Este drama dirigido por Rebecca Hall traz questões interessantes sobre colorismo em uma história com ótimas performances de Tessa Thompson e Rugh Negga, mas que carece de aprofundamento na temática e mais polimento para dizer a que veio.

A temática sobre colorismo é complicada e complexa, principalmente em sociedades como a norte americana e a brasileira onde há muitas relações interraciais e onde pessoas denominadas birraciais acabam caindo numa linha bastante tênue por transitar entre dois mundos, mas nunca se encaixar inteiramente nenhum deles, tendo no final das contas que fazer uma análise de si mesmos e saber até onde vai seus privilégios em relação a passividade de transitar entre pessoas brancas pela tonalidade da pele, e até onde vai esta passividade em realmente se ver também como uma pessoa negra. Como eu disse, complexo.
O drama “Identidade” (Passing, 2021) dirigido pela estreante na direção a atriz agora diretora Rebecca Hall (The Night House) traz essa temática do colorismo a tona ao contar a história baseada num livro de mesmo nome escrito por Nella Larsen, o termo em português não traduz muito a ideia do filme, mas quando dissemos “Passing” no inglês, está relacionado as pessoas afro americanas que tem a cor da pele clara o suficiente para serem percebidas como brancas, dai a origem do termo.
A questão é bastante instigante numa trama que conta a história de Irene Redfield (Tessa Thompson), uma mulher negra de pele clara que vive no Harlem que em um certo dia encontra uma amiga de infância por acaso em um hotel de luxo em Nova York. A amiga em questão é Clare (Rugh Negga), uma mulher negra que se “passa” por branca e é casada com um homem branco rico de Chicago.

A narrativa também escrita por Hall, consegue estabelecer muito rápido a relação de Irene e Clare, além de mostrar um pouco como a mentira contada pela segunda ao marido funciona na prática. A ideia do longa é muito boa e inclusive a cinematografia em preto e branco ajuda a compor a história de tal forma que o público consiga acreditar que as duas amigas realmente conseguiriam se passar por pessoas brancas.
A temática racial é muito forte no filme, mas infelizmente Hall trata tudo com muita superficialidade, todos os elementos estão lá, racismo explicito, o privilégio da passividade, o impacto que isso causa quando é percebido na sociedade, porém a diretora não consegue dar profundida ou atenção devida a nenhum desses temas não só por não ter muita intimidade com o assunto, mas também por não se arriscar em um território que não é seu lugar de falo, afinal ela é branca contando uma história sobre pessoas pretas.
Por outro lado, a diretora acerta ao trazer protagonistas fortes e complexas, além de um tom de melancolia e dúvidas que entrelaça a relação de Irene e Clare. Enquanto a primeira é atormentada pela culpa e se vê atraída de uma forma intensa pela vida da amiga, a segunda parece viver na sua própria prisão particular ao se apoiar em uma mentira e renegar sua própria negritude em favor dos privilégios sociais que as pessoas brancas tem em 1929, período onde a trama se passa.

A primeira metade de “Identidade” é sobre riscos e arrependimentos, duas personagens de mundo diferentes se veem cada vez mais próximas quando Clare passa a frequentar mais a residência de Irene, que é casada com um médico (Andre Holland) e vive com os filhos numa região de classe média no Harlem em Nova York. A segunda metade é sobre mentiras, dúvidas e culpa, é onde o longa deveria ganhar mais peso e intensidade, mas acaba carecendo de mais desenvolvimento e nunca chega a atingir seu verdadeiro potencial dramático.
A obra vale a pena mesmo pelos seus aspectos técnicos, o cuidado da direção é notado desde o primeiro frame, as tomadas são delicadas, sensíveis sempre conseguindo extrair as emoções de seu elenco, méritos para Rebecca Hall que estreia muito bem aqui mostrando bastante personalidade e um olhar feminino apurado principalmente na forma como trata suas protagonistas. Além da bela fotografia, o filme tem um roteiro cheio de ótimos diálogos gerando conflitos em profusão, a trilha sonora é muito boa que dita muito o ritmo da narrativa, outros destaques também vão para ambientação e o figurino conseguindo nos transportar para os anos 30.
Sobre o elenco, as atuações são ótimas, Tessa Thompson (Creed: Nascido Para Lutar) está muito bem no papel da bela Irene, uma atuação vulnerável, contida, pensante, mas cheia de emoção internalizada numa profusão de sentimentos que a atriz consegue entregar muito bem mostrando suas dúvidas em relação a amiga (surgindo um sentimento de amor aqui que nunca atinge sua plenitude), em relação a família (o medo dos filhos descobrirem os terrores do mundo para pessoas negras), além do peso da mentira por tentar se passar por uma pessoa que não é.

A atriz Rugh Negga (Loving) traz outra atuação maravilhosa, servindo de contraponto perfeito para atuação contida de Thompson, sua personagem é extrovertida, ousada e apesar de sofrer com peso de uma mentira, sente falta do passado onde podia ser ela mesma, aqui a atriz é um poço de carisma e consegue ter uma química boa com a colega de cena. Outros nomes coadjuvante ajudam a compor a trama como: Andre Holland (Moonlight), Bill Camp (O Gambito da Rainha) e Alexander Skarsgard (Godzilla Vs Kong), todos com atuações boas.
No geral “Identidade” tinha tudo para ser um drama denso e marcante, mas acaba não tendo tanto êxito por não dar profundidade aos temas levantados. Seu terceiro ato surpreende, mas é pouco para ser algo realmente satisfatório ou marcante, a diretora e roteirista Rebecca Hall se mostra no controle da obra, mas não se arrisca por não dominar bem os temas raciais, ainda que tenha uma mão sensível nos diálogos em um fio condutor consistente, falta-lhe maturidade para capturar a essência da própria obra, que só se salva pelas ótimas performances de Tessa Thompson e Rugh Negga, duas mulheres com pontos em comuns, personalidades distintas, mas que são consumidas pela mentira de tentar se passar por pessoas que não são, em uma sociedade ainda assolada pelo preconceito e o racismo, esses fatores podem levar a um desfecho no mínimo trágico.
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