“Sandman” – 1° Temporada – Crítica

Uma das obras mais aclamadas do gênero literário ganha uma adaptação cheia de estilo, estética e grandiosidade que promete capturar os sonhos e a imaginação de antigos e novos fãs.

Fonte: Netflix

Já falamos de diversas adaptações aqui no HN e sabemos que as obras literárias são difíceis de serem adaptadas e exigem de seus roteiristas, atenção aos detalhes, desenvolvimento de personagens e principalmente trazer a essência da obra original para versão seriada. Quando isso é feito com destreza, a adaptação normalmente é um sucesso e as vezes se torna um fenômeno.

A obra “Sandman” é uma das histórias mais aclamadas criadas pelo gênio Neil Gaiman que também é autor de outros sucessos como o livro infanto juvenil “Coraline” e a considerada obra prima “Deuses Americanos”. Depois de anos de espera em uma luta insana que envolveu rumores, atores famosos, roteiristas renomados e a certeza de Gaiman em fazer uma adaptação decente e fiel para sua obra mais famosa. Finalmente através do investimento da Netflix, “Sandman” (The Sandman, 2022) foi adaptado para telinhas e estreou no começo deste mês.

A trama da série conta a história de Morpheus (Tom Sturridge), o Deus dos Sonhos que é aprisionado na Terra durante décadas, finalmente escapa do seu cativeiro e tenta evitar a destruição do seu reino partindo em uma jornada entre mundos para recuperar seus objetos perdidos para restaurar seu poder e salvar seu lar. A adaptação foi escrita há três mãos, o próprio Neil Gaiman, David S. Goyer (Batman – O Cavaleiro das Trevas) e Allan Heinberg (Mulher Maravilha) que tomaram todo cuidado na construção do universo e na transição da HQ de 34 anos de idade para o formato de seriado.

Fonte: Netflix

Isto fica nítido no piloto “Sonho dos Justos” (1×01), um episódio bem desenvolvido que toma seu tempo para acontecer, notasse uma cadência necessária para conhecermos a história por traz do aprisionamento do Deus dos Sonhos, quando o ocultista Roderick Burgess (Charles Dance) tenta aprisionar a Morte e acaba prendendo Morpheus no lugar. A história se passa entre época e vemos sementes sendo plantadas em um universo rico que traz um tom fantástico bastante interessante de acompanhar.

Apesar do piloto ser correto, fica nítido que a série necessita encontrar sua própria identidade e seu próprio dinamismo. Enquanto primeiro episódio tem cara de prólogo e termina de forma empolgante, o segundo episódio se torna algo mais serializado e expansivo. Em “Anfitriões Imperfeitos” (1×02) vemos uma série que almeja se tornar única e se mostra visualmente hipnotizante com personagens que são ao mesmo tempo peculiares e intrigantes.

A jornada de Morpheus para recuperar seus artefatos mágicos também é uma jornada de descobrimento para o expectador. Enquanto a série se apoia na fidelidade do seu material base, Gaiman, Goyer e Heinberg aproveitam para capturar aqueles que ainda não estão familiarizados com este universo, que mistura o sobrenatural e o bizarro de uma forma bastante eficiente tornando a experiência ainda engajante.

Fonte: Netflix

No terceiro episódio “Sonhe Comigo” (1×03) temos a inserção de Johanna Constantine (Jena Coleman) e do vilão John Dee (David Thewlis) que ajudam a engrandecer a série construindo uma jornada que mostra que o roteiro se preocupa em desenvolver seus personagens com um tom mais sóbrio ainda que o aspecto fantástico esteja presente a todo momento.

A série sobe de patamar quando coloca Morpheus para enfrentar Lúcifer (Gwendoline Christie) em um dos melhores episódios da temporada. Aqui em “Uma Esperança no Inferno” (1×04) vemos como a produção de “Sandman” é ambiciosa não só em escala, mas também no cuidado técnico em desenvolver uma direção de arte única e um design de produção espetacular que é apenas um pontapé inicial de um mundo simplesmente hipnotizante.

Outro aspecto que vale salientar aqui é como os roteiristas trabalham os dilemas entre deuses e humanos na questão da imortalidade e do poder absoluto. É neste ponto que o seriado deixa de ser uma mera peça dentro do próprio gênero, para se tornar uma obra que começa a marcar nossa memória. Enquanto o episódio “Sem Parar” (1×05) vai fundo no estudo da índole humano sobre verdades e mentiras, o brilhante episódio “O Som das Asas Dela” (1×06) mostra finidade da vida humana e como não conseguimos desapegar do plano material, resultando em ótimas reflexões entre Morpheus e sua irmã a Morte (Kirby Howell-Baptiste).

Fone: Netflix

A primeira metade da temporada é tão excelente, que uma queda de qualidade é sentida na reta final da série, não que isso a torne menos interessante, mas o polimento visto até então meio que dissipa em prol trazer um arco que irá fechar a narrativa. Enquanto o todo parece bem trabalhado com pontas soltas sendo fechadas e se conectando com os ganchos deixados no piloto preenchendo lacunas, fica claro que há uma simplificação da história diminuindo um pouco nossas expectativas em relação a série.

Ainda assim, muito do que se vê na qualidade de “Sandman” se dá por conta da escolha correta do elenco. Não há dúvida que a presença de Neil Gaiman nos bastidores e a noção dos produtores em trazer um elenco mais diversificado tornou a narrativa do seriado muito mais universal e representativa, mas não apenas por conta da pauta social, mas pelo talento dos atores envolvidos.

A escolha de Tom Sturridge (Longe Deste Insensato Mundo) como Morpheus foi bastante feliz, o ator tem presença, uma voz mansa, mas forte, um aspecto intimidador e sem falar que parece bastante à vontade no papel, conseguindo atuar de maneira esplêndida. Patton Oswalt (Jovens Adultos) dando a voz ao corvo guia Matthew também foi uma grata surpresa. David Thewlis (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban) no papel do vilão John Dee é uma boa escolha para um ator que sempre entrega um bom trabalho.

Fonte: Netflix

Outros atores que merecem menção são: Boyd Holbrook (Logan) no papel do vilão Corinthian, Mason Alexander (Cowboy Bebop) no papel do perverso Desire e Stephen Fry (O Guia do Mochileiro das Galáxias) no papel de Gilbert. É importante abrir um parágrafo aqui para destacar os atores negros da produção, Vivienne Acheampong (Convenção das Bruxas) no papel da bibliotecária do mundo dos Sonhos, Lucienne, além da ótima Kirby Howell-Baptiste (Jurassic World: Acampamento Jurássico) no papel da benevolente Morte.

O ator mirim Eddie Karanja faz um bom trabalho no papel de Jed Walker, mas é a atriz Vanesu Samunyai no papel de Rose Walker que tem o destaque maior na reta final da temporada servindo como personagem chave nos episódios “Casa das Bonecas” (1×07), “Brincando de Casinha” (1×08) e o curioso “Colecionadores” (1×09) no arco do Vórtice que traz uma trama menos elaborada, mas boa o suficiente para nos levar a conclusão da história.

A segunda metade da temporada pode não ser um primor, mas pelo menos entretém, sem falar que está recheado de easter eggs para os mais aficionados, mas também proporciona momentos para Morpheus e Rose Walker ganharem destaque. O ritmo que no começo era mais cadenciado, aqui ganha mais agilidade de série, com ganchos entre os episódios e boas reviravoltas que mostram o potencial da obra na forma de surpreender seu público apesar de algumas saídas acontecerem um pouco fáceis demais.

Fonte: Netflix

No geral, a série “Sandman” é uma grata surpresa, inteligente, criativa e que cresce de forma linear até o ótimo final de temporada “Corações Perdidos” (1×10), se consolidando assim como um produto de qualidade com um valor de produção que fez jus a seu pomposo orçamento de 150 milhões de dólares. O elenco é ótimo, o roteiro é eficaz em muitos aspectos e pouco se perde sabendo estabelecer um universo rico em mitologia, complexo em ideias e que trazer boas reflexões sobre humanidade e imortalidade. Para uma obra que demorou anos para ter a história certa para ser adaptada, até que o seriado entregou um trabalho bastante decente com muito potencial para se tornar um fenômeno ainda mais do que já é. O Deus dos sonhos agradece, e nós também.

Bônus: A temporada de Sandman ganhou um episódio extra na semana passada com dois contos interessantes que servem como epílogos para a primeira temporada. O episódio bônus “O Sonho dos Mil Gatos/Calliope” (1x11) traz dois contos maravilhosos, o primeiro em formato de animação com a presença de vozes famosas dublando os gatos e o segundo no mesmo episódio contando a história da deusa Callíope, antiga paixão de Morpheus. Um episódio excelente que torna a primeira temporada ainda mais completa. 

Elo Preto

Personagem: Rose Walker
Atriz: Vanesu Samunyeai
Idade: 21 anos

O destaque da nossa coluna de hoje é a atriz negra Vanesu Samunyeai, roubando a cena no papel da destemida e corajosa Rose Walker, Vanesu se mostra bastante segura e empresta sua voz e aparência para uma personagem que toma o protagonismo para si na reta final de Sandman. Ainda que não tenha papéis de destaque ainda em Hollywood, este seriado serviu como porta de entrada para essa jovem britânica descendente de imigrantes do Zimbábue que promete ter bastante futuro na carreira de atriz.

Gostou? Veja o trailer abaixo. E se já terminou a primeira temporada, comente abaixo também.

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