolve. As sequências de ação são um caso a parte com destaque para batalha campal que ocorre no final do segundo ato mostrando mais uma vez uma direção bastante consistente de Gina Prince, que aqui mostra mais maturidade na condução das cenas e mais segurança ao investir em sequências de batalha ambiciosas com um nível de violência até bastante alto.
No geral, “A Mulher Rei” entrega tudo que se espera de um longa de ação, aventura e drama, com atuações sólidas lideradas por uma sempre competente Viola Davis, esse épico hollywoodiano é uma superprodução magistral que vai te deixar empolgado do início ao fim. Ao trazer temas importantes como tráfico de escravos, violência feminina, opressão patriarcal para contar a história de guerreiras que superam adversidades para ganhar sua liberdade através da força e da inteligência sem baixar a cabeça para um sistema opressor, temos aqui um dos filmes mais interessante, brutais e emocionantes do ano, que merece ser assistido na melhor tela possível no puro sentido de absorver a melhor experiência cinematográfica deste épico de qualidade.
Gostou? Veja o trailer e comente o que achou do filme se já conferiu no cinema.



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